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Mário Agra / Câmara dos Deputados |
A crescente desertificação no
Brasil em meio a um alerta global da ONU sobre a seca em escala planetária foi
discutida em uma audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados
na última terça-feira (11).
Em 2023, eventos extremos de seca
afetaram uma em cada quatro pessoas no mundo, um aumento de 29% desde 2000,
segundo Ibrahim Thiaw, secretário executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).
De acordo com Thiaw, a cada
segundo, o mundo perde o equivalente a quatro campos de futebol de terra
saudável devido à destruição da vegetação nativa e ao mau gerenciamento da
terra, totalizando 100 milhões de hectares anualmente.
Para o secretário da UNCCD, se as
tendências atuais continuarem, será necessário restaurar 1,5 bilhão de hectares
até 2030 para alcançar a neutralidade na degradação da terra.
"Se as tendências atuais continuarem",
completou Thiaw, "vamos precisar restaurar 1,5 bilhão de hectares de terra
até 2030 para atingir a meta de neutralidade na degradação da terra. As secas
(no mundo) estão ocorrendo com mais rapidez e representam uma emergência sem
precedentes em escala planetária”
A emergência causada pelas
mudanças climáticas será um dos principais temas da COP-16 de Desertificação,
em dezembro na Arábia Saudita. As discussões focarão em novas metas de
neutralidade na degradação da terra, resiliência à seca e fortalecimento dos sistemas
agroalimentares.
Qual o papel do Brasil no debate
global?
Durante a audiência, Ibrahim Thiaw
destacou o papel do Brasil como líder global no comércio de commodities
agrícolas e produção de energia hidrelétrica, além de suas áreas florestais que
regulam o sistema de chuvas.
Alexandre Pires, diretor de Combate
à Dessertificação do Ministério do Meio Ambiente, relatou
a seca histórica na Amazônia e a expansão de áreas semiáridas para clima de
deserto como eventos causados pelas mudanças climáticas.
38 milhões de pessoas afetadas
Alexandre trouxe dados para
mostrar os efeito dessas mudanças. Áreas no norte da Bahia e sul de Pernambuco,
abrangendo aproximadamente 6 mil km², agora possuem clima árido, e o clima
semiárido se expandiu em 370 mil km², afetando aproximadamente 38 milhões de
pessoas, incluindo agricultores familiares, povos indígenas e comunidades
quilombolas.
“Na região norte do estado da Bahia e no sul de
Pernambuco, oito municípios, em um polígono de aproximadamente 6 mil km2,
aparecem como clima árido. O Cemaden também apresentou para nós uma ampliação
do clima semiárido sobre o clima subúmido seco na ordem de 370 mil Km2”
O agronegócio e a mineração são os
principais vilões das mudanças climáticas no Brasil
Pires também alertou sobre o
surgimento de clima subúmido seco no norte do Rio de Janeiro e no Pantanal,
atribuindo isso à expansão agropecuária e mineração sem manejo adequado, que
resultam em desmatamentos e degradação do solo. O diretor falou que
governo federal está atualizando o Programa Nacional de Combate à Desertificação
de 2005, desenvolvendo projetos em parceria com o Fundo Global para o Meio
Ambiente.
Gustavo Goretti, Coordenador
Geral de Irrigação e Conservação de solo e Água, do Ministério da Agricultura, mencionou que as ações contra a degradação de solos
áridos estão sendo revisadas no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Ele
destacou a necessidade de disponibilizar tecnologias para produtores rurais
através de assistência técnica.
Rafael Neves, da Articulação do
Semiárido Brasileiro (ASA), defendeu a valorização dos conhecimentos
tradicionais dos povos da Caatinga para combater a desertificação, destacando o
potencial da Caatinga em reter carbono e alimentar a população local.
“É esse conjunto de práticas com a Caatinga em pé
sustentada pelo povo do território que dá a capacidade de a gente virar esse
jogo. A Caatinga talvez tenha um dos maiores potenciais de reter carbono no
Brasil e a capacidade, inclusive, de alimentar o seu povo”
O deputado Fernando Mineiro
(PT-RN) anunciou que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara criou uma
subcomissão para tratar da Caatinga e articular as ações que o Brasil
apresentará na COP-16 de Desertificação.
Em Ribeirão Preto, mesa debateu
emergências climáticas
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Fotos : Filipe Augusto Peres |
Debate ocorreu na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP
Como atividade ligada ao Dia Mundial do Meio
Ambiente, aconteceu na quinta-feira (6), no auditório André Jacquemin, da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP/Ribeirão Preto, a mesa de
debates “Emergências Climáticas: não existe planeta B”. Na mesa, estiveram
presentes Annie Hsiou (Bióloga e docente da USP), Bruna Silva (Agroecóloga e
coordenadora da Rede Emancipa, Perci Guzzo (Ecólogo e escritor), e Daniel
Caiche (pesquisador e consultor em florestas urbanas) e Manuela Aquino
(Socióloga Direção Estadual do MST). A mesa foi mediada por Bruna Silva e
promovida pela Revista Movimento.
