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quarta-feira, 20 de outubro de 2021

"Se alguém sofreu machismo, procure este Presidente" - disse Maraca em sessão da Câmara

 

Presidente Alessandro Maraca MDB na sessão desta terça 19/10

A sessão desta terça-feira na Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto teve pouco mais de 48 minutos, 26 deles destinados às falas de 6 vereadores homens e uma mulher. Um dos temas das falas, que você pode acompanhar no vídeo completo da sessão (link abaixo), foi a fala do deputado estadual Frederico D'Ávila PSL contra o Papa e o Arcebispo de Aparecida, tida pelos vereadores como "repulsiva" (e de fato foi). Mas o tema deu brecha para que os vereadores aproveitassem e fizessem fila para bater na vereadora Duda Hidalgo PT por conta de sua fala em ato contra o machismo ocorrido no último sábado em Ribeirão Preto.

Segundo alguns vereadores, as falas são equivalentes. Disseminam ódio. 

Mas, será que são mesmo? 

Vamos ver.

No último dia 14 de outubro, da Tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Frederico D'Ávila PSL, se referindo à fala do Arcebispo de Aparecida no último feriado de 12 de outubro, disse: "Falar pro Arcebispo Dom Orlando Brands, seu vagabundo, safado, safado da CNBB. Dando recadinho pro Presidente pra (sic) população brasileira. Que pátria amada não é pátria armada. Pátria armada é a pátria que não se submete a essa gentalha. Seu safado. E a sua CNBB, propaladora da Teologia da Libertação. Você se esconde atrás da sua batina pra fazer proselitismo político, pra converter as pessoas de bem à sua ideologia. A última coisa que vocês tomam conta é da alma e da espiritualidade das pessoas. Seu vagabundo. Safado. Que se submete a esse Papa vagabundo também. (...) seus pedófilos, safados. A CNBB é um câncer. (...) canalhas".

VEJA o Vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=dGWU6QU23c4

E no último dia 16 de outubro, em um ato feminista contra o veto de Bolsonaro no projeto da deputada federal Marilia Arraes PT, sobre distribuição de absorventes, ocorrido em Ribeirão Preto, a vereadora Duda Hidalgo PT disse isso: "Eu propus um projeto aqui na cidade de Ribeirão Preto que se chama "absorvendo o tabu". Infelizmente ele ainda não foi votado porque também não é uma prioridade para a Câmara. O meu projeto ele (sic) visa distribuir gratuitamente absorventes nas unidades de saúde daqui de Ribeirão Preto. Algo que não existe hoje porque as mulheres também não são respeitadas dentro do nosso município. Mas eu também vou continuar sendo resistência lá dentro daquela Casa, que é uma Casa branca, machista e que nunca nos deu espaço. Mas a gente vai continuar conquistando esses espaços e se isso incomoda as pessoas que estão lá, se isso incomoda a Prefeitura, então eles que se mudem porque a gente vai continuar".

VEJA o vídeo aqui: https://www.facebook.com/100002350055055/videos/210996124454271/

Antes de prosseguir com a história e chegar na sessão de hoje, peço que compare as falas. É verdade mesmo que ambas destilam ódio? São falas equivalentes?

Pois bem. No final de semana mesmo já se armou a polêmica. Um jornal tradicional da cidade estampou a foto da vereadora com a manchete "Vereadora chama Câmara de 'machista' e legislativo rebate". Na matéria, uma fala de Alessandro Maraca MDB, Presidente da Câmara: "mente e age com desonestidade intelectual". 

Bom, estava tudo pronto para a repercussão na primeira sessão da semana, e não deu outra.

Só mais um pouco antes de chegar na sessão de hoje. Prometo.

Por que Maraca afirma que a vereadora "mente"? Porque a Câmara aprovou dois projetos com temas semelhantes, inclusive com o voto favorável de Duda. Por isso, Maraca afirma que dizer que a Câmara não tem interesse na matéria é mentira, na opinião dele. E tanto Maraca quanto seus apoiadores ainda dizem que se a vereadora quisesse poderia ter pedido urgência na matéria ao invés de ir reclamar em "palanque", em expressão usada algumas vezes por Maraca.

A argumentação do Presidente da Câmara é até possível de reflexão por parte da vereadora, claro, mas vamos de novo dar atenção à fala literal de Duda no ato: "Infelizmente ele ainda não foi votado porque também não é uma prioridade para a Câmara". Bem, o que Maraca chama de "mentira" pode-se muito bem tomar por opinião da vereadora diante do que ela sente e vive na "Casa". Bastava uma conversa e pronto, se acertavam os ponteiros. Na "Casa" já teve coisas muito piores  Mas, não, a coisa vai bem mais além.

