Entre 1982 e 1999 os Trólebus eram operados pela Transerp |
Um debate sobre a mobilidade urbana de Ribeirão Preto
As Prefeituras, e Ribeirão Preto não é exceção, perderam a sua capacidade de investimento, e até de tocar a máquina pública com um padrão minimamente aceitável, a partir do final dos anos 1980 com a adoção da "austeridade" neoliberal, que desloca o orçamento público da economia real para o pagamento das dívidas no sistema financeiro.
A arrecadação pública ficou concentrada na União em detrimento dos estados e, principalmente, dos municípios, como Ribeirão, um centro urbano onde moram mais de 700 mil pessoas e por onde transitam mais umas 200 mil todos os dias.
A Prefeitura não investe, pouco planeja e pouco executa. E quando o faz é em benefício de regiões onde já se concentra a renda da cidade, abandonando as periferias.
É nesse contexto que o poder público vai perdendo a sua necessária capacidade estratégia, abrindo mão para os agentes de mercado operarem serviços públicos visando o lucro.
Um desses exemplos é a Transerp. A empresa tinha uma importância estratégica nos anos 80 e 90 operando e gerenciando as linhas do Trólebus. O serviço de Trólebus, silencioso e ambientalmente correto, operava as principais e mais lucrativas linhas de transporte da cidade. Implantado em 1982 e ampliado em 1992, o sistema foi extinto em 1999.
Sob o argumento de que o sistema estava "ultrapassado", entregou-se as linhas para as permissionárias, ou seja, para as empresas que operam todo o sistema a partir de um contrato de concessão.
Todo um sistema de transporte público, que envolvia os terminais Carlos Gomes e Antônio Achê, foi desmontado e, desde então, a impressão da população é a de que as empresas de ônibus mandam e desmandam na cidade, entregando para o cidadão um dos piores e mais caros transportes coletivos do Brasil.
A pergunta que fica é: para que serve a Transerp desde então?
No último debate em torno do auxílio emergencial de até 17 milhões de reais que a Prefeitura propôs como ajuda para a Pró Urbano, vereadores de oposição denunciaram que a Transerp não tem mais nenhuma voz ativa no gerenciamento do sistema.
Ribeirão, a cidade do automóvel e ônibus circular a diesel
Desde que a Prefeitura (após batalha judicial), nos anos 1960, substituiu a estação ferroviária pela rodoviária como porta de entrada para a cidade, Ribeirão Preto se desenvolveu com e para o automóvel.
No transporte coletivo, o padrão diesel operou contra os trólebus em Ribeirão e no Brasil. O sistema foi sendo desmontado entre a metade dos anos 1990 e a metade dos anos 2000 nas cidades brasileiras onde operava.
A característica excludente de Ribeirão se reflete no trânsito entupido de automóveis com um único ocupante: o motorista. Enquanto isso, há décadas, é oferecido aos trabalhadores, aqueles obrigados a se deslocarem pelo transporte público, um péssimo sistema de ônibus circulares que, sacolejando, levam mais tempo para irem do Ipiranga ao Jardim Paulista do que ir de avião para São Paulo.
Em Ribeirão Preto, somente 21% da população usa o transporte coletivo. Quem pode usa carro, moto ou sistema privado por aplicativo. E o sistema não comportaria um aumento de 10% na demanda se, por algum milagre, alguns milhares de solitários motoristas decidissem, por exemplo, num dia qualquer, deixar o seu carro na garagem e encarar o ônibus.
Ao contrário de outras cidades do exterior, transporte coletivo em Ribeirão não é opção, é castigo.
Imaginem, então, o sofrimento dos passageiros nos mais de 2 mil pontos sem cobertura e iluminação?
E o padrão ribeirão-pretano é a regra no Brasil.
O que fazer para melhorar a mobilidade urbana de Ribeirão?
A recente discussão em torno dos 17 milhões levantou a questão do que fazer: manter esse sistema ou encontrar outro caminho?
As próprias obras de mobilidade, aprovadas em 2013 e iniciadas em 2016, que hoje se encontram paradas por conta de um pedido de adequação contratual, parecem ser apenas cosméticas e feitas para gerar algum espaço a mais na disputa entre os carros e os ônibus a diesel.
