Menino
simples criado no Morro de Mangueira, sob os cuidados de Alfredo Português,
padrasto carinhoso e compositor criativo, Nelson Sargento iniciou no mundo do
samba em um ambiente impregnado de musicalidade e de poesia, que lhe serviu de
inspiração para compor suas músicas.
Em 1948 ele compôs com Alfredo Português e
Jamelão o samba Cântico à natureza (Primavera), que além de um conteúdo poético
profundo, tem um refrão maravilhoso e inesquecível: oh primavera adorada,
inspiradora de amores, oh primavera idolatrada, sublime estação das flores. Apesar
do grande sucesso alcançado com essa música, os autores não receberam o retorno
financeiro correto e desejável.
Convivendo com grandes compositores e
intérpretes da Estação Primeira de Mangueira, Nelson fez duas músicas em
parceria com o mestre Cartola, “Vim lhe pedir” e “O samba do operário”. Essa
última foi composta em um dia 1º de maio e tem uma mensagem social interessante.
Como Ary Barroso, que criticando os baixos salários fez a música “Falta um zero
no meu orçamento”, Nelson alertava o operário dizendo: se o operário soubesse reconhecer
o valor que tem seu dia, por certo que valeria duas vezes mais o seu salário,
mas como não quer reconhecer é ele escravo sem ser de qualquer usurário.
Na década de 1960 o sambista integrou o
Grupo Rosa de Ouro, dando início a sua carreira semi-profissional, em um
projeto revolucionário de Hermínio Bello de Carvalho, que transformou o conceito
de espetáculo de samba ao reunir compositores do morro (Nelson Sargento e
Anescarzinho do Salgueiro), sambistas da cidade (Paulinho da Viola e Elton
Medeiros), cantora popular (Clementina de Jesus) e cantora lírica do teatro de
revista (Aracy Cortes).
Com o fim do Rosa de Ouro, integrou o
grupo A Voz do Morro, formado pelo sambista Zé Keti para a gravação de alguns
discos, e posteriormente o grupo Os Cinco Crioulos, que já não contava com a presença
de Paulinho da Viola, pois esse iniciara a carreira solo e gravara seu primeiro
disco, no qual incluía a composição “Minha vez de sorrir” do nosso querido
sambista.
Por volta de 1973, ao se deparar com
alguns quadros pintados por Nelson, o jornalista Sérgio Cabral gostou do que
viu, adquiriu a primeira tela e para incentivar o amigo fez uma exposição em
sua casa para divulgar a obra do novo
artista plástico.
A
versatilidade é a principal característica de Nelson Sargento. Ele não se
contenta em simplesmente cantar, compor e pintar, mas também precisa se
expressar através da escrita.
Escreveu uma biografia do sambista Geraldo
Pereira e mais três livros de poesias e pensamentos, sendo o último lançado em
julho deste ano.
O poeta Carlos Drumond de Andrade ao
escutar a sua música “Encanto de paisagem”, disse a seguinte frase ao sambista:
quanta delicadeza emocional.
Muito interessantes e espirituosas são as
frases que o artista criou sobre as mulheres: não tente entender as mulheres,
pois nem elas se entendem; Teu beijo é tão doce, tão doce que prejudica a minha
saúde. Quanto às músicas com o mesmo tema, a que mais se destaca é “Falso amor
sincero”: o nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que
acredito. O nosso falso amor é tão sincero, isso me faz tão feliz. Ela faz tudo que eu quero, eu faço tudo que
ela diz. Aqueles que se amam de verdade invejam a nossa felicidade.
Passando por uma fase difícil e procurando
ganhar algum dinheiro, Nelson foi à gravadora oferecer alguns sambas que acabara
de compor, porém, o produtor de maneira desinteressada falou: eu estou
precisando de um samba diferente. Estes teus sambas são todos iguais,
tradicionais, e não vão fazer sucesso. O sambista indo para casa com aquilo na
cabeça se questionava: ele quer um samba diferente, mas como é que seria esse
samba? O que será que eu posso fazer?
No dia seguinte teve a ideia genial. É
samba diferente que ele quer, então vai ser assim, em um “Idioma esquisito”: fui
fazer o meu samba na mesa de um botequim, depois de umas e outras o samba ficou
assim. Estrambonático, palipopético, cilalenítico, estapafúrdico,
protopológico, antropofágico, presolopépipo, atroverático, batunitétrico,
pratofinandolo, calolotético, caranbolambolu, posolométrico, pratofilônica,
protopolágico, canecalônica. É isso aí, é isso aí, ninguém entendeu nada eu
também não entendi.
É isso aí produtor, você queria um samba
diferente e conseguiu, e nós amantes do samba ganhamos um poeta, que na
condição de prisioneiro do mundo, como ele se coloca, encara a vida com a sabedoria
dos poetas maiores, daqueles que conseguem viver e criar, apesar dos limites
que a condição humana os impõe.
Axé,
meu querido Nelson!
Sandro Cunha é professor, sambista e amante da música brasileira!
Nenhum comentário:
Postar um comentário