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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 Inércia, verborragia, nulidade e extermínio: um governo de traição nacional a pleno vapor


             Uma série de documentos comprovam a negligência do Ministério da Saúde e do Governo Federal na falta de oxigênio que provocou dezenas de mortes em Manaus. A volta da cobrança de impostos para importação de oxigênio; as reuniões de integrantes do Ministério da Saúde com autoridades de Manaus e do Estado do Amazonas, em 03 e 04 de janeiro; a notificação da White Martins no dia 07; as notificações feitas pela Força Nacional do SUS, entre 08 e 13 de janeiro; a reunião do dia 11 que teve participação de Pazuello, bem como a entrevista do prefeito de Manaus no mesmo dia. A despeito de argumentos sobre envio de recursos, é possível verificar pelo Portal da Transparência que o repasse de recursos federais seguiu a legislação ordinária (transferência constitucional, royalties, Bolsa Família, Auxílio Emergencial e BPC). Isto é, mesmo na situação de calamidade, não houve repasses extraordinários, tornando Manaus a segunda capital com menor repasse per capita de recursos federais. Some-se a isso, a cumplicidade advinda da relação de apoio mútuo entre os titulares do governo federal e Wilson Lima, o “governador preferido” do presidente, conforme divulgou o site “O Antagonista”.

Nesse cenário de negligência e abandono, o governo venezuelano anunciou o envio de oxigênio para Manaus. Em contrapartida, em entrevista, Jair Bolsonaro ironizou Nicolás Maduro e a Venezuela, zombou da situação econômica do país vizinho e sugeriu que Maduro adotasse um auxílio emergencial igual ao brasileiro. Quando seria razoável esperar reciprocidade, caso houvesse um mínimo de altivez. Maduro e Bolsonaro não são equivalentes com sinais trocados. Por aqui, apesar da verborragia de ver inimigos em todos os cantos, o governo tropeça apenas na própria incompetência e falta de quadros. O que seria do Brasil se enfrentasse um terço das sanções impostas à Venezuela? Negar a simetria não é o mesmo que defender incondicionalmente Maduro, que enfrenta críticas inclusive de alguns grupos chavistas e do Partido Comunista da Venezuela (PCV). Discutir a política venezuelana é tarefa complexa, que exige profunda pesquisa sobre o país e esse não é o objetivo do texto. Falemos do Brasil.  


O fato é que, apesar da solidariedade dos venezuelanos em enviar o oxigênio, a reação de Jair é a mesma de sempre: perversidade e infantilidade expressas numa verborragia que tenta desviar o olhar de sua inércia e nulidade que resultam em extermínio.

 

Parte I – A negligência, a transferência de culpa e o autodeclarado como projeção e estratégia.

Uma pergunta retórica vem à cabeça: o Governo Jair Bolsonaro não afirma que o presidente da Venezuela é Juan Guaidó? Por que Jair não aconselha Guaidó? Por que Jair não cobra qualquer prestação de contas das realizações do aliado autodeclarado? Mais: por que não auxilia o autodeclarado a reverter ao menos parte das sanções econômicas que torna a situação econômica venezuelana trágica?

No próximo sábado, dia 23 de janeiro, faz um ano que o governo Bolsonaro entende que o governo venezuelano é presidido pelo autodeclarado Juan Guaidó, com direito ao reconhecimento de embaixadora. Daí a pergunta retórica!

No entanto, não é uma contradição: Jair e Guaidó são personagens completamente subserviente a Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos. Ambos, cumprem o papel de testas de ferro do projeto de traição nacional. Para além do caráter estratégico, Jair se identifica com Guaidó porque, ainda que ambos se apresentem como presidentes, nenhum deles governa efetivamente. Apesar de ser presidente de direito, Jair não é muito diferente de um Guaidó com mandato. O presidente de direito não se constitui presidente de fato, pois nada faz além de transferir culpa.

Jair cobra de Maduro o que ocorre na Venezuela, legitimando-o. (Com razão, Maduro é o presidente de fato, ainda que, por estratégia e projeção, o governo brasileiro questione). Por aqui Jair e seus asseclas transferem a responsabilidade de tudo o que ocorre em seu governo e no Brasil para o STF, para o Congresso, para o PT, para esquerda, para a torcida contra, para a imprensa, para todo o mais. Possui mandato, mas ele mesmo admite: "Não posso fazer nada", como não fez no Legislativo em 30 anos de mandatos. Jair e Guaidó identificam culpados, enquanto demonstram para quem quiser ver a incompetência e a inércia, o venezuelano por ser presidente de mentira, o brasileiro por ser uma mentira na presidência.

