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sábado, 8 de outubro de 2016

Nelson Sargento, o prisioneiro do Mundo! Por Sandro Cunha



Menino simples criado no Morro de Mangueira, sob os cuidados de Alfredo Português, padrasto carinhoso e compositor criativo, Nelson Sargento iniciou no mundo do samba em um ambiente impregnado de musicalidade e de poesia, que lhe serviu de inspiração para compor suas músicas.
     Em 1948 ele compôs com Alfredo Português e Jamelão o samba Cântico à natureza (Primavera), que além de um conteúdo poético profundo, tem um refrão maravilhoso e inesquecível: oh primavera adorada, inspiradora de amores, oh primavera idolatrada, sublime estação das flores. Apesar do grande sucesso alcançado com essa música, os autores não receberam o retorno financeiro correto e desejável.
                                                                                             
     Convivendo com grandes compositores e intérpretes da Estação Primeira de Mangueira, Nelson fez duas músicas em parceria com o mestre Cartola, “Vim lhe pedir” e “O samba do operário”. Essa última foi composta em um dia 1º de maio e tem uma mensagem social interessante. Como Ary Barroso, que criticando os baixos salários fez a música “Falta um zero no meu orçamento”, Nelson alertava o operário dizendo: se o operário soubesse reconhecer o valor que tem seu dia, por certo que valeria duas vezes mais o seu salário, mas como não quer reconhecer é ele escravo sem ser de qualquer usurário.
     Na década de 1960 o sambista integrou o Grupo Rosa de Ouro, dando início a sua carreira semi-profissional, em um projeto revolucionário de Hermínio Bello de Carvalho, que transformou o conceito de espetáculo de samba ao reunir compositores do morro (Nelson Sargento e Anescarzinho do Salgueiro), sambistas da cidade (Paulinho da Viola e Elton Medeiros), cantora popular (Clementina de Jesus) e cantora lírica do teatro de revista (Aracy Cortes).
     Com o fim do Rosa de Ouro, integrou o grupo A Voz do Morro, formado pelo sambista Zé Keti para a gravação de alguns discos, e posteriormente o grupo Os Cinco Crioulos, que já não contava com a presença de Paulinho da Viola, pois esse iniciara a carreira solo e gravara seu primeiro disco, no qual incluía a composição “Minha vez de sorrir” do nosso querido sambista.
     Por volta de 1973, ao se deparar com alguns quadros pintados por Nelson, o jornalista Sérgio Cabral gostou do que viu, adquiriu a primeira tela e para incentivar o amigo fez uma exposição em sua casa para divulgar a obra do  novo artista plástico.
     A versatilidade é a principal característica de Nelson Sargento. Ele não se contenta em simplesmente cantar, compor e pintar, mas também precisa se expressar através da escrita. 
     Escreveu uma biografia do sambista Geraldo Pereira e mais três livros de poesias e pensamentos, sendo o último lançado em julho deste ano.
     O poeta Carlos Drumond de Andrade ao escutar a sua música “Encanto de paisagem”, disse a seguinte frase ao sambista: quanta delicadeza emocional.
     Muito interessantes e espirituosas são as frases que o artista criou sobre as mulheres: não tente entender as mulheres, pois nem elas se entendem; Teu beijo é tão doce, tão doce que prejudica a minha saúde. Quanto às músicas com o mesmo tema, a que mais se destaca é “Falso amor sincero”: o nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acredito. O nosso falso amor é tão sincero, isso me faz tão feliz.  Ela faz tudo que eu quero, eu faço tudo que ela diz. Aqueles que se amam de verdade invejam a nossa felicidade.
     Passando por uma fase difícil e procurando ganhar algum dinheiro, Nelson foi à gravadora oferecer alguns sambas que acabara de compor, porém, o produtor de maneira desinteressada falou: eu estou precisando de um samba diferente. Estes teus sambas são todos iguais, tradicionais, e não vão fazer sucesso. O sambista indo para casa com aquilo na cabeça se questionava: ele quer um samba diferente, mas como é que seria esse samba? O que será que eu posso fazer?                                                                                                                                                                    
     No dia seguinte teve a ideia genial. É samba diferente que ele quer, então vai ser assim, em um “Idioma esquisito”: fui fazer o meu samba na mesa de um botequim, depois de umas e outras o samba ficou assim. Estrambonático, palipopético, cilalenítico, estapafúrdico, protopológico, antropofágico, presolopépipo, atroverático, batunitétrico, pratofinandolo, calolotético, caranbolambolu, posolométrico, pratofilônica, protopolágico, canecalônica. É isso aí, é isso aí, ninguém entendeu nada eu também não entendi.
     É isso aí produtor, você queria um samba diferente e conseguiu, e nós amantes do samba ganhamos um poeta, que na condição de prisioneiro do mundo, como ele se coloca, encara a vida com a sabedoria dos poetas maiores, daqueles que conseguem viver e criar, apesar dos limites que a condição humana os impõe.


Axé, meu querido Nelson!

Sandro Cunha é professor, sambista e amante da música brasileira!

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