No Brasil e no mundo os melhores sistemas de mobilidade são aqueles que mesclam diferentes modais (metrô, VLT, BRT, ônibus, microônibus, ciclovias, vias de pedestres), algum tipo de subsídio público que garanta tarifas baixas e algum tipo de legislação que desincentive o uso do transporte individual, como o automóvel.
Isso é possível em Ribeirão Preto ou estamos fadados a sermos pertences a uma cidade dominada pelo automóvel e ônibus circulares a diesel operados por empresas privadas?
No Brasil e no mundo
No Brasil, temos a Política Nacional de Mobilidade Urbana, desde 2012, gerida pelo Ministério das Cidades com financiamento de projetos de transporte público coletivo (TPC) visando adequar a relação entre o transporte coletivo e o individual motorizado, aumentado o primeiro e reduzindo o segundo.
Nesse sentido, algumas cidades brasileiras têm buscado esses projetos, como Ribeirão, além de outras alternativas, como o subsídio de tarifas ou mesmo a tarifa zero. São exemplos: Holambra, Paulínia, Muzambinho, Agudos etc.
Estatizar é o caminho?
O debate em torno da estatização do transporte coletivo nos municípios é uma pauta dos movimentos sociais de esquerda e anti-neoliberais, tendo como argumento a necessidade de um transporte barato ou com tarifa zero capaz de criar um verdadeiro acesso à cidade para a população, acabar com a relação potencialmente corrupta entre público e privado na operação do sistema e transformar a mobilidade urbana em um instrumento de democratização e sustentabilidade.
Esse modelo é combatido pelos defensores do "livre mercado" sob o argumento de que a estatização cria burocratização e prejuízos aos cofres públicos.
Já a realidade tem mostrado que os melhores sistemas de mobilidade são aqueles geridos ou controlados com forte participação pública e com investimento público. Tóquio, Nova Iorque, Paris, Londres, Moscou, Xangai, Seul, Estocolmo, Berlim, Oslo são alguns exemplos. Ali há tanto empresas públicas quanto privadas operando dentro de um sistema onde o poder público faz valer o seu peso para garantir o interesse público na mobilidade urbana. Os anti-exemplos são São Paulo, Mumbai, Cidade do México com tarifas caras e serviços ruins.
Em 2013, ano das manifestações, que se iniciaram com as passeatas do Movimiento Passe Livre, São Paulo chegou a iniciar um debate sobre a estatização do transporte coletivo na cidade. Discussão que terminou naquele ano sem avanço.
No mundo, não só o transporte coletivo mas diversos outros serviços estão sofrendo um processo de re-estatização após a onda privatista neoliberal que predomina há 40 anos. Saneamento básico, coleta de lixo, energia são outros setores re-estatizados mundo afora. Os motivos foram as tarifas caras, falta de investimento e serviço ruim.
A Alemanha reestatizou 348 serviços entre 2000 e 2017. A França, 152 serviços. Os EUA, 67. Reino Unido, 65. A Alemanha focou na reestatização dos serviços de energia, através de referência populares. Paris, na França, reestatizou o serviço de água e esgoto em 2008. Londres rompeu a concessão do metrô em 2010.
Dados Transporte Institute.
E Ribeirão Preto?
É possível e necessário debater e transformar a política de mobilidade urbana da nossa cidade. Até quando ficaremos reféns dos ônibus circulares a diesel operados por empresas privadas com tarifas caras e serviço ruim?
Criar um sistema multimodal é possível. Integrar os ônibus com sistemas de microônibus (no centro e bairro a bairro), com BRTs nas principais corredores (ao longo dos córregos, como prevê o projeto Fundo de Vales do urbanista Mauro Freitas), ciclovias. E, principalmente, criar um ambiente de diminuição do uso do transporte individual motorizado.
Para isso é fundamental um amplo debate de cidade, coisa que não acontece nem nos períodos eleitorais. Envolver, principalmente, o povo trabalhador nessa discussão.
Claro que para isso precisamos reconstruir o ambiente democrático brasileiro, desfigurado após 2016 e ferido gravemente após 2018. Precisamos resgatar um projeto de país onde Ribeirão estará inserida.
Ricardo Jimenez - Blog O Calçadão
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