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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O músico Márcio Coelho bate um papo imperdível com O Calçadão: música, cultura, política, sonhos...


Nascido em Campos dos Goytacazes e com o coração forjado na cidade maravilhosa, "entre o Encantado e a Piedade", o carioca Márcio Coelho se encontrou com Ribeirão Preto e trouxe para cá a sua arte repleta de serestas, choros, samba de raiz e a sua cidadania. Márcio usa a sua sensibilidade para encantar as crianças e os adultos e a partir do seu trabalho em parceria com Ana Favaretto, no universo cancional infantil, coleciona prêmios e reconhecimento nacional e internacional. Nesta entrevista ele fala de música, de cultura e de política. Márcio dignifica o debate nacional e municipal, um exemplo de profissional e cidadão. Confira.

O Calçadão - Conte-nos um pouco sobre a sua história de vida. Como foi o seu encontro com a música?

Márcio Coelho- Paradoxalmente, sou carioca, embora tenha nascido em Campos dos Goytacazes, onde vivia a família da minha mãe. O que acontece é que apenas nasci lá e lá permaneci por apenas uma semana. Minha infância e juventude foram passadas no Rio. Entretanto, muito da minha formação musical vem de meus tios seresteiros, que viviam em Campos. No Rio, bebi do choro e do samba. Paralelamente ao meu incipiente trabalho de compositor de canções, mantinha um contato íntimo com o chorinho e com os grandes chorões cariocas.
Como fui criado entre o Encantado e a Piedade – subúrbio do Rio -, mais do que com outros gêneros,  convivi com o samba, que hoje chamam “samba de raiz”. Fui iniciado nos estudos de música por ninguém menos que o grande músico Claudionor Cruz, que, dentre outras atribuições, era compositor e líder do regional que acompanhava Ataúlfo Alves.
A primeira vez que subi ao palco para fazer uma apresentação profissional foi ao lado de Clementina de Jesus e Xangô da mangueira, todos nós acompanhados pelo conjunto Exporta Samba (“Se gritar pega ladrão/ Não fica um, meu irmão...). Me licenciei em música e fiz mestrado e doutorado em linguística, na área de semiótica da canção. Nesse mês vou assumir o cargo de professor da Universidade Federal de São Carlos. Tenho doze livro publicados e oito CDs, sendo cinco deles dedicados ao público infantil.

O Calçadão -    Por falar em encontros, como foi o seu com Ribeirão Preto? Onde o grupo "É Tudo Cena Dela" entra nessa história?

Márcio Coelho- Quando ainda vivia no Rio, escutei o LP “Às Próprias Custas S/A”, do Itamar Assumpção, na íntegra, sem intervalos, na lendária Rádio Fluminense. Desde então procurei saber mais sobre os artistas da Vanguarda Paulista. Mais tarde, tocando no litoral de São Paulo, conheci minha esposa e resolvi vir para São Paulo para ficar mais perto dela e da Vanguarda. Cheguei em Ribeirão Preto e encontrei músicos que assumiram meu projeto experimental. Em pouco tempo surgia a Banda É Tudo Cena Dela, formada por mim, Carlito Rodrigues, Leandro Paccagnella, Jorge Nascimento, Ana Favaretto e Di Carreira. Com a formação que incluía Fernando e Pat Pachioni, Sudu Lisi, dentre outros, a Banda fez um relativo sucesso e ganhou prêmios. A É Tudo Cena Dela foi uma grande escola para todos nós e inspirou várias bandas e músicos. Tenho o maior orgulho de ter sido seu fundador.

O Calçadão - Continuando nos encontros, você tem um trabalho muito bonito, premiado e reconhecido internacionalmente ao lado de Ana Favaretto. No site www.marciocoelhoeanafavaretto.com.br encontramos muita coisa bacana na forma de textos, vídeos, histórias e música. Conte-nos um pouco sobre essa parceria e o seu trabalho.

Márcio Coelho- Como já citei, a Ana Favaretto fez parte da fundação da É Tudo Cena Dela. Depois saiu e retornou quando a formação contava com Deva Mille, Débora Ieve e Zé Gustavo. Nesse momento, eu comecei a fazer um trabalho voltado ao público infantil. A banda se dissolveu e eu formei uma dupla com a Ana. Este ano completamos 22 anos de dedicação ao universo cancional infantil. Somos membro do Comitê Permanente do Movimento da Canção Infantil Latino-Americana e Caribenha, fundamos o Movimento Brasileiro da Canção Infantil e organizamos, periodicamente, festivais nacionais e internacionais voltados ao público infantil.
Já tocamos, além do Brasil, em vários países da América Latina, tais como: Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e México. Temos muito orgulho do respeito que o Brasil e a América Latina nutrem pelo nosso trabalho; e nos esforçamos para merecê-lo.  

