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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Atribuição de aula: crônica de uma humilhação anual...

Foto: Roberto Tofoli

Todos os anos o drama se repete e cada vez mais com ares de angústia e apreensão conforme a política educacional tucana, ao longo desses últimos 20 anos, aperta o cerco em torno da carreira docente no Estado de São Paulo.

Participo de atribuições de aulas desde 2003, ano em que ingressei na carreira de professor do Estado. Quem participa sabe bem o que significa.

Para quem já trabalha há algum tempo, existem duas jornadas de trabalho mais comuns: a jornada básica de 25 aulas e a jornada integral de 32 aulas. Como ao longo desses últimos 20 anos o processo de fechamento de salas de aula é contínuo e a defasagem salarial é constante, os professores do Estado são obrigados a cada ano a disputar palmo a palmo as aulas que ainda restam.

Como ninguém consegue sobreviver da jornada básica, todos buscam completar sua jornada de 32 aulas, por uma questão mínima e vital de pagar as contas. Mas a cada ano as aulas se escasseiam e o drama aumenta.

Eu tenho 13 anos de Estado, tenho um Mestrado e realizo cursos e provas de evolução funcional. Hoje, com 32 aulas, meu salário líquido, ou seja, aquilo que chega ao meu bolso gira em torno de 3200 reais. Não há profissão que exija diploma superior que pague tão pouco.

Na rede estadual são 200 mil docentes que todos os anos passam pelo drama da expectativa da atribuição de aulas em busca desse salário que mencionei acima, alguns um pouco mais e muitos um pouco menos.

O drama já começa antes da atribuição, pois todos sabem que o governo tucano de São Paulo sempre tira uma carta da manga na antevéspera do processo. São as conhecidas 'resoluções' que alteram a realidade já difícil do professor do dia para a noite, sempre no sentido de dificultar sua vida.

Este ano, além do fechamento de salas do noturno, que levará mais de 30 mil docentes ao desemprego, houve uma ' resolução' de última hora que retirou das escolas metade dos coordenadores pedagógicos. Uma medida de contenção de gastos que enfraquece as equipes gestoras e cria ainda mais competição pelas poucas aulas que ainda restam, pois esses coordenadores voltarão para a sala de aula tirando o lugar de um docente.

E o drama continua na escola. Não há aulas suficientes para todos! É verdade. No momento em que o país mais cresce na área da educação, onde os jovens pobres estão tendo a oportunidade de ingressar na universidade via ENEM, não há aulas suficientes para os professores na rede estadual de São Paulo! Porque o governo estadual fecha salas de aula, fecha matrículas no noturno e das salas que restam, o governo as entope de gente: 45 alunos por sala!

Bem, não havendo aulas para todos na escola, resta o sofrimento final, o inferno de Dante anual, o cerrar das cortinas da humilhação anual dos professores: o 'bolão' da Diretoria de Ensino. Olhe a foto inicial e esta aqui em baixo. Ambas cedidas pelos Conselheiros da Apeoesp Fábio Sardinha e Roberto Tofoli.

Foto: Fabio Sardinha

Das aulas que restaram, cria-se um 'bolão', um conjunto de aulas disponibilizadas para os professores que ainda não completaram sua jornada ou para aqueles que buscam pelo menos um mínimo de aulas para não perder o vínculo. Sempre ocorre ao longo do dia todo, mas a parte pior é a busca da carga suplementar, esta que tapa buracos com aulas picadas aqui e ali. Como em todos os anos, esta etapa ocorre na parte da tarde, com início às 14 horas. Todos os anos.

No olhar a apreensão: haverá aulas? Nos semblantes a tentativa de resignação. Passa pela mente de todos, além do medo de ficar sem aulas, a situação humilhante de estar ali, daquela forma. A lista corrida de nomes corre pela tarde toda e às vezes pela noite. Ao final, professores saem com algumas aulas a mais, porém alguns para isso precisam aceitar o que tem. Vi amigos professores que completaram sua jornada em 4 escolas, algumas em cidades da região.