A coisa chega na sessão de hoje e o que se percebe é que o que de fato doeu fundo em alguns vereadores foi essa parte: " (...) mas eu também vou continuar sendo resistência lá dentro daquela Casa, que é uma Casa branca, machista e que nunca nos deu espaço. Mas a gente vai continuar conquistando esses espaços e se isso incomoda as pessoas que estão lá, se isso incomoda a Prefeitura, então eles que se mudem porque a gente vai continuar".

Vamos à sessão!

Aos  4 minutos e 30 segundos do vídeo (link completo abaixo), o vereador Lincoln Fernandes PDT dá o tom do que seriam os próximos 22 minutos: "Os discursos de ódio estão em todos os setores da sociedade e da política (se referindo à fala do deputado do PSL contra o Arcebispo, mas preparando o que vem a seguir). (...) o mundo está além das redes sociais. Eu tive que me defender de muitas acusações de que pertenço à uma instituição machista, elitista, casa branca etc. (...) propagar discursos de ódio (...) (dizendo se referir a um texto de terceiro) sobrevive de narrativas fraudulentas e das mais variadas espécies tenta fazer acreditar ao seu público que defende a democracia, a liberdade, a tolerância, os mais fracos, as minorias e a diversidade. Tudo o que mais despreza. Na verdade não está nem um pouco preocupada com esses temas secundários. Apenas usa e abusa deles manipulando-os em favor de seu discurso para a obtenção e manutenção do poder".

Veja que Lincoln traz a discussão da fala do deputado contra o Arcebispo e o Papa para a fala da Duda, sem em nenhum momento nominá-la, classificando ambas falas como discurso de ódio e, no caso da vereadora, acrescentando, sem nomeá-la novamente, uma pecha de falsidade entre o que defende e o que de fato é. E se referindo ao fato de que Duda é um sucesso nas redes sociais.

Tem mais. Ao final da fala de Lincoln, e antes de passar a palavra a Jean Coraucci PSB, Maraca diz: "Bem colocado, vereador Lincoln". A linha estava dada e , claro, percebe-se que o "casa machista" havia machucado. Teve mais (assista ao vídeo abaixo completo e tire suas próprias conclusões).

Aos 9 minutos e 48 segundos do vídeo, Jean Coraucci PSB toma a palavra. "Qualquer ataque à uma instituição é um ataque à todas as pessoas que passaram pela instituição. Não se pode atacar a instituição. Ataque as pessoas, mas não a instituição". O nobre vereador tentou dar um puxão de orelha na vereadora, e foi até educado na sua fala, tentando também relacionar as falas do deputado e de Duda. Mas se o nobre vereador prestar atenção nas falas, verá que o deputado atacou o Arcebispo e o Papa pessoalmente e a instituição CNBB, todos violentamente. Longe, muito longe, daquilo que a vereadora fez na sua fala, vamos combinar Jean.

Chega a vez de Maurício Gasparini PSDB aos 12 minutos e 15 segundos do vídeo. Gasparini inicia sua fala se referindo à "covardia dos filhos do ódio". De novo relacionando a fala do deputado com a fala da vereadora, sem citá-la. Gasparini diz que, por ser covarde, o deputado estadual, após receber certamente uma reprimenda na ALESP, pediu desculpas. 

Nesse momento a vereadora Duda Hidalgo PT tenta um "pela ordem" para tentar dizer aos seus pares que aquele não era o momento para aquelas falas, que usassem o pinga-fogo ao final da sessão se quisessem tratar do assunto. 

Maraca afirma que manterá a palavra dos vereadores e passa a palavra para Brando Veiga Progressistas. "Essa Casa foi atacada e não se pediu desculpas", disse Veiga se referindo à fala de Gasparini e fazendo alusão a vereadora Duda. 

Neste momento, Ramon Faustino PSOL tenta intervir no sentido de pedir aos vereadores que pudessem se ater ao tema discutido. Ramon busca frear a sequência de falas atacando a vereadora. Sem sucesso. 

Maraca toma a palavra aos 18 minutos e 44 segundos. "Se alguma de vocês (se referindo às servidoras da Casa) foi tratada com machismo ou discriminada, procure este Presidente. (...) Até hoje eu nunca fui procurado por ninguém. (...) desonestidade intelectual (...) não posso aceitar que isso aconteça. (...) se alguém sofreu algum tipo de machismo, se alguém sofreu algum tipo de ataque que aponte de quem foi e quando aconteceu (...)"

Fica claríssimo nesse momento que a expressão "Casa machista" usada por Duda Hidalgo atingiu o Presidente e se espalhou pela Casa, principalmente entre os homens, no caso explícito dos 6 que se pronunciaram na sessão.

