Por *Marcelo Botosso
Em tempos
de ódio e intolerância, o método “(in) justiça com as próprias mãos” parece cair
no gosto dos mais desavisados e de personalidades sádicas que pairam em quase
todas as sociedades humanas. Um exemplo lapidar desse quase-sempre-falível-método
pode ser visto na história local da Estância Turística de Salto, interior de
São Paulo. Existem várias versões para este caso, porém, nos atemos à versão
mais conhecida que dá subsídio à nossa pretendida reflexão.
Em meados do ano de 1911, a pequena comunidade
da então denominada Salto de Ytu, com
menos de 5.000 habitantes, grande parte na zona rural, imigrantes italianos e
seus descendentes, vivia em estado de alerta devido aos furtos de animais que vinham
ocorrendo naquela localidade. Comum aos sábados, vários sitiantes se deslocavam
até o núcleo urbano a fim de comprar seus produtos nos armazéns de secos e
molhados, sobretudo no de Marcos Miliani, localizado em frente à indústria Ítalo-Americana,
lugar de grande fluxo de operários, onde mais tarde se construiria a Creche da
Brasital. Mas foi numa tarde de julho de 1911, que iniciaria ali um episódio
que marcaria definitivamente a história da cidade.
Aterrorizados com os furtos de cavalos, os frequentadores
do armazém desconfiaram de um simplório sitiante de pele parda
que há tempos não aparecia por lá e naquele dia acabara permanecendo por um
longo tempo em frente ao estabelecimento comercial. Sob os olhos desconfiados dos
moradores locais e do grande contingente de operários que saia da fábrica e se
avolumava no entorno, o matuto amedrontado deixou todos os seus pertences e se pôs
a correr.
O matuto, cujo nome era Alfredo Roza, começou a ser
perseguido por uma multidão de populares que aos gritos ecoava: “Pega o
ladrão”. Correu por quase dois quilômetros rumo ao cemitério velho, hoje Praça
XV. Não conseguiu transpor o córrego do Ajudante onde foi encurralado por
alguns disparos de arma de fogo. Parado diante de todos, Roza se declarou inocente,
porém, foi alvejado por tiro[1] e, em segundos, já sem
vida, foi ao chão. Algumas fontes dizem que houve linchamento e seu corpo foi
arrastado até a Rua de Campinas, atual 9 de Julho, onde funcionava a delegacia
e cadeia da cidade.
Passado algum tempo e restabelecida a ordem, descobriu-se
quem eram os verdadeiros ladrões. A partir de então, a comunidade viu que
matara barbaramente um inocente e, com profundo pesar e sentimento de culpa,
passou a cultuar a memória de Alfredo Roza atribuindo-lhe atos milagrosos. No
local de seu assassínio foi erigida uma capela que lá permaneceu até o ano de 1973.
O corpo de Roza sofreu vários traslados e seus restos mortais encontram-se
atualmente no Cemitério da Saudade, sepultura 3038.
O
caso Alfredo Roza nos ensina que o ódio rancoroso, comum de perfis fascistas,
parece algo intrínseco a uma parcela da humanidade. Não basta conter o possível
suspeito, há de se aniquilar, dilacerar, trucidar aquele que foi eleito o “inimigo”,
comumente aquele que não se enquadra nos ditos padrões hegemônicos socialmente
aceitos. Os preconceitos afloram em momentos de tensão e no calor das emoções
perde-se a razão. A irracionalidade prepondera.
Para tanto existe a frieza da lei que, nem
sempre justa, ainda é a melhor forma de se resolver os conflitos, minimizando
ocasionais injustiças.
Quantos
mais “alfredos rozas” hão de existir?
*Marcelo
Botosso é Historiador da Estância Turística de Salto – Museu da Cidade de Salto
“Ettore Liberalesso”.
[1]
Conforme caderno do cemitério municipal que registra causas mortis: “ferimento arma fogo”, Alfredo Roza, sepultado como
indigente, p.21, nº 350, 20 de julho de
1911. Fonte: Museu da Cidade de Salto “Ettore Liberalesso”.
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