Fui à Sampa, à velha Sampa que
faz alguma coisa acontecer no coração de Caetano e de muita gente quando cruzam
a Ipiranga e a Avenida São João. Conheci um lugar bem popular: a Feira da
Madrugada, no Brás. Muitos ônibus, vans e gente, gente, gente. Gente alta,
gente baixa, gente gordinha, magrinha; gente de olhos de muitos tamanhos e cores,
de pele negra, branca, amarelada, avermelhada, amarronzada, à mostra ou bem
coberta também; gente de cabelos de várias texturas, penteados, lenços e cores.
Essa é a “São, São Paulo, meu amor”, do Tom Zé.
No meio dessa gente, assim,
tão gente e tão brasileira, encontrei um senhor que vendia camisetas. Aquele
sotaque alegre, de vogais abertas e muito sonoras alegrou meus ouvidos. Ele é
do Ceará, a companheira- que encontrou na eclética Sampa- é da Bahia e os
filhos são paulistanos, sim, senhor. E ambos trabalham muito nessa São Paulo
que nunca para.
Compro minha camiseta e,
enquanto ele conversa com meus amigos, sento-me no seu banquinho e olho as
notícias no celular. Falo com minha amiga “Hoje é aniversário do Lula”, e ela
responde: “Parabéns pra ele”. O vendedor simpático fica olhando, curioso, na
espreita de uma crítica ou de um “sim”. E eu digo: “É verdade, parabéns pro
Lula”. Pronto. Ele desembestou a falar. Que não pode se manifestar, que os
compradores podem achar ruim, que a feira perdeu sim um pouco o movimento, mas
ele entende que não é só no Brasil, não, que “tem gente saindo dum canto e indo para outro, com fome, ‘vixe’, sem
nada, olha lá o pessoal morrendo no tal mar, olha que míngua, que tristeza. A
gente aqui tá firme, é só a Dilma abrir um tiquinho assim a torneira, olha, um
tiquinho assim, que olhe, moça, ninguém vai mais reclamar. Eu gosto dela,
viu, mas num posso ficar falando, só quando deixam a gente falar, que nem a
senhora, que nem vocês. Tem gente que, se a gente fala, xinga, fala pra gente
voltar pra nossa terra...mas o Brasil não é nossa terra? Então? Eu gosto da
Dilma, eu gosto do Lula, olhe, minha filha tá na universidade, vai todo dia,
ela tem uma tal bolsa e não paga nada, por causa da nota da prova lá, do ‘ENEIN’,
é ‘ENEIN’”. Sim, ENEM. “Então, ela já
até trabalha e tem que ver com o curso dela. Eu não estudei, não, mas minha
filha estuda e vai ter diploma e já trabalha com o curso, eu falei, né? E olhe,
ela estudava em escola aí da prefeitura, do governo e ela passou na prova. Olhe,
eu sou um cabra feliz, viu, minha filha estuda e não paga nada e isso me dá um
negócio aqui dentro, olhe"...um marejar de olhos reflete a luz da barraca ao
lado.
Saí de lá feliz. Quantos
brasileiros não sentem o mesmo? Essa sensação de que hoje podem, hoje,
conseguem, hoje veem um filho estudar? O ENEM, criado em 1998, como uma prova
para avaliar o Ensino Médio no Brasil, em 2002, é transformado por Fernando Haddad,
então ministro de Lula, não só no maior vestibular do país, mas num imenso
oásis no deserto da desigualdade educacional alicerçada pela dissemelhança
social e racial presente no país desde sua descoberta até o início deste
milênio.
É certo que há muito ainda a
ser feito, em muitos aspectos, mas o ENEM veio como um bálsamo para aliviar
dores profundas na educação de nosso país, e ele abriu afluentes: outros vestibulares
vêm aderindo ao SISU.
Não sei se sou uma professora
sonhadora, que a cada ano vê mais alunos carentes tendo acesso à universidade, mas
acredito que daqui a algumas décadas, teremos muito mais gente brasileira, pais
trabalhadores de todas as origens e profissões, altos e baixos, gordos e magros,
de todos os tamanhos de olhos, de todas as cores de pele, que poderão exclamar
repletos de orgulho: “Minha filha pode estudar”.
Cláudia Cantarella
por causa de professores como você, Cláudia Cantarella é que o povo se revolta contra os maus políticos que tentam, a qualquer custo desmerecer a educação. Estou certa de que seus alunos têm em você, um belo exemplo de cidadania e amor à profissão. Parabéns.
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