As forças reacionárias que
manipulam o país e suas instituições, depois de ter dado um tempo nos
movimentos populares que foram às ruas pedir o impeachment de Dilma Rousseff,
são sim capazes de condenar e até prender Lula. Tudo, claro, para confirmar o projeto
elaborado lá atrás e que tinha por objetivo defenestrar tudo o que se
assemelhasse minimamente a um projeto progressista e socialmente justo (ou
quase) do poder. A análise é do sociólogo Aldo Fornazieri em artigo que
replicamos aqui.
Exame.com |
O juiz Sérgio Moro, como se
sabe, marcou a data do depoimento de Lula, na condição de réu, para o dia 3 de
maio. Nas últimas semanas Lula voltou a ocupar grande espaço nas mídias de
todas as colorações e nas redes sociais, por duas razões: a aproximação do
desfecho de sua situação nas denúncias da Lava Jato e as movimentações em torno
da sua candidatura. Os dois movimentos terão uma evolução inseparável e, o
segundo, embora possa ser temporalmente antecipado, dependerá inextricavelmente
do destino do ex-presidente no Judiciário.
É nesse contexto que
petistas e progressistas em geral parecem estar embarcando numa nova canoa da
ilusão. Não resta a menor dúvida de que Sérgio Moro, pelas suas parcialidades,
pelo uso político sistemático de conduções coercitivas, prisões, delações
premiadas e vazamentos politicamente orientados fez parte, de forma ostensiva,
do golpe que derrubou Dilma. O golpe, com vários interesses agregados, tinha o
como objetivo central retomar inteiramente o controle do Estado por parte da elite
nativa, aliada ao capital financeiro e transnacional. Para que este controle
seja garantido, o golpe se subdividiu em duas etapas, sendo a primeira, a
retirada de Dilma do governo e, a segunda, o impedimento da candidatura Lula em
2018.
A ilusão petista-progressita
reside exatamente aqui: a crença de que Moro e as demais forças do Judiciário e
do Ministério Público, articuladas com o projeto de afastar os segmentos
populares e de esquerda do poder, não terão coragem para prender Lula ou de,
alguma maneira, impedi-lo de ser candidato a presidente. Ora, essas forças não
teriam pago o preço de destruir a democracia, de aprofundar a crise econômica,
de achacar os direitos e o mínimo de bem estar dos trabalhadores para deixar o
serviço pela metade.
O lançamento prematuro da
candidatura Lula parece conter dois elementos de estratégia: 1) constranger sua
condenação nos processos em que é réu; 2) defini-lo como a bala de prata do PT
em 2018 e no futuro próximo, pois sem Lula o partido não será capaz de se recuperar
no médio prazo. É duvidoso que esta estratégia seja a mais correta por que: a)
o lançamento de sua candidatura estreita e restringe o movimento de sua defesa,
e b) a sua possível candidatura deveria vir no bojo de um processo de
reformulação programática e de construção de um leque amplo de forças para
sustentá-la, com uma concepção voltada mais para enfrentar os desafios futuros
do que olhar para o passado.
Uma estratégia mais sensata
e eficaz parece ser a de criar um amplo movimento democrático e progressista de
defesa de Lula, denunciando a parcialidade da Lava Jato, a ação persecutória
contra o ex-presidente e a inconsistência jurídica das acusações que são
lançadas contra ele. Esse movimento deveria se estruturar independentemente das
opções de candidaturas para 2018. O lançamento prematuro da candidatura Lula
inibe esta opção. Ademais, esse movimento deveria se articular com as lutas
populares contra a reforma da Previdência e das demais reformas retrógradas,
com a exigência de renúncia de Temer, com a antecipação das eleições gerais e
com o combate à corrupção.
