O aumento nos casos de dengue está atrelado às mudanças climáticas. Imagem gerada por IA/Filipe Augusto Peres |
No dia mundial da agricultura é necessário pensar em uma divisão social da terra justa e em um modelo de produção de alimentos que não destrua o meio-ambiente e nem gere fome
Por Filipe Augusto Peres
O país está vivendo uma epidemia de dengue. Chegando a quase 2 milhões de casos e mais de 1000 mortes só no início deste ano. Estados, que, teoricamente, deveriam ser mais frios, como os estados da região sul, têm visto os casos explodirem exponencialmente devido às mudanças climáticas e passam de forma endêmica pelo problema de saúde pública. Só o Rio Grande do Sul já teve mais de 26 mil casos confirmados, 68% do total de casos do ano de 2023.
O mesmo tem ocorrido em países europeus que antes não se pensava ser possível passar por tal problema, uma vez que dengue e chikungunya são epidemias características de países tropicais e subtropicais da América, Ásia e África. Neste cenário, além da culpabilização do El Niño, a explicação está cada vez mais clara: mudanças climáticas.
Para enfrentar o problema, frequentemente a mídia comercial aborda a necessidade de se promover uma educação ambiental, da necessidade de se promover o engajamento da sociedade civil em incentivar, mediante o consumo, a promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis; todas ações para minimizar os danos causados pela ação humana sobre o meio-ambiente. Em um aspecto mais “estrutural”, anunciam a fraude da regulamentação do crédito de carbono como a salvação da lavoura.
Entretanto, ninguém discute o modo de produção de alimentos capitalista e tampouco a concentração de terra, os latifúndios como um dos principais causadores de epidemias, pandemias e crises climáticas. E fica a questão: neste dia mundial da agricultura, no exato momento em que transita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 364/2019, que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os biomas brasileiros, qual a relação do modo de produção da agricultura capitalista, do agronegócio, com a epidemia de dengue no Brasil, no mundo?
O agronegócio desempenha um papel na economia brasileira mediante a produção de commodities em larga escala, concentrando renda e terra nas mãos de poucos; são grandes monoculturas sem diversidade de plantas, sem árvores, sem alimentos saudáveis, sem alimentos, sem gente; são grandes áreas devastadas, diversos biomas extintos.
Ataque à soberania alimentar e aos bens comuns
Além de não produzir alimentos saudáveis, ser incapaz de abastecer o mercado interno, gerar soberania alimentar, produzindo apenas fome e miséria na classe trabalhadora, caracterizado pelo uso intensivo de agrotóxicos e monoculturas extensivas, o agronegócio cria condições favoráveis para o aumento da população de mosquitos transmissores da dengue, como o Aedes Aegypti. Afinal o uso indiscriminado de agrotóxicos, além de contaminar pessoas diretamente, contamina a água, os solos, o que afeta de forma negativa os ecossistemas locais, impactando o meio ambiente, a saúde humana e, logo, a biodiversidade local. As monoculturas extensivas, por também resultarem na remoção de grandes áreas naturais, favorecem a proliferação de vetores de doenças como o mosquito Aedes Aegypti.
Reforma agrária para produzir alimentos saudáveis e recuperar o meio-ambiente
Por outro lado, a reforma agrária popular e a promoção da produção agroflorestal são soluções estruturais tanto para a produção de alimentos saudáveis, a promoção de saúde preventiva, quanto para a contenção de epidemias como a dengue e de outras doenças transmitidas por vetores mediante o cuidado dos bens comuns como a água, os minérios, a terra e a biodiversidade.
A reforma agrária popular, não capitalista, pode desempenhar um papel fundamental na promoção de sistemas agrícolas mais sustentáveis, pois ao distribuir terras de forma mais equitativa, promover uma agricultura familiar livre de agrotóxicos e incentivar o modo de produção agroflorestal, ela pode reduzir a pressão sobre os recursos naturais e contribuir para a conservação da biodiversidade.
Este modelo favorece a coexistência harmoniosa entre o sistema agrícola e os ecossistemas locais, combinando a produção de alimentos, o desenvolvimento da soberania alimentar, com a conservação, regeneração e desenvolvimento de ecossistemas florestais, uma vez que ao integrar árvores, culturas agrícolas em um mesmo sistema, promove a recuperação de solos degradados, aumenta a biodiversidade, além de proporcionar uma fonte sustentável de alimentos e renda para os agricultores.
Outro ponto a se destacar é que a presença de áreas agroflorestais contribui para a regulação do clima local, reduzindo a temperatura e a umidade, o que acaba por criar um ambiente menos propício para a proliferação de vetores como mosquitos transmissores de doenças.
Já passou da hora do país ter uma política de Estado que promova políticas públicas de incentivo à uma reforma agrária popular, não capitalista. Uma vez conquistada a terra, faz-se necessário a adoção de políticas públicas que propiciem práticas agrícolas mais sustentáveis. Isso inclui o apoio à agricultura familiar e à produção agroflorestal, o investimento em pesquisa e desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis e a implementação de políticas de controle e proibição de agrotóxicos mais rigorosas.
Campanha Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis
Lançada em 2020, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, anunciou a Campanha Nacional Plantar Árvores Produzir Alimentos Saudáveis. O objetivo é plantar 100 milhões de árvores em dez anos nas escolas do campo, cooperativas, centros de formação técnica, praças, avenidas e nas cidades, fortalecendo a produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST e denunciando o modelo destrutivo do agronegócio, seus impactos ao meio ambiente e à sociedade.
Espaço de articulação, formação, organização política e de amplo debate, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra reafirma o seu compromisso com a reforma agrária popular e a defesa de seus territórios, a agricultura familiar; reafirma o seu compromisso com a soberania alimentar, com uma mudança radical no modelo de produção de alimentos, dando acesso a alimentos saudáveis, principalmente às populações mais vulneráveis; reafirma o seu compromisso com a agroecologia, baseada na sociobiodiversidade, na economia solidária e no respeito ao conhecimento tradicional e as culturas locais/regionais; e reafirma, também, o compromisso referente ao cuidos dos Bens Comuns como a água, os minérios, a terra e a biodiversidade, bens naturais finitos e, por isso, comuns a todos os seres humanos.
É óbvio que é necessário promover a educação ambiental e o engajamento da sociedade civil na promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis, pensando na minimização dos danos aos ecossistemas locais, mas se o modo de produção agrícola capitalista não for atacado, se o problema da concentração de terra nas mãos de grandes empresas, de latifundiários não forem atacados em sua estrutura, não resolveremos os problemas da fome e das epidemias.
Excelente reflexão, Filipe.
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