Foto: UFRJ
Do Cafezinho
Há algumas semanas, em companhia de uma conceituada economista
(que prefere permanecer anônima), tive o privilégio de entrevistar o filósofo e escritor
francês Dany-Robert Dufour, autor de vários clássicos que denunciam a decadência
política e moral do neoliberalismo e do ultraliberalismo.
(que prefere permanecer anônima), tive o privilégio de entrevistar o filósofo e escritor
francês Dany-Robert Dufour, autor de vários clássicos que denunciam a decadência
política e moral do neoliberalismo e do ultraliberalismo.
O áudio da entrevista permanece inédito, à espera de transcrição e tradução.
Concordamos, porém, em fazer uma entrevista escrita que abordasse
alguns temas “quentes” da conjuntura política brasileira, que Dany conhece
bem por causa de ligações familiares com nosso país: ele é casado com uma
brasileira e acompanha de perto, via blogosfera, os acontecimentos por aqui.
Concordamos, porém, em fazer uma entrevista escrita que abordasse
alguns temas “quentes” da conjuntura política brasileira, que Dany conhece
bem por causa de ligações familiares com nosso país: ele é casado com uma
brasileira e acompanha de perto, via blogosfera, os acontecimentos por aqui.
Dany entende bem o português, falado e escrito, mas suas entrevistas são
respondidas em sua primeira língua, o francês. O texto abaixo foi traduzido
por uma pessoa próxima a ele.
respondidas em sua primeira língua, o francês. O texto abaixo foi traduzido
por uma pessoa próxima a ele.
Abaixo, a entrevista com Dany-Robert Dufour, a quem agradecemos
profundamente não apenas a cordialidade com a qual nos recebeu em sua casa,
na zona sul do Rio de Janeiro, não apenas a tolerância e generosidade com
que perdoou nossas limitações técnicas, mas sobretudo pelo compromisso com
valores humanistas e democráticos que estão fazendo desesperada falta em nosso país.
profundamente não apenas a cordialidade com a qual nos recebeu em sua casa,
na zona sul do Rio de Janeiro, não apenas a tolerância e generosidade com
que perdoou nossas limitações técnicas, mas sobretudo pelo compromisso com
valores humanistas e democráticos que estão fazendo desesperada falta em nosso país.
Entrevista para o blog O Cafezinho, respondida em 06/09/2017:
1) Quais são as principais características do neoliberalismo?
Se é difícil apreender o neoliberalismo é porque ele coloca em jogo duas noções
diferentes que, infelizmente, na maior parte das análises, são confundidas.
Quero dizer com isso que é absolutamente necessário distinguir o ultraliberalismo
do neoliberalismo. O primeiro é de natureza econômica e ele funciona baseado em
um princípio simples: “ É preciso deixar agir (laisser-faire) os egoísmos privados.”
Esse princípio visa a criar um espaço social niilista, impregnado de um novo e potente
darwinismo social onde todos os valores são reduzidos ao valor mercantil.
Os “mais aptos” podem a partir daí extrair “legitimamente” proveito e lucro de
todas as situações ao passo que os “menos aptos” são pura e simplesmente abandonados.
diferentes que, infelizmente, na maior parte das análises, são confundidas.
Quero dizer com isso que é absolutamente necessário distinguir o ultraliberalismo
do neoliberalismo. O primeiro é de natureza econômica e ele funciona baseado em
um princípio simples: “ É preciso deixar agir (laisser-faire) os egoísmos privados.”
Esse princípio visa a criar um espaço social niilista, impregnado de um novo e potente
darwinismo social onde todos os valores são reduzidos ao valor mercantil.
Os “mais aptos” podem a partir daí extrair “legitimamente” proveito e lucro de
todas as situações ao passo que os “menos aptos” são pura e simplesmente abandonados.
Quanto ao neoliberalismo, ele é de ordem política. Para criar essa selva social ultraliberal
submetida à lei do mais forte, é preciso destruir todas as formas de solidariedade,
seja ela familiar, amical, sindical, comunitária, estatal, etc. O que implica uma política
dura, podendo chegar até a criação de um Estado de exceção a fim de impor o laisser-faire
econômico.
submetida à lei do mais forte, é preciso destruir todas as formas de solidariedade,
seja ela familiar, amical, sindical, comunitária, estatal, etc. O que implica uma política
dura, podendo chegar até a criação de um Estado de exceção a fim de impor o laisser-faire
econômico.
Nunca se deve esquecer que o laboratório do neoliberalismo foi o Chile de Pinochet a
partir de 1973. Os Chicago boys formados por Milton Friedman estiveram no coração
dessa ditadura política. Um paradoxo difícil de entender é que é preciso uma ditadura
para impor o laisser-faire.
partir de 1973. Os Chicago boys formados por Milton Friedman estiveram no coração
dessa ditadura política. Um paradoxo difícil de entender é que é preciso uma ditadura
para impor o laisser-faire.
2) Por que o neoliberalismo conquistou a hegemonia ideológica no mundo de hoje?