Manuela Aquino
Em sua fala, Manuela Aquino, da Direção Estadual do
MST, ressaltou a importância de valorizar os conhecimentos locais e
tradicionais, aliando-os ao conhecimento científico, na busca por um modelo de
desenvolvimento mais sustentável.
Manu citou a questão mineral e seus impactos nas
comunidades, sobretudo no Vale do Ribeira, e evidenciou a urgência de repensar
o atual modelo de exploração dos recursos naturais.
Segundo Manuela, as emergências climáticas e o
modelo de desenvolvimento capitalista, baseado na exploração dos recursos
naturais, têm gerado consequências prejudiciais para a sociedade.
“A gente tem colocado, entendendo que isso faz
parte desse modelo de desenvolvimento do capital que tem nos colocado, que é
baseado na espoliação dos bens naturais nossos, e aqui, no Brasil, muito
marcado por esse modelo do agro-hidro-minério-negócio”.
Ela mencionou problemas como crises econômicas,
desemprego, precarização do trabalho, urbanização, violência, feminicídio e uso
excessivo de agrotóxicos, como exemplos das causas e consequências desse
modelo.
A dirigente também abordou os desastres ambientais
ocorridos no Brasil, como a escassez de água em São Paulo, os crimes ambientais
relacionados à mineração em Brumadinho e Mariana, e a contaminação da água
potável por substâncias químicas. Além disso, Manuela ressaltou o aumento da
fome no país e a possibilidade de extinção de alimentos, como o feijão.
Para Manuela, esse modelo de desenvolvimento está
diretamente ligado à destruição ambiental e à exploração indiscriminada dos
recursos naturais, como água e ar.
“Quando a gente vai pensar um pouco, acho que isso
é bom entender, esses crimes, a partir desse modelo que a gente tem colocado do
agronegócio, é baseado nessa questão da monocultura, do desmatamento, das
queimadas, nesse uso abusivo dos agrotóxicos, dos transgênicos, dos
fertilizantes. Precisamos ver que esses crimes climáticos que a gente tem
vivenciado são principalmente fruto dessa espoliação e dominação desses meios
naturais pelo grande capital”.
Aquino argumentou que é imprescindível uma mudança
para um modelo agroecológico e político, além de denunciar os responsáveis por
esses crimes ambientais.
A dirigente do MST enfatizou o papel do movimento
na defesa do meio ambiente e da reforma agrária e destacou a importância do
campo brasileiro e dos povos do campo na preservação da água, terras, florestas
e biodiversidade é mencionou algumas ações do MST, como a produção
agroecológica no assentamento Mago Largo, em Ribeirão Preto, e lembrou as ações
que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem realizado nesta “Jornada
Nacional em Defesa da Natureza”, com o intuito de denunciar os crimes
ambientais e seus responsáveis.
Neste contexto, a socióloga ressaltou a relevância
da solidariedade e da luta do movimento social.
Ao final de sua fala, Manuela alertou sobre a
importância de estarmos atentos às movimentações políticas relacionadas ao meio
ambiente, como propostas de alteração na legislação ambiental e privatização
dos recursos hídricos e encerrou com a seguinte frase: "Em tempos de
desamor, o amor é revolucionário. Em tempos de destruição, plantar".
Daniel Caiche
Em sua fala, o pesquisador e consultor em florestas
urbanas, Daniel Caiche, destacou a importância de se discutir a gravidade das
alterações climáticas e a necessidade de ações imediatas para mitigar seus
efeitos. Durante sua intervenção, o pesquisador abordou a relação direta entre
o aquecimento global e as atividades humanas, destacando que a urbanização
desenfreada contribui muito para a intensificação dos desastres climáticos.
Além disso, Caiche alertou para a crescente frequência de eventos climáticos
extremos, como os recentes casos de tragédias no Rio Grande do Sul e na Índia,
que resultaram em perdas humanas e materiais.
"A partir de atividades humanas, o aquecimento
global já existiu na história do planeta em outros momentos de forma natural,
mas o que a gente está falando, agora, é do aquecimento global devido às
atividades humanas. Desde a época da Revolução Industrial, a partir das nossas
atividades, a gente, não os oceanos, está mudando a rota da águas, de ventos,
correntes de águas, está mudando todo o clima do planeta"
O pesquisador também chamou a atenção para a
importância de se investir em medidas preventivas e sistemas de alerta para
minimizar os impactos futuros das mudanças climáticas. Ele destacou a
necessidade de uma ação conjunta e urgente para combater as causas e
consequências das emergências climáticas, ressaltando que os custos da inação
são muito maiores do que os investimentos em prevenção.