Sim, amigo leitor, hoje na rede estadual de educação de São Paulo a maioria dos professores leciona em mais de uma escola, muitos em três escolas, quatro... Sei de um amigo que dará aulas em duas escolas em Ribeirão Preto e uma na cidade de Cajuru, a 65 km de distância. Você consegue imaginar isso? Imagine o tempo que ele gastará em trânsito de uma escola para outra.

É preciso que a sociedade pense sobre a educação pública estadual. Para mim o projeto é bem claro: sucatear para privatizar. É do DNA tucano fazer isso. Em outros Estados governados por tucanos isto já está em andamento. Sucateia a escola, adoece e empobrece os professores, destrói a imagem da educação pública no imaginário popular e depois entrega para uma ONG, com o discurso da meritocracia. Assim, o Estado lava as mãos de sua responsabilidade, enriquece os amigos das ONGs e cria uma escola estadual para os rejeitos sociais criados pelo sistema excludente. Pronto. eis a fórmula.

Para finalizar, o relato de uma situação, o gran finale da humilhação anual: eram por volta das 15h30 da tarde de ontem. Cerca de 150 professores estavam amontoados dentro de uma espécie de galpão que serve de pátio na escola. Fazia tranquilamente uns 38oC lá dentro, típico de uma tarde de verão em Ribeirão Preto. Ninguém pode sair dali porque corre o risco de ser chamado e não ouvir. Os professores tentavam combater o calor e conversavam, claro, quem submetido à uma tensão não busca aliviá-la de alguma forma?

De repente uma senhora que trabalha na diretoria de Ensino pega o microfone e tenta falar. O barulho atrapalha. Mas bastaria um pouco de tranquilidade e pedir com calma que o barulho pararia. Mas não. A mulher se irrita e dispara: "Isso aqui é o que se chama de professores? Essa é a educação que vocês têm? Eu estou rezando para que um de vocês não ouça o seu nome e perca as aulas, porque professor assim não merece ter aulas".

E assim foi mais uma crônica anual de humilhação do professor paulista. Até o ano que vem.

Ricardo Jimenez

8 comentários:

Unknown disse...

Dantesco !

Unknown disse...

Nos colocam em um lugar insalubre e nenhum professor reclama, precisamos de mais atitude, quanto ao fato da supervisora, só nos resta a lamentar por sua atitude.

João Odilon disse...

Parabéns Jimenez pela publicação. Seria tão bom se o governo respeitasse mais o processo de atribuição e os professores. Infelizmente não investem na educação, pelo contrário desviam os recursos dos estudantes na maior cara de pau.

Rô Santos disse...

Aqui no Paraná tá assim também. Quem não é fixo em uma escola, passa por tudo isso. Primeiro tem que conseguir as 20h do padrão (quem tem só um) depois (quem quer) correr atrás das extraordinárias.

Marcos disse...

Amigo é realmente assim que somos tratados, sou professor em inicio de carreira, não sou efetivo e nem Categoria O sou Eventual.
Não se esqueçam de nós em suas matérias.

Isaias disse...

Que belo texto. Traduz a realidade da educaçao paulista.

Unknown disse...

Bem relatado a realidade dos professores do estado de São Paulo. Sou categoria F, fui reconduzida ao final do ano passado para a sala de leitura e para minha surpresa, este ano no dia da atribuição da sala de leitura, saiu uma resolução que mudou tudo. Resultado, estou apenas com as aulas de permanência, grávida de 4 meses e tendo que passar por essa humilhação quase todos os dias nas atribuições de aula até pegar aula e completar as 19 aulas que são obrigatórias. O único detalhe é que não tem aulas...

Anônimo disse...

´Deplorável e revoltante. mas será só em SP que o processo é assim? Os supervisores que ao longo de todo o ano só vão às escolas cobrar burocracias, sentem-se os reis da cocada neste momento de atribuição. Interpretam a resolução ao sabor de suas simpatias, caso da De Campinas leste

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