O Calçadão - O ensino de música nas redes educacionais é obrigatório desde 2008, abrindo um amplo campo de trabalho para os educadores musicais, mas até hoje não foi implementado. Você tem uma rica experiência na utilização da música como instrumento pedagógico no seu trabalho com as crianças. Como o ensino de música pode enriquecer o currículo escolar, considerando a possibilidade de integração com outras artes? Qual a importância da música para as crianças? E qual sua opinião sobre o por que a lei de 2008 ainda não foi implementada?

Márcio Coelho- A lei ainda não foi implementada porque ainda não há, no meio educacional, a consciência de que a música é uma importante área do conhecimento humano. Por outro lado, a sociedade também não tem essa consciência. Sendo assim, os órgãos educacionais não cumprem a lei e não são cobrados pela sociedade. O que tem acontecido é que algumas prefeituras fingem que estão dando conteúdo musical, isto é, apenas proporcionam algumas atividades recreativas que contém música em seu conteúdo.
Mas também é verdade que algumas prefeituras estão levando a sério e implantando a educação musical, como é o caso de Paulista, um pequeno município, em Pernambuco, ao lado de Olinda.
Uma ilustração: A prefeitura de Ribeirão Preto pediu à Ed. Saraiva para que nós (Eu e a Ana) déssemos oito horas de demonstração da nossa coleção Batuque Batuta, pois estava interessada em comprar 5.000 livros para fazer um projeto piloto.
Trabalhamos as oito horas, a Prefeitura recebeu uma coleção do livro do Professor para cada escola e não comprou um exemplar sequer! Hoje, utilizam os livros “recebidos” gratuitamente para fazer planejamento das aulas, mas os alunos continuam sem ter o direito de ter os seus exemplares. 

O Calçadão - Por falar em música, ensino e cultura, você também teve uma rica experiência com relação à construção do projeto cultural implementado no primeiro governo Palocci (1993-1996), considerado por muitos o melhor governo dos últimos 25 anos. Como foi aquela experiência?

 Márcio Coelho- Eu fiz parte da equipe da Secretaria da Cultura no primeiro governo do Palocci. Fui responsável pela área de música e, juntamente com alguns membros da equipe, por abrir as portas da Casa da Cultura pois, quando lá chegamos, a entrada era pela lateral (entrada de serviço) e a telefonista que ali ficava era a responsável pela triagem. Então, colocamos a telefonista em sua sala e abrimos as portas da frente do prédio. Esse gesto, do meu ponto de vista, é emblemático, pois, dessa maneira, democratizamos o acesso à Casa da Cultura e à cultura. No que diz respeito à minha área, criamos o projeto “Café da Manhã” (no Museu do café, hoje conhecido como café com chorinho); “Concertando” (apresentações dentro do Theatro Pedro II durante sua reforma), “Projeto Pé-de-Moleque” (Que deu origem ao “Toque da Lata”), dentre outros.
No segundo governo do Palocci, tive 12.500 crianças fazendo música sob meu comando, no Programa Ribeirão Criança, coordenado por Paulo Ramos e Fernando Dezerto. Os projetos Curuminzada, Banda na Praça, Oficina de Música das Tecnologias, Clínica Experimental de Musicoterapia, Toque da Lata, foram alguns de nossos projetos mais bem sucedidos.

O Calçadão - Um dos assuntos que mais interessam a nós do blog O Calçadão é a questão cultural. Ribeirão Preto tem teatros municipais importantes, tem centros culturais nos bairros, tem quase uma centena de praças públicas, tem pessoas qualificadas para pensar cultura e tem escolas espalhadas por todos os bairros. Mesmo assim não consegue produzir uma política cultural que realmente integre a população, que busque dar oportunidade para os talentos escondidos e que tenha reflexos também no currículo escolar. Como você enxerga a cultura em Ribeirão Preto hoje? Ribeirão Preto ainda pode dar uma boa melodia nesse sentido, é possível desenvolver uma política cultural integrada e inclusiva em Ribeirão Preto?