Os testes das esquerdas e a
hora da verdade
A atual conjuntura é marcada
pelo seguinte paradoxo: existe uma monumental desmoralização do governo Temer e
profunda deslegitimação das instituições em contraste com a clara liderança de
Lula nas pesquisas eleitorais e, mesmo assim, as forças populares e
progressistas não são capazes de promover manifestações significativas contra o
governo e contra as reformas anti-sociais. A desmoralização do governo, do PMDB
e do PSDB empurra cada vez mais os movimentos que se mobilizaram pelo
impeachment a buscar a construção de uma candidatura de direita e a retomar as
mobilizações de rua.
A hora da verdade das
esquerdas e dos progressistas chegará, mais uma vez, por razões históricas.
Tome-se como referência apenas três fatos históricos Em 1964 garantia-se a
Jango que ele dispunha de sustentação sindical, social e militar para resistir
ao golpe. Jango foi derrubado sem que houvesse resistência significativa. Na
campanha das Diretas Já, milhões de pessoas foram às ruas defendendo esta
bandeira. Na hora decisiva, os liberais conservadores fizeram um acordo com
parte da direita e desaguaram o movimento no Colégio Eleitoral sem que houvesse
uma reação dos setores populares e progressistas para garantir as eleições
diretas.
Finalmente, no processo de
impeachment de Dilma falou-se em "exército do Stédile", garantiu-se
que as forças da CUT "desceriam às trincheiras" para defender a
democracia, proclamou-se que "golpistas, fascistas não passarão" etc.
No dia 17 de abril de 2016, data efetiva do golpe, quem estava no Vale do
Anhangabaú viu algumas milhares de pessoas se retirarem cabisbaixas de
desmoralizadas com o acolhimento do impeachment por uma horda de deputados que
gerou vergonha e perplexidade no mundo pela sua desqualificação. Não houve
nenhuma reação. O próprio comando do governo e do PT errou gravemente de
avaliação, pois, dois dias antes da decisão da Câmara, julgava-se que Dilma
teria votos suficientes para barrar o impeachment.
As lições da história
mostram que os democratas, os progressistas e as esquerdas não foram efetivos
na construção de uma consolidada democracia social no Brasil. Nos momentos
críticos em que isto poderia proporcionar uma virada, essas forças foram
derrotadas até mesmo quanto o elemento militar não interveio no jogo político.
A causa principal dessas derrotas está na incompreensão do fator força
organizada para promover as mudanças. Negligenciar a organização e o acúmulo de
forças políticas e sociais significa perder no jogo institucional quando o país
passa por momentos críticos e os avanços conquistados podem sofrer graves
retrocessos, a exemplo do que ocorre neste momento.
Se Lula for preso ou
impedido de ser candidato o que acontecerá? Esta pergunta não tem uma resposta
assertiva. Não basta apenas proclamar que "Lula é meu amigo: mexeu com
ele, mexeu comigo". Esta proclamação só será algo efetivo se existir força
organizada capaz de barrar a prisão ou a inviabilização da candidatura de Lula
nas ruas.
Independentemente de se
apoiar ou não uma eventual candidatura Lula em 2018 é preciso perceber que o
jogo do seu destino na Justiça está imbricado com o futuro da democracia. Por
isso, a tarefa agora não é definir candidaturas, mas ganhar esse jogo. Caso
contrário, os trabalhadores e movimentos sociais sofrerão uma devastadora
derrota histórica e a destruição do Brasil será de tal magnitude que serão
necessárias décadas para se recuperar. Afinal de contas estamos diante de um
governo que destrói de forma sistemática e organizada as linhas de força que
poderiam imprimir alguma significação positiva ao Brasil no futuro. Estamos
diante de um governo que faz da humilhação e da degradação do povo o seu método
de governar.
Queira-se ou não, goste-se
ou não, o fato é que a realidade impôs uma imbricação entre o destino jurídico
de Lula e o destino da democracia, já que a solução desta equação dirá se o
golpe sairá inteiramente vitorioso ou parcialmente derrotado. Neste momento
parece que a possibilidade da consumação completa do golpe é maior, pois, de um
lado, as esquerdas críticas ao PT não conseguem compreender o que está em jogo
e o PT prefere jogar com uma única bala de prata.
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