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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Com 20 votos contra a manutenção do veto de Nogueira, Câmara introduz na Rede Municipal de Ensino lei que pune o professor que discutir “pornografia” na escola.

Glaucia Berenice durante a sessão de ontem.
Fotos: Filipe Peres

Ignorando a possibilidade de a Câmara estar legislando pela 38ª vez uma matéria inconstitucional, ignorando a possibilidade de estar ferindo o preceito de laicidade do Estado, ignorando o fato de não existir o termo “ideologia de gênero” nos mais de 50 anos de pesquisas de renomadas universidades do mundo todo em áreas de psicologia, antropologia e sociologia no que tange a identidade de gênero, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto com 20 votos contra 4 - Adauto Marmita (PR), Jorge Parada (PT), Luciano Mega (PDT) e Marcos Papa (REDE) – e uma abstenção – Boni (REDE) – derrubou o veto do Prefeito Antonio Duarte Nogueira (PSDB) à lei 52/17, da vereadora Glaucia Berenice (PSDB) que trata de “infância sem pornografia” nas escolas.


Segundo o Censo do Professor 2017, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), sem contar o Estado do Piauí, que não apresenta dados no estudo, o país possui 1.840.568 professores na Educação Básica clique aqui.. Mesmo existindo leis federais, para a vereadora Glaucia Berenice, autora do projeto, nem todos estes professores a cumprem, o que justifica a sua no âmbito municipal: “Por que as leis são necessárias no país? Porque nem todas as pessoas cumprem as leis. Se todas cumprissem as leis não precisaria existir o tribunal de justiça”, afirmou.

Para provar, a vereadora apresentou como argumento matérias de jornais em que os tribunais de justiça de São Paulo e Pernambuco retiraram de circulação livros didáticos, destinados às crianças, por estes possuírem conteúdos chulos, palavrões e diálogos obscenos. Além disso, a vereadora apresentou uma manchete de jornal que apresenta um caso ocorrido em Palmas/TO, onde uma aluna denunciou uma professora por “ideologia de gênero”, após esta dar uma aula sobre sexo oral.

Com um forte apoio do eleitorado evangélico e de setores da ultra-direita presentes na Câmara, a vereadora se defendeu das acusações de que o seu projeto possui motivação religiosa: “Muitos servidores não conhecem o conteúdo mas criticam. Primeira coisa, não se trata de religião. O tema é infância sem pornografia. [...] Eu trabalho a mais de 20 anos com DST/AIDS. E sabe o que eu uso? Eu uso materiais didáticos, mas tudo profissional, técnico”.

E mais adiante, a vereadora finaliza: “Quem trabalha com violência sexual sabe que se o tipo de abordagem tivesse dado resultado nós teríamos uma diminuição do HIV/AIDS e diminuição de gravidez precoce. Vamos mudar a abordagem? Vamos usar livros técnicos, vamos usar uma abordagem de acordo com a família?”, terminou.

Luciano Mega chamou atenção o fato de já existirem leis que tratam
da proteção à criança e ao adolescente no âmbito federal

Para o médico e vereador Luciano Mega (PDT), justificando o seu encaminhamento a favor do veto do prefeito, o projeto trata de um problema de saúde pública: “Para mim, ele é uma questão de saúde pública. [...] A gravidez, nos últimos anos, na adolescência, nós conseguimos reduzir de 18% para 10%, foi um avanço. Porém, a AIDS continua aumentando, e ela aumenta, hoje, em homens que fazem sexo com homens. Isto vai continuar acontecendo. E qual é o melhor lugar para a gente tratar dessas questões? É a escola, onde tem o maior número de jovens”

Luciano Mega destacou o fato de já existirem leis que tratam da proteção à criança e ao adolescente no âmbito federal (ECA, LDB, Base Curricular Nacional Comum, Conselho Nacional de Educação): “Então, eu acho que isso não caberia ser discutido no âmbito municipal”. Para Mega, se mesmo assim, o tema tivesse de passar pelo âmbito municipal, este projeto deveria ser discutido sobre a tutela da Secretaria Municipal da Educação e do Conselho Municipal da Educação com os profissionais envolvidos com a educação escolar.

Para Jorge Parada, o projeto será mais um a ser declarado inconstitucional pelo TJ/SP.

O vereador Jorge Parada chamou a atenção para a inconstitucionalidade do projeto: “Outra coisa que me preocupa é que eu não acredito, senhores vereadores, que nós queiramos ser, novamente, campeões de inconstitucionalidade no Estado de São Paulo [...] Se a Câmara quer renovar, quer se diferenciar, renove, inove em seus métodos, nos seus critérios, na sua responsabilidade, de respeitar a população, de não iludir a população com projetos inconstitucionais”.

Antes de sair aplaudida aos gritos de “Família! Família!”, de seus apoiadores, Glaucia, em determinado momento, lembrou aos presentes que dois projetos seus declarados inconstitucionais pelo prefeito, quando foram ao TJ/SP ganharam constitucionalidade. Por outro lado, como já mostrado em matéria do Calçadão, de 28 de setembro deste ano (clique aqui), já há precedentes de ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) sobre o tema. Recentemente, cidades como Matão-SP e Paranaguá-PR tiveram seus PLs sobre o tema, a pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), suspensos pelo STF. Em junho deste ano, ao julgar o caso de Paranaguá, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, assim se pronunciou sobre a questão:

"Não tratar de gênero e de orientação sexual no âmbito do ensino não suprime o gênero e a orientação sexual da experiência humana, apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a respeito de tais temas, para a perpetuação de estigmas e do sofrimento que deles decorre".

E ainda completou:

"Por óbvio, tratar de tais temas não implica pretender influenciar os alunos, praticar doutrinação sobre o assunto ou introduzir práticas sexuais. Significa ajudá-los a compreender a sexualidade e protegê-los contra a discriminação e a violência", pontua o ministro. "Impedir a alusão aos termos gênero e orientação sexual na escola significa conferir invisibilidade a tais questões. (...) Significa valer-se do aparato estatal para impedir a superação da exclusão social e, portanto, para perpetuar a discriminação".

Para educadores, o projeto apresenta termos genéricos (órgãos genitais, por exemplo) para designar o que é pornográfico (uma pintura de Jean-Baptiste Debret pode vir a ser considerada pornográfica). O projeto punirá o professor que incorrer nesta falta de levar “pornografia” às crianças.

Para educadores, o artigo 2º fere a liberdade de cátedra e a autonomia educacional em estabelecer o projeto pedagógico da escola.

Veja o vídeo:

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