Márcio Coelho- Graças ao Facebook vejo a trajetória de meninos que passaram pelos nossos projetos no Programa Ribeirão criança. Muitos fizeram faculdade de música, outros foram para o Conservatório de Tatuí, mas o importante mesmo é que vários desses jovens se profissionalizaram na música, mesmo não sendo essa nossa intenção principal.
Então, eu creio que com um pouco de boa vontade e um pequeno apoio financeiro, seria fácil promover cultura na cidade. No entanto, o que presenciamos é o total descaso com a Cultura. Todos os projetos citados acima não existem mais e todos custavam muito pouco aos cofres públicos. O PIC, que teve como embrião o 1º Premio Incentivo de Música, que criei na década de 1990, foi retomado e ampliado pela secretária Adriana Silva e, agora, não existe mais. Mas, independentemente da ação dos órgão púbicos, as pessoas continuam produzindo cultura e, embora tenhamos dados vários passos para trás, com muito pouco poderíamos retomar os avanços. No entanto, cumpre destacar que não podemos esperar iniciativas do poder público para produzir cultura. Do meu ponto de vista, a função da Secretaria da Cultura é incentivar a produção e, não, produzir cultura.

O Calçadão - Falando um pouco sobre política. Nós estamos vivendo um momento complicado no Brasil e no mundo. Observamos a crise humanitária dos refugiados na Europa e o acirramento da crise política no Brasil. Permeando essas duas coisas, está a questão da intolerância, do discurso intolerante. Você é uma das vozes que tem se levantado contra isso, às vezes remando contra a corrente. O que te motiva a enfrentar esse discurso? Como, na sua opinião, podemos enfrentar essa situação e colaborarmos para retomar um debate sadio sobre os rumos do país?

Márcio Coelho- Penso que o problema dos refugiados está no âmbito da compaixão. Há muito venho batendo na tecla da solidariedade, palavra que tem como sinônimo principal o termo “interdependência”. Se nós tivermos a consciência de que vivemos numa rede de interdependência, colocaremos o “outro” sempre na nossa perspectiva. O exemplo que sempre uso é o do lixeiro, cuja profissão certamente é a de menos prestígio na sociedade. No entanto, se ele falta, nossa comunidade torna-se um caos. Penso que a consciência da interdependência é o primeiro passo para uma sociedade mais justa.
No caso da crise política do Brasil, o que está acontecendo é que, com a falta da nociva prática do mensalão, o congresso busca desestabilizar o governo. Temos um congresso formado por representantes de alguns setores da sociedade, tais como os ruralistas, religiosos, militares e policiais, industriais e empresários, e temos muito pouco representante do povo. Desse modo, as questões fundamentais cedem sempre o lugar para questões corporativistas.
Acho que o PT merece um bom castigo por nos ter colocado nessa enrascada, isto é, por ter aceitado fazer a mesma política dos maus políticos e aderir à corrupção. No entanto, o momento é de lutar contra recrudescimento de forças retrógradas para, depois, dar ao PT o castigo que ele merece por destruir nossos sonhos.
De qualquer forma, estou otimista, acho que o Brasil será um país melhor depois de tudo o que está acontecendo.

O Calçadão - Qual a sua opinião sobre o governo da Presidente Dilma e sobre os movimentos políticos que não aceitam a derrota em 2014?

Márcio Coelho- Acho que o governo da Dilma, e do PT, em geral, tem pontos muito positivos, mas vejo a presidente com uma inabilidade muito grande para atuar no campo político. O Ulisses Guimarães já dizia: “A política é a arte do possível”. Então, a presidente, do meu ponto de vista, tem de saber negociar, ceder, encarar e, principalmente, dar satisfação ao povo.
Creio piamente na sua honestidade, embora também tenha certeza de que as acusações de recebimento de propina por parte do PT não sejam falsas.
Acredito e torço pela redenção da Dilma, acho que ela não merece nosso abandono, mas ela também precisa, urgentemente, de um curso de oratória. Parece uma opinião simplória, mas o ethos talvez seja um dos elementos que um político deva dar mais importância. 
Quanto aos derrotados inconformados, não passam de maus perdedores, que representam as forças retrógradas brasileiras e, depois do caos que instauraram, estão com medo do que pode acontecer em decorrência disso. O pior é que o estrago já está feito. Eles trabalham como as indústrias que programam o envelhecimento precoce de seus produtos, a tal da obsolescência programada, com o fim de que o consumidor troque-o no menor prazo possível. O povo necessitado não interessa pra eles, diferentemente do governo Dilma.

O Calçadão - Para terminar, vamos falar de sonhos, de projetos. Nós aqui do blog gostamos de falar de sonhos. Quais são seus sonhos?

Márcio Coelho- Meu principal sonho é viver numa sociedade que proporcione uma verdadeira igualdade de oportunidades. Não posso me declarar um homem feliz, enquanto houver gente morrendo de fome no mundo; enquanto houver trabalho escravo; enquanto houver preconceito de todos os tipos e enquanto a educação das crianças não for de absoluta prioridade.
Sonho é sonho, não é?

Sim, vamos sonhar, Márcio...




 


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