O “deixar agir” (laisser-faire) os interesses privados destina-se a criar um vasto mercado
ultraliberal que funciona como uma religião. Ele contém uma promessa, não de vida
eterna, mas de satisfação de todos os desejos imediatos. De fato, o Mercado é essa
instância que interpela cada um de nós dizendo: “Peça tudo que quiser e você o terá
sob forma de objeto de consumo, de serviços comerciais, de fantasias sob
medida tal como as oferecidas pela indústria cultural”. Dito de outra maneira: o
ultraliberalismo tem êxito porque ele lisonjeia as tendências mais vis da alma humana.
ultraliberal que funciona como uma religião. Ele contém uma promessa, não de vida
eterna, mas de satisfação de todos os desejos imediatos. De fato, o Mercado é essa
instância que interpela cada um de nós dizendo: “Peça tudo que quiser e você o terá
sob forma de objeto de consumo, de serviços comerciais, de fantasias sob
medida tal como as oferecidas pela indústria cultural”. Dito de outra maneira: o
ultraliberalismo tem êxito porque ele lisonjeia as tendências mais vis da alma humana.
2) Em sua opinião, qual o papel dos meios de comunicação de massa no
exercício desta hegemonia ideológica do neoliberalismo?
exercício desta hegemonia ideológica do neoliberalismo?
Na antiga religião, o sino batia as horas e convocava os fiéis para a missa. O divino
Mercado dispõe dos meios de comunicação de massa que fazem “plim-plim” para
ocupar o espaço-tempo social e entregar regularmente a “boa palavra” sob três
formas: publicidade incessante promovendo o egoísmo dos interesses privados,
desqualificação sistemática de qualquer forma de interesse geral e espetáculo permanente
para divertir e adormecer as massas.
Mercado dispõe dos meios de comunicação de massa que fazem “plim-plim” para
ocupar o espaço-tempo social e entregar regularmente a “boa palavra” sob três
formas: publicidade incessante promovendo o egoísmo dos interesses privados,
desqualificação sistemática de qualquer forma de interesse geral e espetáculo permanente
para divertir e adormecer as massas.
4) Quais foram, na sua opinião, os principais obstáculos e dilemas enfrentados
pelo socialismo, democrático ou não, no pós-guerra, e que o fizeram fracassar em
tantos países ?
pelo socialismo, democrático ou não, no pós-guerra, e que o fizeram fracassar em
tantos países ?
O modelo soviético gerou uma aversão. Ele deu ao comunismo uma caricatura grotesca e
aterrorizante. Quanto ao anarquismo, ele nunca almejou o poder. A social-democracia
teve seus momentos de triunfo no “Primeiro Mundo” (os anos chamados Trinta gloriosos,
de 1945 a 1975) e na América Latina (a primeira década dos anos 2000), mas ele
deixou-se comprometer pela ideologia do Mercado.
aterrorizante. Quanto ao anarquismo, ele nunca almejou o poder. A social-democracia
teve seus momentos de triunfo no “Primeiro Mundo” (os anos chamados Trinta gloriosos,
de 1945 a 1975) e na América Latina (a primeira década dos anos 2000), mas ele
deixou-se comprometer pela ideologia do Mercado.
5) O que houve no Brasil, na sua opinião, foi um golpe? Em que sentido?
Como você o analisa?
Como você o analisa?
Sim, é um golpe de Estado de um novo tipo, não militar como em 1964, mas
jurídico-midiático. Ele decorre diretamente da análise errônea feita pela esquerda
brasileira governante quanto às relações de poder. Precisa-se aqui recorrer em parte à
filosofia política para compreender esse erro. A esquerda acreditou que, dispondo do
poder executivo e de uma boa parte do poder legislativo, ela dispunha das principais
alavancas de comando. Ora, sabe-se desde Montesquieu que existe um terceiro
poder, o poder judiciário, e que, há mais de cinqüenta anos, existe um quarto poder, o
poder midiático. São esses dois últimos poderes negligenciados pela esquerda brasileira
que causaram sua ruína. Para que o poder da esquerda caísse, bastou que a
imprensa dominante montasse um grande espetáculo dirigido às populações
desinformadas pela ação
dessa mesma imprensa, mostrando como juízes “corajosos” combatiam a corrupção –
enquanto que a definição que davam à corrupção era ultra seletiva para que ela não
pudesse de modo algum tocar nos amigos deles.
jurídico-midiático. Ele decorre diretamente da análise errônea feita pela esquerda
brasileira governante quanto às relações de poder. Precisa-se aqui recorrer em parte à
filosofia política para compreender esse erro. A esquerda acreditou que, dispondo do
poder executivo e de uma boa parte do poder legislativo, ela dispunha das principais
alavancas de comando. Ora, sabe-se desde Montesquieu que existe um terceiro
poder, o poder judiciário, e que, há mais de cinqüenta anos, existe um quarto poder, o
poder midiático. São esses dois últimos poderes negligenciados pela esquerda brasileira
que causaram sua ruína. Para que o poder da esquerda caísse, bastou que a
imprensa dominante montasse um grande espetáculo dirigido às populações
desinformadas pela ação
dessa mesma imprensa, mostrando como juízes “corajosos” combatiam a corrupção –
enquanto que a definição que davam à corrupção era ultra seletiva para que ela não
pudesse de modo algum tocar nos amigos deles.
