Por: Isabela Silva
O ensino
superior é um instrumento extremamente importante para a manutenção da
sociedade: transformando-a, garantindo oportunidades para milhares de
brasileiros; mas, principalmente, uma ferramenta essencial para a luta de
classes. Até junho de 2019, 90% da produção científica nacional veio das
universidades públicas através dos alunos de graduação e pós, que vão desde a
produção de novos remédios até as inovações tecnológicas que trazem inúmeros
benefícios à sociedade. Entretanto, ainda que as universidades públicas
brasileiras sejam esse motor e também referência internacional, o discurso da
privatização tem cada vez mais força nos últimos anos.
A universidade
pública, gratuita e de qualidade, direito ao qual todos deveriam ter acesso,
vive sob constante ataque. Um dos mais duros golpes sofridos pela educação
recentemente foi a PEC 55/16, que congelou o teto de gastos sociais (como saúde
e educação) por 20 anos. Somado a isso, através de um forte discurso de que a
universidade só tem “balbúrdia” e que os estudantes só fumam maconha e não dão
retorno à sociedade, operou-se em grande medida um novo golpe à universidade
pública gratuita: o projeto “Future-se”, dirigido pelo ministro da educação,
Weintraub, em 2019, que tentava acabar com a autonomia universitária das
universidades federais.
Não é novidade
para ninguém que questionamentos acerca da mensalidade configuram o imaginário
de parcelas mais conservadoras do Brasil. Mas a universidade pública, embora
seja gratuita, conta com um universo de investimentos do setor privado. Somente
a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), conta com uma parceria
de R$ 200 milhões com a Fapesp e a Shell, para pesquisas inovadoras no setor de
gás; a UFRJ, do mesmo modo, abriga um núcleo de pesquisas tecnológicas da
Petrobras; já o Centro de Química Medicinal da Unicamp trabalha com três
empresas farmacêuticas e de biotecnologia e o Centro de Inovação,
Empreendedorismo e Tecnologia USP/Ipen (Cietec) conta com mais de 100 empresas
incubadas e 150 graduadas no currículo.
No mesmo
sentido, é um mito acreditar que as grandes universidades do mundo são
completamente privadas e que seu sucesso advém disso: em países desenvolvidos,
a maior parte do dinheiro que financia a ciência na universidade é público,
inclusive para as universidades que cobram a mensalidade. Nos Estados Unidos,
até 2016, 60% dos investimentos destinados à pesquisa advinham do governo,
segundo a NSF International. Do mesmo modo, na União Europeia esse percentual
chega a 77%. E isso ocorre muitas vezes porque não é de interesse do setor
privado a pesquisa básica, que se destina ao desenvolvimento do conhecimento
científico sobre fenômenos do universo, que não objetiva o lucro e a aplicação
prática a curto prazo.
Ademais, ao se
questionar o quanto o governo federal e estadual despende por ano com o ensino
superior há de se lembrar que, constitucionalmente, o ensino básico e
fundamental devem ser prioridades dos municípios, bem como o ensino fundamental
e médio, devem ser objeto de primazia dos estados; e da federação, o ensino
superior. E tudo isso porque há um grande fardo e uma verdadeira revolução ao
se adentrar no universo das universidades públicas: a pesquisa científica!
Professores e alunos, que, além de lecionarem e estudarem, organizam suas pesquisas,
formando-se novos cientistas na graduação, pós-graduação, com o mestrado,
doutorado e pós-doutorado. Segundo o Geocapes (2017), 81% dos cursos de
pós-graduação concentravam-se na universidade pública e apenas 19%, na rede
privada.
Esse grande
complexo, rico em recursos humanos e com larga infraestrutura física apenas
enriquecem a sociedade: as universidades públicas, federais e estaduais, são
80% das instituições que mais depositam patentes no país. Só a Unicamp possui
603 empresas-filhas em atividade, faturando mais de R$ 4,8 bilhões por ano; 10
dos 16 fundadores de empresas
“unicórnios” do Brasil são formados na USP, sendo que cada uma das empresas
vale mais de US$ 1 bilhão. Além da produção científica e hospitalar, a
universidade pública concentra um grande polo cultural, com diversidade em
museus, orquestras e teatros, além das diversas atividades de extensão (parte
essencial do tripé universitário, juntamente ao ensino e pesquisa). Só a USP tem 4
museus e 15 coleções, que recebem quase meio milhão de visitantes por ano, e
cinco hospitais públicos, entre eles o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina, que em 2018 realizou quase 1,5 milhão de atendimentos e 50 mil
cirurgias. Milhares de cursos gratuitos são oferecidos, além de 5 mil vagas para
pessoas acima de 60 anos estudarem na universidade de forma gratuita.
A cobrança de
mensalidade jamais abarcaria todo o complexo orquestrado na universidade
pública. Uma pesquisa realizada pela USP, que leva em consideração que a renda
familiar bruta de 45% dos calouros é de até cinco salários mínimos, aponta que
a cobrança de mensalidade não chegaria a cobrir 8% de seu orçamento. Ainda que
90 mil alunos de graduação e pós pagassem mil reais por mês, isso representaria
apenas 9 milhões de reais à USP, que, mensalmente, gasta aproximadamente 500
milhões de reais com profissionais, contas de luz, telefone, transporte,
limpeza, equipamentos, bolsas, material bibliográfico, entre outras
despesas. Mais uma vez, observando-se o
MIT, nos EUA, ainda que seus alunos paguem um valor de aproximadamente 100 mil
reais por ano, isso representa apenas 10% de sua receita.
A universidade
pública e gratuita é cara, conta com investimentos privados e gera um imenso
retorno à sociedade ao movimentar a economia, proporcionar cultura, lazer e
oportunidades à população. Ainda sim, há muito para se melhorar,
democratizando-se cada vez mais o acesso à universidade pública, como já
iniciado pelas cotas, realizando-se políticas de permanência consistentes e que
supram a necessidade daqueles que lutam para viver o sonho da transformação,
que é viver e aprender nesse universo.
É preciso que
se compreenda a universidade e que sua autonomia financeira e administrativa
sejam preservadas. A universidade é antro da diversidade e representa o
desenvolvimento e o progresso: quem prega que a universidade deve ser
privatizada, não a conhece. Não vive seus desafios diários e suas lutas, que
muito trazem conquistas à sociedade, como às milhares de vidas que dependem do
SUS, dos cursinhos populares, das aulas de economia doméstica, dos milhares de
cursos gratuitos oferecidos, entre tantos outros benefícios. Defender a
universidade pública, gratuita e de qualidade é defender o futuro e qualquer
coisa fora disso é uma grande mentira, fruto de um espectro obscuro e obsoleto
difundido pelas classes dominantes; a universidade pública e gratuita resiste!
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