 

Parte II – A oposição da forma e a convergência no conteúdo: os neoliberais forjam alternativas

Para além da grande imprensa, Rodrigo Maia, a maioria do Congresso e muitos governadores, como João Doria, fazem uma oposição de forma. A forma a que se opõem é a atuação caricatural e a indiferença perversa de Jair. Mas, não só permanecem em silêncio, como apoiam o conteúdo da traição nacional expressa nas ações de Paulo "Posto Ipiranga" Guedes. O banqueiro encontrou meios para liquidar o patrimônio nacional driblando as atribuições do Congresso. São exemplos dessa privatização silenciosa: vender em partes (como a carteira do Banco do Brasil para o BTG Pactual abaixo do custo, refinarias, plataformas, subsidiárias da Petrobrás), inativar empresas estratégicas (como a CEITEC), e o projeto de fechamento de agências e a demissão em massa do BB para favorecer os grandes bancos.

Doria, o herói da ocasião, também se opõe à forma caricatural e ofensiva do presidente, mas, não só fecha os olhos para o “Saldão do Guedes”, como intenta realizar em São Paulo o seu próprio saldão, o qual incluiria o próprio Instituto Butantan, como anunciou em Davos. Não atoa, o governo Doria não existiria sem o “BolsoDoria” e sem o empenho dos bolsonaristas em elegê-lo "temendo o comunismo de Márcio França!" (Poderia ser piada, mas não é!).

É preciso parar de associar Jair a transtornos e doenças psiquiátricas. Ao fazer isso para justificar a incompetência e perversidade de Jair, o resultado é estigmatizar pessoas que realmente precisam de tratamento médico. A incompetência, a infantilidade e a perversidade de Jair é parte-integrante de um projeto de traição nacional. A caricatura, proposital ou não, revolta a maioria e engaja sua base de apoio enquanto o Posto Ipiranga liquida o patrimônio nacional. De vez em quando, o Posto Ipiranga aparece para dizer que a economia vai decolar, inventa que a recuperação "em forma do símbolo de raiz quadrada" é "uma recuperação em V". Mas, no geral, o caricato ganha a mídia, com o apoio do não menos inepto, Pazuello, enquanto o Posto Ipiranga realiza o saldão do patrimônio nacional, sem reação do Congresso. Maia se finge indignado com o caricato e fecha os olhos para o “Saldão do Guedes” tal como Doria.

Há uma crescente insatisfação ao governo Doria. A boa-vontade da grande imprensa deu a ele destaque como antítese ao negacionismo bolsonarista durante a pandemia, oferecendo a Doria local privilegiado para ser a oposição de Direita à Jair. A insatisfação crescente virou revolta entre os Bolsonaristas que, de base de apoio, posam como indignados com aquele que chamam de “O Almofadinha”. Doria seria o traidor. No entanto, Doria, Wilson Witzel, Carlos Moisés e Wilson Lima contaram com a onda bolsonarista para se eleger. Todos eles, são expressões de uma propaganda de renovação personalista para tocar o mesmo projeto neoliberal de sempre - ainda que Doria e Witzel sejam tratados oportunisticamente como estranhos no reino de Jair. 

             

Doria se viabilizou pelo BolsoDoria. Ponto. A revolta dos servidores públicos estaduais (ativos, inativos, aposentados e pensionistas) com o “confisco salarial” provocado pelo aumento das alíquotas dos descontos previdenciários não pode ser tratado fora do contexto. O apoio de grupos pró-Jair às manifestações desses servidores não é mais do que cinismo. Tal confisco é resultado da REFORMA DA PREVIDÊNCIA (EC 103), apresentada pela equipe do Posto Ipiranga e publicamente apoiada por Jair e seus asseclas.

Como refratário da forma caricata e encantado pelo conteúdo entreguista, Doria apresentou projeto de Lei para adequar os servidores estaduais à Reforma da Previdência. Em pouco tempo, veremos o mesmo em várias prefeituras Brasil afora. Vários servidores municipais passarão por tais "confiscos". O erro era aceitar como normal que isso afetasse os trabalhadores celetistas (da CLT) e engolir acriticamente o discurso do privilégio dos servidores federais.

Em tempo, no último dia 14, por meio da Portaria SEPRT/ME n.° 636, o governo Bolsonaro reajustou em 5,45% a alíquota de desconto previdenciário dos servidores federais. Esse é o reajuste anual da alíquota que passou a ser progressiva com a Reforma da Previdência. Isso mesmo: a alíquota foi e será reajustada pelo INPC (inflação), mesmo não havendo atualização da remuneração desde 2015 – nem mesmo pela inflação. Para arrecadar mais, face ao congelamento dos salários dos servidores federais, a alíquota foi majorada. Se preparem, servidores estaduais e municipais o precedente está aberto! A reforma aprovada foi iniciativa do governo federal e pode ser regulamentada em cada estado e município. Doria executou o confisco autorizado pela EC103, a Reforma da Previdência. Ele não inovou em nada.

            O herói do momento nada mais é que um habilidoso marqueteiro, que consegue se apresentar como alternativa, mesmo sendo alinhado à mesmíssima política neoliberal, hoje representada pelo “Posto Ipiranga”. Que nos diga os sucessivos ataques à USP, UNICAMP, UNESP, FAPESP e aos servidores. A diferença é na forma. O conteúdo é o mesmo.

 

Jefferson Nascimento

Doutorando em Ciência Política – UFSCar

Membro do NEPPLA – Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos


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