A política se expressa de muitas formas e, neste momento pós
eleições municipais do Rio, vale uma pequena reflexão. As urnas falam e falam
bem alto. Porém os gestos também falam alto, pois refletem uma visão de
presente e de futuro, direcionam estratégias, determinam aliados, a relação com
eles e compromissos reais com o povo.
A vitória da negação da política e o comando da prefeitura
do Rio em mãos conservadoras são um retrocesso. Lamento sinceramente a derrota
de Marcelo Freixo, candidato apoiado por nós do PCdoB e demais forças de
esquerda no segundo turno.
O palanque de Marcelo Crivella mostrou uma unidade de
centro-direita, com lideranças religiosas e a expressão de uma visão atrasada
de como "cuidar das pessoas", por meio da negação da diversidade e
pluralidade, características muito fortes na sociedade carioca.
O processo eleitoral ocorreu debaixo de um golpe
institucional, da violação da nossa Constituição, da criminalização da
política, com foco na eliminação da esquerda que governou o Brasil e em
consequência dos direitos por ela garantidos.
Sinais de fascismo e Estado de exceção com envolvimento de
agentes públicos dos três Poderes marcaram os últimos meses, contando com
amplificação e consolidação da criminalização da política pela Grande Mídia,
particularmente pelo sistema Globo de televisão, rádio, jornais e revistas semanais.
Ao analisar este cenário, não concordo com os que acham que os erros da
Esquerda foram a razão do golpe e da desesperança do povo, mesmo admitindo que
existiram muitos erros.
Tudo isso tem exigido de nós uma demarcação clara de campo,
a inserção da cidade que queremos neste contexto e o máximo de unidade possível
do campo mais avançado e da Esquerda em particular. Todos sabíamos que no
primeiro turno, o voto útil unificaria a opção do eleitorado à esquerda. Ficou
claro que minha candidatura foi atingida por este movimento.
No segundo turno, porém, a unidade e a ampliação seriam
fundamentais para enfrentar no Rio a onda conservadora que varreu o Brasil.
Ainda que não ganhássemos a eleição, teríamos dado um grande passo em direção a
uma perspectiva futura de unidade das esquerdas e do campo progressista. A soma
não é apenas matemática, mas de forte simbolismo político.
No entanto, não dar visibilidade ao apoio do PT, da REDE e
do PCdoB foi uma opção nítida da campanha de Marcelo Freixo, e a única alternativa
que nos restou foi respeitar uma estratégia onde não cabíamos. Falando por
minha candidatura, reafirmo meu compromisso no segundo turno, quando declarei
apoio à candidatura do PSOL antes mesmo de terminada a apuração dos votos do
primeiro turno.
Fizemos outras declarações públicas durante o processo, com
vídeos, presença em atos na Cinelândia – como o de mulheres – com nossa
tradicional militância presente na rua durante todo o tempo e de forma muito
bonita. Mas é necessário dizer à sociedade que, se mais não fizemos foi porque
entendemos o recado e respeitamos a decisão da candidatura de Freixo, que não
buscou a nossa opinião, muito menos a nossa presença em demais atividades,
imagens, TV e redes sociais.
Ao emitir uma "Carta aos Cariocas" para, tardiamente,
atrair o eleitor de classe média mais ao centro, equivocou-se. Na minha
opinião, seu conteúdo reforçou um movimento de "despolitização da
política" fortemente presente no país, que acabou marcando as duas
campanhas neste segundo turno e que pode ter contribuído para o altíssimo
índice de abstenções. Isso foi visto, sintomaticamente, em maior grau na Zona
Sul e bairros de classe média do que nos territórios populares.
A história já diz. As vitórias eleitorais da Esquerda no Rio
sempre estiveram respaldadas no voto popular, e grandes votações nas zonas
norte e oeste. Foi assim nas eleições de Brizola para governador em 1982 e em
1990. Lula, por exemplo, sempre teve votações expressivas no Rio de Janeiro,
desde a sua primeira campanha em 1989. Em 2002 e em 2006, teve média de 70% dos
votos nas zonas norte e oeste, performance repetida por Dilma em 2010.
O PSOL, que optou por não receber o apoio de Lula em sua
campanha, nunca conseguiu chegar perto deste patamar nas regiões populares
desta cidade. Faltou povo no seu eleitorado, porque talvez falte construir
pontes com os setores da esquerda que construíram lastro e raízes históricas
junto aos setores populares. Como escreveu Sidney Rezende em seu portal,
"ajudar a Direita a desconstruir os demais partidos de Esquerda,
principalmente o PT, pode abrir estradas ao PSOL, mas pode afastar delas quem
ainda acredita que a esquerda mais unida, ainda que com divergências, seja
indispensável para merecer seu voto".
E a segunda lição das urnas para o PSOL é que a ofensiva
anti-PT e anti-esquerda desencadeada nestas eleições municipais atinge também o
próprio PSOL. O partido perdeu as 3 eleições que disputou nesse segundo turno,
e vai governar apenas 2 pequenos municípios em todo o país. Pau que bate em
Chico, bate em Francisco.
O mapa da votação na cidade é eloquente e fala por si.
Esquerda sem povo e sem ampliação não vai muito longe, como a história das
batalhas eleitorais do Rio nos ensina.
A responsabilidade agora é de todos nós.
Olhar para o futuro e repensar o papel da Esquerda, dos
movimentos sociais em conteúdo, gestos e forma de relação com a sociedade,
particularmente o povo trabalhador e menos aquinhoado. No centro do nosso
projeto deve estar a recuperação democrática, os direitos e o desenvolvimento
do nosso país.
Os desafios são muitos e devemos trabalhar em unidade e
frentes amplas que nos permitam recuperar nossa referência. Devemos reconhecer
a lição que saiu das urnas e seguir apoiando e incentivando a juventude em luta
nas periferias, nas escolas e universidades ocupadas, os trabalhadores e
mulheres guerreiras, os artistas que se expuseram com riscos reais para suas
carreiras.
Há muito que fazer para superar os nossos limites e visões
que dificultam composições mais amplas no campo da Esquerda e dos setores
progressistas. É preciso permitir acumular forças entre os que defendem, como
nós, um futuro de politização, ampliação da democracia e vitória do nosso povo
contra a dramática agenda de Estado mínimo em implantação por este governo
ilegítimo.
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