O camaronês ACHILLE MBEMBE (1957-) tornou-se merecidamente conhecido por
conta de seu ensaio lançado em 2011, que leva o título de seu principal
conceito: necropolítica.
O ponto de partida do intelectual africano é a noção de biopoder, de
Michel Foucault (1926-1984). Foucault assevera que a sociedade disciplinar
(aquela que diz o que é ou não é normal) exerce poder sobre os corpos dos
indivíduos e sobre as populações de modo geral. O biopoder atua extraindo do
corpo humano sua força produtiva e regulando as massas para gerir taxas de
natalidade e fluxos migratórios, por exemplo.
Mbembe vai além de Foucault com a noção de necropolítica. Em uma frase,
a necropolítica é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. A vida e
a morte passam a ser do âmbito da gestão do poder. Até hoje, mesmo depois dos
horrores do holocausto e do fascismo, alguns discursos de Estado chancelam
regimes autoritários e extermínios populacionais, mesmo que indiretamente.
Além da morte executada pela violência do Estado, é preciso pensar no
direito de expor pessoas à morte, que colocam alguns indivíduos na condição
mortos-vivos, em um estado constante de tensão entre vida e morte. Pensemos,
como exemplo, na morte por afogamento de milhares de africanos tentando uma
vida melhor na Europa ou nos mexicanos mortos ao tentarem entrar nos EUA.
É preciso pensar também em como a necropolítica está entranhada no
dia-a-dia das ditas democracias. Olhando para o Brasil, reflitamos: quais os
corpos mais expostos à morte, seja pelo tráfico, seja pela polícia, seja pela
fome? Ou seja, quais corpos são mais “matáveis”? A resposta, infelizmente, é
óbvia: os corpos negros, indígenas e pobres. Há vidas que, mesmo nas
democracias, são menos valiosas que outras. Sendo mais enfático: há vidas que o
sistema considera descartáveis.
Por fim, suponhamos que estivéssemos numa pandemia que compromete o
aparelho respiratório e não há respiradores para todos. Quem teria prioridade?
*Matheus Arcaro é mestre em Filosofia
Contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em
Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico,
palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá,
2016), dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e
Amortalha (Ed. Patuá, 2017) e do livro de poesia Um clitóris encostado na
eternidade (Ed. Patuá, 2019). Também colabora com artigos para vários portais e
revistas.
site: www.matheusarcaro.art.br
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