6) O que a luta de classes na Europa, com seus fracassos e vitórias, tem a
ensinar à América Latina?
ensinar à América Latina?
O ensinamento é que é preciso reconstruir tudo na esquerda. Resumindo, é
preciso corrigir o comunismo pelo liberalismo, não o econômico, mas o liberalismo
político (que garante o pluralismo de pontos de vista) e pelo anarquismo
(que se preocupa não somente com o coletivo, mas também com a realização
de todas as potencialidades do indivíduo). E será preciso corrigir o liberalismo político
pelo socialismo que exige uma sociedade comum entre os indivíduos, o que não
acontece hoje posto que, as oito pessoas mais ricas do mundo possuem tanto quanto a
metade mais pobre o mundo, ou seja, três bilhões e meio de pessoas (segundo dados da
ONG Oxfam).
preciso corrigir o comunismo pelo liberalismo, não o econômico, mas o liberalismo
político (que garante o pluralismo de pontos de vista) e pelo anarquismo
(que se preocupa não somente com o coletivo, mas também com a realização
de todas as potencialidades do indivíduo). E será preciso corrigir o liberalismo político
pelo socialismo que exige uma sociedade comum entre os indivíduos, o que não
acontece hoje posto que, as oito pessoas mais ricas do mundo possuem tanto quanto a
metade mais pobre o mundo, ou seja, três bilhões e meio de pessoas (segundo dados da
ONG Oxfam).
Em suma, é preciso criar uma nova teoria e novas práticas que produzam uma mistura
do comunismo, do anarquismo, do socialismo e do liberalismo político – ou seja, das
quatro grandes ideologias progressistas modernas. Mas isso não é tudo. Porque é
necessário ainda que as novas práticas de produção e de consumo sejam
compatíveis com a manutenção e até mesmo com a restauração dos ecossistemas
indispensáveis à sobrevivência da humanidade. De fato, eles estão atualmente
muito degradados conforme indicam as graves mudanças climáticas, as propagações
súbitas de vírus e de epidemias, a diminuição drástica da diversidade das espécies,
as poluições múltiplas e irreversíveis, entre as quais as da água e do ar que respiramos.
do comunismo, do anarquismo, do socialismo e do liberalismo político – ou seja, das
quatro grandes ideologias progressistas modernas. Mas isso não é tudo. Porque é
necessário ainda que as novas práticas de produção e de consumo sejam
compatíveis com a manutenção e até mesmo com a restauração dos ecossistemas
indispensáveis à sobrevivência da humanidade. De fato, eles estão atualmente
muito degradados conforme indicam as graves mudanças climáticas, as propagações
súbitas de vírus e de epidemias, a diminuição drástica da diversidade das espécies,
as poluições múltiplas e irreversíveis, entre as quais as da água e do ar que respiramos.
7) Que contradições do capitalismo contemporâneo podem nos dar alguma
esperança de redenção social?
esperança de redenção social?
O capitalismo está condenado a se despedaçar no choque com o real: para atingir a
riqueza infinita, ele destrói os indivíduos, as solidariedades sociais e o meio ambiente.
Em suma, ele consome tudo e a gente junto. Estamos nos afogando, mas esperemos que
ao chegar ao fundo, saberemos dar a braçada do salva-vidas para construir outro
destino. O que é perfeitamente possível, como acabo de indicar acima.
riqueza infinita, ele destrói os indivíduos, as solidariedades sociais e o meio ambiente.
Em suma, ele consome tudo e a gente junto. Estamos nos afogando, mas esperemos que
ao chegar ao fundo, saberemos dar a braçada do salva-vidas para construir outro
destino. O que é perfeitamente possível, como acabo de indicar acima.
***
Dany-Robert Dufour é filósofo francês e tem dezoito livros publicados em editoras
importantes como Gallimard, Denöel, etc. Elaborou uma antropologia crítica do
ultraliberalismo em vários volumes, alguns deles publicados no Brasil: A arte de reduzir as
cabeças nas sociedades liberais (2005, Ed. Companhia de Freud, RJ), O Divino
Mercado (2009, Ed. Companhia de Freud, RJ), A Cidade Perversa (2013, Ed. Civilização
Brasileira, RJ), A existência de Deus comprovada por um filósofo ateu (2016, Ed.
Civilização Brasileira, RJ).
importantes como Gallimard, Denöel, etc. Elaborou uma antropologia crítica do
ultraliberalismo em vários volumes, alguns deles publicados no Brasil: A arte de reduzir as
cabeças nas sociedades liberais (2005, Ed. Companhia de Freud, RJ), O Divino
Mercado (2009, Ed. Companhia de Freud, RJ), A Cidade Perversa (2013, Ed. Civilização
Brasileira, RJ), A existência de Deus comprovada por um filósofo ateu (2016, Ed.
Civilização Brasileira, RJ).
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