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domingo, 7 de fevereiro de 2016

Um padre progressista na ditadura militar. Conheça o belga Padre João!

Fotos: Filipe Peres
E eis que recebemos uma ligação do amigo Padre Chico nos convidando para entrevistar o seu amigo e hóspede Padre João Cromains. Um padre belga, progressista e que desenvolveu seu sacerdócio em plena ditadura militar, sendo o capelão da JOC (Juventude Operária Católica) na periferia de São
Paulo e trabalhando junto com Dom Paulo Evaristo Arns no auxílio aos perseguidos políticos.

Foram mais de duas horas de conversa, num belo fim de tarde regado com um delicioso café oferecido por nossas anfitriãs Nizete e Lourdes Mendonça, em seu apartamento com uma bela visão do Jardim Paulista em Ribeirão Preto.

Para aqueles que gostam de conversar sobres as histórias que envolvem a igreja progressista, a teologia da libertação, o trabalho das pastorais de base e a própria história do catolicismo ligado às lutas populares, papos assim são extremamente prazerosos, produtivos e inesquecíveis.

Os rostos compenetrados ouvindo as histórias do padre dão uma noção. Aprendemos que a história de luta do Padre João, voltada aos mais pobres e oprimidos, tem início na sua história pessoal. Um belga de origem flamenga, como sempre frisa o Padre Chico, sabe muito bem o que é se sentir minoria. Ordenado padre em Liége e 'proibido de falar flamengo' pela imposição da elite valã (a parte francesa da Bélgica), João Cromains começou cedo sua vida de batalhas.

Flamengos e imigrantes serviam de mão-de-obra barata nas fábricas, nas casas e 'nas minas de carvão'. "Falar francês era uma necessidade básica de sobrevivência", diz. E foi em francês que João provocou polêmica, ao introduzir a língua vernácula no lugar do tradicional latim na missa antes mesmo da aprovação do Concílio Vaticano II: "Não sabia que havia uma autoridade eclesiástica assistindo à missa e falei em francês", conta, divertindo-se.


Foi de maneira natural a aproximação com a realidade da classe operária. Muitos eram os imigrantes portugueses e espanhóis fugidos das ditaduras de Salazar e Franco. Foi assim que a JOC apareceu na vida do Padre João.

A partir de 1966 começa a atuar na paróquia Santo Antônio na Vila Ré, zona leste de São Paulo. A convivência com os espanhóis e portugueses na Bélgica chamaram a atenção para a América Latina e para o Brasil. Ele e mais 8 padres belgas.

Era o auge da Igreja Progressista na América Latina e  no Brasil. Era o marco das atuações e obras de Dom Hélder Câmara, Camilo Torres, Óscar Romero e tantos outros. As pastorais de base e a juventude católica fervilhavam. Rapidamente Padre João se torna o capelão da JOC da zona leste e também toma contato com a Ação Popular (AP), que nos anos 60 e 70 se destacaria no combate ao regime ditatorial no Brasil.

Não era um trabalho fácil. "Os padres belgas que acompanhavam a questão operária não podiam contar com o Consulado belga no Brasil", conta. Padre João sofreu pressão para entregar o que sabia sobre 9 jovens da JOC presos pelo regime. " Me ligaram pedindo os documentos sobre a JOC. Não dei".

Muitos foram presos e estão desaparecidos até hoje. O caso clássico é o do padre Jan Talpe. Segundo o que se sabe, foi preso e torturado pela ditadura. "Ficamos 15 anos sem saber notícias dele", conta o Padre Chico. " O que se sabe, mas não temos a confirmação real, é que ele foi deportado para algum outro país latino americano", completa o capelão dos movimentos sociais de Ribeirão Preto.


A troca do cardeal Agnelo Rossi por D. Paulo Evaristo Arns após a crise deflagrada pela morte do empresário dinamarquês Henning Boilsen (dono da Ultragaz), assassinado pela ALN em 1971 por cooperar com a captura e tortura de militantes políticos, a coisa ficou um pouco mais fácil.

"Ele não tinha medo. Ajudava os perseguidos. Escondia e auxiliava na fuga do Brasil", relata o Padre João.


Apesar da presença do Cardeal Arns ter ajudado a fortalecer a igreja progressista naquele momento, o início dos anos 70 foram terríveis. Foram os anos de chumbo da ditadura. Nunca os chamados 'porões da ditadura' funcionaram com tanta violência, tortura e morte.

A conversa continuou e tomou o rumo do Papa Francisco. Todos estão felizes com o pontificado de Francisco, menos a direita conservadora, claro. "Ele tem a intelectualidade de um jesuíta aliada com a espiritualidade de um franciscano", diz o Padre Chico. " Uma novidade", completa João.

Francisco é o grande contraste progressista após os anos conservadores liderados intelectualmente pelo Cardeal Ratzinger (Bento XVI). Ratzinger foi o grande articulador da perseguição contra a Teologia da Libertação, que acabou enfraquecendo a igreja católica na América Latina durante o pontificado de João Paulo II, abrindo espaço para o protestantismo de matriz estadunidense, principalmente na periferia das cidades.

"Um processo financiado pelos EUA em acordo com setores da igreja católica desde os tempos de Nixon", conta o padre João.

E assim o Padre João, com 80 anos, realiza seu trabalho até hoje. "O Padre João não se preocupa com nenhuma igreja protestante competindo com ele, porque não há sacerdote que saiba mais conversar com sua comunidade. A paróquia Santo Antônio na Vila Ré, em São Paulo, é forte porque o sacerdócio do Padre João é forte", diz Chico.

E assim a noite caiu e encerramos a conversa olhando o horizonte da sacada do apartamento, com gosto de quero mais.


Ricardo Jimenez

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