Fotos: Sarau Preto
O Sarau Preto surgiu com poesia e se mantém com poesia. É a arte e a cultura que se realizam na periferia, com ênfase na valorização da juventude negra, no fortalecimento de uma identidade social e histórica que, em Ribeirão Preto, tem raízes lá nos anos 70 com o grupo Travessia.
Dentro da sua arte, expressa em poemas, em rimas, na dança, está a consciência política. Conscientizar e mobilizar a juventude para exigir seus direitos, cobrar da sociedade o combate a retrocessos como a redução da maioridade penal e, dos governos, políticas públicas que melhorem a vida das pessoas e sirvam de instrumento de transformação de uma realidade que, hoje, é adversa.
Isso é o Sarau Preto, essa é a galera que faz arte e que tem o que falar, e que o blog O Calçadão foi ouvir, confira.
O Calçadão - O que é o Sarau Preto? Quando foi criado? Como ele atua e onde se realizam os encontros?
Sarau Preto - O Sarau preto consiste na reunião de pessoas com o intuito de produzir e promover a cultura periférica, com o eixo central a luta antirracista. Sua primeira edição foi em julho de 2014, após a 14ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto. Ele foi idealizado por Daniel Ramos e Anna Silva num salão de ideias no qual estiveram presentes diversas pessoas de SP que organizavam e realizavam saraus. Atualmente, o sarau é organizado por diversas pessoas, além dos idealizadores, destacando Ietundê Monteiro, Marcelo Domingos, Railane Reis e tantos outros que sempre colaboram com o projeto. O Sarau acontece no bairro Quintino Facci II, mais especificamente no Centro Cultural, seus encontros são mensais, todo o primeiro sábado do mês, com duração de 3 a 4 horas.
O Calçadão - É cada vez mais comum nos grandes centros urbanos a galera da periferia se reunir formando coletivos para debater sobre a sua realidade, sobre as formas de atuação política e de dar vazão à sua expressão cultural. É possível se pensar em algo parecido em Ribeirão Preto? Vocês do Sarau Preto tem conhecimento de outro movimento parecido com o de vocês aqui na cidade ou o Sarau Preto é o único?
Sarau Preto - Fazendo um resgate histórico local, a promoção de saraus enquanto expressão cultural negra e trabalho lúdico de combate ao racismo não é de hoje, na década de 70 o grupo travessia, com Pedro Paulo, já organizava roda de poemas em Ribeirão Preto. Temos varias instituições consolidadas nas periferias que vem discutindo a questão da própria periferia, a política, a cultura. Temos muita gente fazendo um trabalho muito bom em Ribeirão, com o que é possível se fazer. Tem várias referências locais, estaduais e nacionais que nos norteiam, podemos citar Carlos Assumpção, Cuti, Carolina de Jesus, Elisa Lucinda, Solano Trindade, Oswaldo de Camargo, Elizandra Souza, Akins Kinte entre outras pessoas.
O Calçadão - De todos os problemas que a juventude da periferia como um todo sofre, os piores são a exclusão e a violência. E dentro do contexto da juventude, os problemas são ainda maiores para a juventude negra. Como vocês enxergam as políticas públicas para a juventude e para a juventude negra nos últimos anos? Houve avanços?
Sarau Preto - O cenário não é diferente de muito tempo atrás. Mesmo se todas as camadas da sociedade avançarem, no que diz respeito a desenvolvimento humano, a periferia sempre vai ser a última e a que menos vai conseguir avançar; e mesmo dentro da periferia há pessoas que não passam por determinadas situações que outras pessoas da periferia passam, pessoas brancas da periferia não sofrem racismo, por exemplo. Até porque a periferia não é homogênia, temos de reconhecer que têm diferentes tipos de pessoas, têm pessoas com diferentes trajetórias e objetivos. Isso é a contradição social existente. Políticas Públicas para a juventude pouco ou nada se vê, quiçá políticas públicas que consigam atingir a juventude negra e periférica. O que conseguimos enxergar é o contrario, são ações como redução da maioridade penal, como as que contribuem para o sucateamento das escolas e o genocídio da juventude negra. O tema periferia, juventude e juventude negra ainda está muito distante de ser o objetivo central dos governos. Para que políticas efetivas para diminuição da exclusão, da violência e da valorização da juventude cheguem a ser prioritárias ainda é necessário ter muitos debates e muita mobilização. Falta muito para o poder público chegar na periferia, e não só chegar, mas ter a humildade de acolher, ouvir e de fato fazer algo para que a realidade da periferia possa mudar.
O Calçadão - Estamos vivendo um período político complicado, onde um movimento conservador e retrógrado tem causado danos em direitos civis importantes, como na questão da redução da maioridade penal. Como vocês se posicionam com relação a este tema específico e com relação a este avanço conservador na sociedade?
