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domingo, 1 de março de 2015

É o trabalhador que carrega o peso, no mundo todo!

Vou começar compartilhando o vídeo da entrevista de Thomas Piketty no programa Roda Viva, da TV Cultura.

O objetivo deste compartilhamento é mostrar que existe, sim, no mundo visões diferentes sobre economia e sociedade do que prega a visão americanófila, tão defendida pela nossa mídia e pelos partidos de direita, como o PSDB, defensor dos rentistas e do chamado "clube do 1%", base do "american way of life" e do "winner or loser" estadunidenses.

Piketty não foge muito da escola econômica de Gunnar Myrdal, cérebro econômico por trás da construção do modelo de bem-estar-social da escandinávia e ganhador do Nobel de 1974, dividido com o guru ultra-liberal da escola austríaca Friedrich Hayek. A ideia é usar o Estado como instrumento democrático para gerar desenvolvimento com justiça social, onde tanto o empreendedorismo quanto as políticas sociais possam sobreviver juntas. Picketty, Myrdal e tantos outros ( como Keynes, o construtor econômico do New Deal, que fez dos EUA uma potência econômica depois da debacle de 1929 usando as armas do Estado como indutoras do desenvolvimento) defendem o papel do Estado como regulador da economia e da necessidade da construção de uma sociedade onde as disparidades sociais e financeiras sejam controladas, promovendo o bem-estar de todos.

A escandinávia é um ótimo exemplo de contraponto ao modelo americano: aqui, aqui e aqui. E todos os economistas do tipo do Picketty são unânimes em afirmar que só o Estado democrático e com instrumentos fortes pode alavancar o desenvolvimento de países populosos como o Brasil, promovendo ao mesmo tempo o emprego, a renda e o avanço social. Na história dos países não há um só exemplo de desenvolvimento econômico sem a atuação do Estado, nem mesmo nos defensores intransigentes do liberalismo, que só faz manter e ampliar o poder dos ricos.

Acontece que a partir dos anos 90 o discurso e as ações do modelo neoliberal inundaram o mundo transformando a vida do trabalhador em algo cada vez mais pesado e injusto. Trabalha-se mais, a renda é menor e a proteção social do trabalhador e da sua família é, também, cada vez menor, inclusive nos países europeus que seguiram o modelo escandinavo e montaram os seus próprios modelos de bem-estar-social. A América Latina sofreu e sofre com esse flagelo há mais de 20 anos, apesar dos espasmos de reação já mencionados nesse artigo de O Calçadão Soy Latino Americano. Agora é a vez da Europa, engessada no modelo do euro comandado pela Alemanha. Restando saber o que se dará com as reações que já se organizam na Grécia, Espanha, Itália e na própria Alemanha, fruto da insatisfação do trabalhador com o seu presente e com a sua expectativa de futuro.

No mundo todo a vida do trabalhador está cada vez mais difícil. Em plena geração da tecnologia trabalha-se mais, de maneira mais precária e é cada vez mais difícil a vida de quem envelhece e se aposenta. Bilhões de trabalhadores mundo afora produzem todos os dias todas as coisas necessárias à manutenção da vida e da sociedade e ficam com cada vez menos. O capital é cada vez mais deslocado do ambiente produtivo para o ambiente financeiro, produzindo bolhas que enriquecem uma minoria e relegam a maioria às penúrias do desemprego, como na recente crise, e ainda atual, iniciada em 2008.

Independente da moeda e de quanto recebe um trabalhador em cada país, sua vida está cada vez mais complicada. Cada vez mais gente depende de bolsas dos governos para viver, mesmo nos EUA, e enfrentam o preconceito das pessoas, levadas a isso por uma mídia nojenta. Na Inglaterra, berço do neoliberalismo de Margareth Thatcher, que aniquilou a indústria e os empregos no norte da Inglaterra e mandou cortar até o leite da merenda (por isso é odiada), um trabalhador médio recebe cerca de 4 mil libras mensais e vive modestamente, tendo que economizar para poder ter um carro razoável, pagar a educação e o médico dos filhos e se alimentar. Nos EUA, o custo de vida é cada vez maior assim como o desemprego aqui, aqui e aqui. A mão-de-obra barata dos latinos é usada de maneira crescente em atividades precárias e de risco, enquanto que no México o trabalhador é massacrado nas maquiladoras. Na China, que buscou um modelo de crescimento que a colocasse em segurança diante das potências que sempre a agrediram, o trabalhador não tem direitos sociais. No Japão e Coreia do Sul a situação de dificuldade e labuta das pessoas é bastante cruel.

O modelo neoliberal e de reprodução do capital hoje é tão cruel que coloca o movimento sindical em xeque no mundo todo. A impossibilidade de enfrentar a máquina capitalista faz os sindicatos perderem credibilidade e o trabalhador acaba caindo no discurso fácil dos proto-fascistas. A verdade é que desde os anos 90 o trabalhador está na defensiva diante de um modelo que o descarta como agente participante da sociedade e apenas o usa como objeto. Os agentes do capital fomentam há décadas os sentimentos de xenofobia e financiam os extremistas, criando no mundo um ambiente de insegurança, tudo em nome do poder e do acesso às riquezas, como o petróleo.

É preciso começar a vencer a batalha do discurso, que se ganha na mídia, nas ruas e nos governos. Exemplos de sucesso como o da escandinávia ou os exemplos de reação como na América Latina e na Europa precisam ganhar organização. E a organização se faz na política. Os tradicionais partidos trabalhistas foram varridos ou cooptados no mundo todo e o movimento popular precisa se reencontrar. É preciso mostrar para as pessoas que o rentismo e a evasão fiscal, por parte dos ricos, que cada vez menos trabalham, é muito pior do que o surrado discurso da corrupção e do preconceito contra políticas afirmativas como bolsas e cotas.

Afinal, somos os 99% e não queremos que nossa força de trabalho, nossa inteligência e nossa vida sirvam apenas para engordar os 1% e seus asseclas. Queremos viver num mundo democrático e democracia significa muito mais do que apenas eleições livres, significa saúde, emprego, educação, acesso à cultura, qualidade de vida e felicidade para todos.

Ricardo Jimenez

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