A obra Hamlet, de William Shakespeare, escrita no fim do século XVI e início do XVII retrata um panorama extremamente atual e que não se distancia em nada de nosso cenário político. Assim como na obra ‘ficcional’ de Shakespeare, o curso da “loucura” real ou fingida de nosso sistema político, ilustra vários fenômenos evidentes como: Vingança, traição, corrupção.
Os desencadeamentos que ocorreram desde a farsa da votação do impeachment na câmara, no dia 17/04, e no Senado, semanas depois; foram de uma avalanche de evidências e provas que vieram à público e confirmaram o que já estava evidente: a natureza do golpe. O maior escritor inglês de todos os tempos, nessa obra, profere a seguinte frase: “Há algo de podre no reino da Dinamarca, mas não sabíamos que a Dinamarca era tão grande”.
Assim como em Hamlet, as instituições brasileiras tem-se mostrado, cada vez mais, podres. O que se desencadeou durante essas poucas semanas após o afastamento da presidenta Dilma foi um enredo que deixaria Shakespeare invejado com tanta vingança, traição e corrupção que fomos e estamos imersos.
O pedido de impedimento da presidente foi oriundo de um único sentimento: vingança. Ocorre que, como Claudio, irmão de Hamlet, Cunha, o mafioso; ferido por não ter recebido as furnas da mão de Dilma resolve afastá-la do poder. Claudio assassina o próprio pai. Cunha, diferentemente, lança mão da peça do impeachment. De lá para cá, o que se revelou foi um verdadeiro circo de horror. Dilma foi traída pelo seu Vice, Temer, que com a sana de usurpar o poder e livrar-se do esquema e suspeita das investigações da Lava-Jato resolve engendrar um esquema que envolveria todas as instituições de nossa república.
Como Dilma não estava travando essas investigações e as mesmas levariam a revelar o maior escândalo de corrupção já visto em solo brasileiro (que levaria a queda de todos os envolvidos no esquema), após a Privataria Tucana de FHC, Temer e asseclas resolvem afastar a presidenta da República democraticamente eleita para que; com isso esse sistema podre continuasse a vigorar.
Temos, nessa peça trágica, vários protagonistas do golpe, mas poderíamos dizer que o ex-ministro de planejamento Romero Jucá (PMDB-RR) e o presidente do Senado (Renan Calheiros, PMDB - AL) deu o golpe de minerva e revelou a suja articulação desse governo ilegítimo do Temer. Nos áudios vazados de ambos, fica evidente um plano de afastar a Dilma para que o sistema de corrupção estrutural continuasse a operar.
Esse pedido de impeachment seria, portanto, com um claro objetivo - O de salvar as castas políticas da elite corrupta. Em todos os áudios vazados, o STF encontra-se envolvido, o que deixa essa peça mais trágica, ainda. Como julgar quem julga?? O STF, portanto, teria um papel crucial no golpe, o de dar um “ar” de legalidade a um pedido de impedimento que se mostrou completamente ilegal.
Mas a Dinamarca Shakespeariana é aqui, no Brasil, e a trama se aprofunda ao vermos que Gilmar Mendes, principal protagonista do STF no golpe, resolve blindar todos, repito, TODOS os parlamentares envolvidos no golpe (como Aécio, Anastasia, Aloysio Antunes, Temer, Cunha, Renan Calheiros, família Marinho e CiA) e execrar TODOS parlamentares e civis ligados ou simpáticos a legenda que está sofrendo o golpe, a saber: PT.
Nesse reino de Shakespeare, obviamente, o PT também está envolvido nos escândalos de corrupção, mas a presidenta afastada, não! Ela, como Hamlet, começou a dar força as investigações Lava-Jato, ela não cedeu às chantagens, ela encarou honestamente e fortemente o peso de toda a corrupção institucional que, agora, se vira contra ela para afastá-la do cargo e; com isso salvar os que sempre assaltaram o país. Dilma passa a ser afastada não pelos erros dela, pois errar não significa cometer crime; mas pelo acerto dela não ter se curvado às chantagens de mafiosos.
Por esse desvio de finalidade do impeachment mostra a natureza golpista da mesma. Pelo fato desse pedido de impeachment ter conflito de interesse, mostra o Golpe. Pelo fato de terem articulado com todas as instituições (STF, Senado, Câmara, Exército, Mídia) o impedimento da pessoa que estava ajudando a combater a corrupção estrutural, mostra a natureza golpista.
Na obra de Shakespeare o pai de Hamlet aparece como um fantasma para dizer quem foi seu algoz, em nossa história política o fantasma é o tempo e este tem mostrado recorrentemente quem são os algozes da Dilma. Um STF que legaliza o golpe, uma mídia que espetaculariza inversamente, transformando réus em vítimas e vítimas em réus; um parlamento que rompe com qualquer possibilidade de defesa, por isso rompendo com a democracia e uma presidenta que, inocente, sofre o castigo por não se dobrar aos conchavos e acordatas da criminalidade. Golpe sujo, imundo, machista. Golpe que revela a contemporaneidade de Shakespeare, mas que diferente de uma obra ficcional, este enredo que é traçado no Brasil fede a enxofre.
Os dois últimos áudios são reveladores e preocupantes. Mostra um STF submisso e comprado, mostra uma repressão militarizada em alerta e mostra o que ocorre (interrupção de alguma forma) com quem quer, de alguma forma, combater a corrupção do país e promover uma igualdade social. Escrevo esse texto, não como um apoio da política da Dilma (o qual tenho sérias críticas), mas como um apoio à pessoa Dilma (por ter visto o nível de assédio moral que ela sofreu e vem sofrendo) e à democracia (por me indignar a essa estrutura podre que existe nesse país desde sua colonização até sua “redemocratização”).
Roberto Barros é Doutor em Ciências pela USP e Coordenador Setorial LGBT e de Negros e Negras do PSOL de Ribeirão Preto
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