Sarau Preto - Hoje, 70% da população carcerária é negra. Um jovem negro tem 3 vezes mais 'chance’ de morrer do que um branco pela ação da PM. Nos negros a PM atira no peito e na cabeça, nos brancos nos braços e pernas. Enfim, sabemos bem quem a polícia enquadra, quem ela atira e, dependendo da cor, onde atira; sabemos quem ela leva pra prisão e quem vão ser os garotos de 16 a 18 anos que vão ser afetados pela redução da idade penal. A mídia aberta é uma ferramenta incrível, está dentro das nossas casas, almoçando e jantando com a gente, ditando os nossos modos, mas infelizmente está do lado dos conservadores, dos ricos, dos brancos que detém os meios de produção e os instrumentos midiática e ficam noticiando o tempo todo que menor fez aquilo, que menor fez isso, que tem impunidade, tudo isso para tendenciar a opinião da maioria da população. Os políticos que dizem ‘representar’ a população são financiados por empresas, não estão preocupados com os pobres e sim na contra-partida do que foi investido neles. Redução da maioridade penal não é o que queremos, não vai resolver nada, só vai colocar mais jovens pretos nas prisões. Sobre a onda conservadora atual, isso é reflexo de desde antes da eleição presidencial, das passeatas com a bandeira verde e amarela nos ombros. A política é isso, são setores defendendo sua posição e a dita 'direita' está mais consolidada agora do que nunca esteve na história desse país e mais, está pensando que de fato representa a indignação da população como um todo. Eles estão engordando, daqui a pouco vão está lá, no poder, ai vai ser necessário uma reorganização de quem é da periferia pois esses não estão se importando se amanhã vai dar pra comprar arroz, se vai ter emprego para os de cá. É isso.
O Calçadão - Em São Paulo há alguns coletivos que atuam na questão da juventude negra como, por exemplo, o Círculo Palmarino, o Instituto Luiz Gama, o Kilombagem, o Movimento Kilombo, o Núcleo de Consciência Negra da USP etc. Busca-se fazer o debate político e cultural com expressões na poesia, no Rap, no Hip Hop, no Break, no Samba. Vocês tem contato com algum desses grupos? Seria possível se buscar um intercâmbio para trazer para Ribeirão as experiências ali acumuladas e buscar integrar outros bairros no movimento?
Sarau Preto - A realidade é uma só, de norte a sul, é preta e periférica. Isso que perpassa. Isso é o contato que temos com os de São Paulo, Maranhão, Rio Grande do Sul e assim vai. No Sarau trouxemos algumas personalidades do movimento poético negro como Carlos Assumpção e Coletivo Angá, Akins Kinte, Sergio Váz. O intercâmbio existe, mas tem o custo que muitas vezes barra, mas existe. O sarau é frequentado por pessoas de diversos bairros da cidade. Retomamos uma parceria com a Fundação Feira do Livro e com isso temos conseguido custear a presença de artistas de fora da cidade em nosso sarau.
O Calçadão - Ano que vem é ano eleitoral, onde as pautas da cidade estarão em discussão. Geralmente a periferia da cidade é excluída do debate. O blog O Calçadão, por exemplo, defende que seja debatido um projeto de cidade da periferia para o centro. Vocês pretendem participar de alguma forma do debate político-eleitoral de 2016? Vocês têm uma pauta de reivindicações e de propostas?
Sarau Preto - Dentro da questão política, não nos cabe, enquanto movimento livre, apoiar candidaturas ou partidos. Nossa atuação política se dá em outros espaços. Reinvindicações temos sim, e muitas, só ler as poesias e participar de nossas atividade que saberá. Só o fato de sermos negros e (re)existirmos em 2015 já é um ato político. Sobrevivemos ao colonialismo, às políticas de embranquecimento e ao genocídio da população negra. O sarau é apenas mais uma forma de enfrentamento ao status quo. Nossa participação política não se restringe à atuação política partidária. Diversos partidos sinalizam uma necessidade de representação com a juventude negra, porém, não temos conhecimento de algum que se coloca de fato nos bairros periféricos e com a juventude negra da cidade.
PS: recentemente O Calçadão cobriu o Encontro de Negras e Negros de Ribeirão Preto, onde foram debatidos vários assuntos de interesse da juventude e da população negra como um todo, como a política de cotas, por exemplo. Veja a reportagem do encontro nesse link: http://www.ocalcadao.blogspot.com.br/2015/10/o-calcadao-acompanhou-o-encontro-de.html
A página do Sarau Preto no facebook é https://www.facebook.com/saraupreto/?fref=ts
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