Eu não posso falar sobre esse assunto pois não tenho o lugar de fala nem conhecimento específico, mas me parece que esta questão de denunciar assédio ou atos de machismo e discriminação é algo bastante delicado e deve ser tratado em espaços específicos e com profissionais preparados, e não procurar um Presidente homem para fazer a tal denúncia. A Câmara tem um espaço ou uma comissão especializada nisso? Se tiver, é ali que as servidoras devem recorrer, não ao Presidente, me parece.

Voltando à sessão, chega a vez da vereadora Gláucia Berenice DEM, aos 23 minutos e 30 segundos, a única mulher a ter palavra até o momento. Gláucia, com tato político, se atem apenas à fala do deputado estadual, em repúdio. Não faz referência alguma à fala da vereadora Duda. 

E, então, um vereador pede a palavra, o vídeo não mostra a imagem, mas parece ser Igor Oliveira, que termina a sequência de falas com esta pérola: "Continue com essa humildade, Gláucia. Parabéns".

VEJA aqui a sessão completa desta terça: https://www.youtube.com/watch?v=NwILsX0xff8

Ao final da ordem do dia a Vereadora Judeti Zilli PT do Coletivo Popular, vai à tribuna para o pinga-fogo. Pela primeira vez uma mulher feminista iria falar na sessão onde tudo isso acima aconteceu. Disse judeti Zilli: "Boa noite caros vereadores e vereadoras e a todos e todas que estão aqui na plenária e nos assistindo em casa. Eu gostaria de pedir um pouquinho mais da paciência, uns minutinhos (se referindo aos vereadores que se levantavam e saíam antes da fala da vereadora na tribuna), porque hoje eu fiz um movimento de ouvir todos os meus colegas no início da sessão e preferi me pronunciar agora. Ontem nós instalamos e fizemos um lançamento nessa Casa da Frente Parlamentar de Mulheres em Defesa dos Direitos das Mulheres. (...) com mulheres que atuam nos movimentos de mulheres (...) e que defendem durante décadas arduamente a defesa dos direitos humanos das mulheres. (...) esta Casa aprovou esse projeto (...) e nós fizemos um grande movimento em torno disso por achar necessário o diálogo com a sociedade, principalmente com todas as instituições. E aí é que eu quero tocar nesse tema bastante espinhoso. Não é novidade pra ninguém que a gente vive vendo isso mas redes sociais, nos espaços legislativos e na sociedade como um todo, atos de discriminação, de preconceito, de machismo. E eu falo isso com muita tranquilidade. (...) o papel de quem defende os direitos humanos é desconstruir o machismo. (...) estamos num processo histórico, educativo e cultural e somos afetados por ele. Quem nunca ocorreu num ato machista? O movimento de mulheres atua no sentido de combate e dirimir isso em toda a sociedade"

Veja que, com muito tato, a Vereadora Judeti Zilli disse aos homens da "Casa" que o chamado machismo estrutural existe em todos os lugares, incluindo a "Casa". Infelizmente, Judeti disse isso a um plenário quase vazio.

PS: o Coletivo Popular Judeti Zilli PT informou ao Blog que havia cerca de onze vereadores no momento da fala da vereadora no pinga-fogo e que a vereadora foi aplaudida ao final da fala 

E não foi isso que a vereadora Duda disse ao microfone no ato? Uma casa Branca (cujos negros não acessam), machista (basta ver o quadro de presidentes na rampa de acesso. Procure uma mulher lá). Na sua verve de política e ativista, Duda subiu o tom, mas se nota que ela se referia ao machismo estrutural. E nesse ponto, a "Casa" é machista como qualquer outro lugar.

Chego ao final dessa reconstrução da sessão de hoje com a seguinte sensação: a expressão "Casa machista" doeu no Maraca e em outros vereadores homens, é fato, mas doeu mais por ter sido dita pela vereadora Duda Hidalgo. Sim, fica a sensação de que a pessoa que disse e apontou o dedo para a "Casa machista" potencializou a reação acima do tom.

Me pergunto o por que? Por que Duda talvez não seja "humilde"? Por que Duda é uma mulher jovem que ao ser eleita vereadora com grande votação já olha para voos maiores, como a ALESP? Por que?

Nesse domingo uma fonte me disse no facebook que rola a história que a Duda não cumprimenta as servidoras da Câmara, até deu a dica para que o Blog O Calçadão fizesse uma matéria sobre isso, as fofocas que rolam sobre a Duda 

E essa reação acima do tom, com matéria polemizando em um jornal conservador da cidade, com essas pequenas fofocas colocadas aqui e ali, me acendeu um sinal de alerta: talvez por que o ano que vem é 2022? 

Talvez.

Ricardo Jimenez - Editor do Blog O Calaçdão

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