Daniel ainda ressaltou a importância da
conscientização e da cooperação global para enfrentar os desafios climáticos
atuais e futuros.
Perci Guzzo
Ecólogo e escritor, Perci Guzzo, destacou que
eventos climáticos extremos têm interrompido a vida cotidiana dos habitantes
nas cidades. Em sua apresentação, ele utilizou alguns slides para guiar
sua fala e discutir a insustentabilidade de certas situações que a sociedade
enfrenta atualmente e abordou questões como a dificuldade de manter a
produtividade e de aproveitar a vida em dias extremamente quentes, destacando o
desconforto e os problemas de saúde decorrentes dessa nova realidade climática.
Ele mencionou a necessidade de renaturalizar as cidades e reformar os sistemas
de drenagem, sugerindo a implementação dos chamados "jardins de
chuva".
A vegetação foi destacada como um elemento essencial para
enfrentar esses desafios climáticos. O ecólogo destacou a insustentabilidade
dos incêndios no interior de São Paulo, prevendo que em breve esses incêndios
poderão vir a estar fora de controle.
"Os nossos sistemas de drenagem, quando
chovem, são para jogar água rapidamente para fora da cidade. Nós precisamos
renaturalizar as cidades, refazer o sistema de drenagem, o chamados jardins de
chuva. O elemento vegetação é fundamental, ele é essencial, ele é o maior
aliado nesse momento para a gente."
Outra questão apontada pelo escritor foi a
necessidade de tomar decisões e medidas para lidar com questões insustentáveis,
como a mobilidade urbana, propondo transporte público mais eficiente. O autor
destaca a importância de tomar decisões políticas baseadas em conhecimento e
agir coletivamente para enfrentar os desafios climáticos. A relevância
das eleições municipais e a necessidade de avaliar como os candidatos abordarão
as mudanças climáticas em suas campanhas foi outro ponto apontado por
Perci.
Usando Porto Alegre como exemplo,
Percy ainda refletiu sobre a preparação e resposta a desastres, usando Porto
Alegre como exemplo. Ele destacou que uma melhor preparação poderia ter
reduzido a quantidade de mortes e sofrimento durante eventos climáticos
extremos, e destacou a importância de a infraestrutura e serviços básicos
funcionarem adequadamente em momentos de crise.
Annie Hsiou
Annie Hsiou, Bióloga e
docente da USP, apresentou três temas principais em sua fala: a situação do Rio
Grande do Sul, a centralidade da luta ecossocialista, e as ações necessárias
para enfrentar os desafios atuais. ,
A situação do
Rio Grande do Sul
Annie discutiu a recente
enchente que devastou o Rio Grande do Sul, começando pelo centro do estado,
afetando rios como Jacuí, Caí e Taquari. Em sua fala, a bióloga destacou que a
falta de permeabilidade do solo, devido à pecuária e agricultura extensiva,
agravou a situação, resultando em 170 mortes e meio milhão de pessoas afetadas
e destacou que, embora a solidariedade seja importante, neste contexto esta se
torna insuficiente para resolver o problema estrutural.
"Porto Alegre, a
capital do Rio Grande do Sul, está localizada num lago, exatamente no encontro,
num delta. Então, choveu tanto nessas regiões, tanto na central quanto na
de serra, e que são fortemente impactadas pela pecuária, pela agricultura
extensiva, de décadas, de muito tempo e de séculos, exatamente, e hoje com uma
cultura da silvicultura muito forte também dentro do Estado, acabou levando a
isso. Não tem condições mais de filtração, de permeabilidade do solo. [...] E
isso levou, então, a mais de 170 mortes, 40 desaparecidos e meio milhão de
pessoas atingidas. Não é pouca coisa".
A Centralidade da Luta
Ecossocialista
Hsiou argumentou que o
capitalismo é incompatível com a vida sustentável e a preservação ambiental. A
docente uspiana citou a pandemia como um sinal de eventos climáticos extremos e
a crise climática. Para Annie, a luta deve focar no ecossocialismo, o qual
responsabiliza grandes indústrias e multinacionais pelos danos ambientais. Ela
criticou o "capitalismo verde" e defendeu uma nova lógica econômica e
ambiental.
"Para alguns pode
ser um novo vocabulário, mas para muitos é uma palavra de luta, que seria o ecossocialismo,
de trazer que hoje quem polui, quem mata, quem está fazendo que os rios
transbordem são as grandes indústrias, são as grandes empresas. A gente não
está falando de (pequenos) agricultores que têm a sua cabeça de gado. A gente
está falando de empresas, de multinacionais, que não é poucas cabeças de gado,
são milhões de cabeças de gado. Estão não só emitindo gases, mas também
pisoteando esse solo, que vai gerar mais desmatamento".
O Que Fazer?
A bióloga apontou para a
necessidade de ação coletiva e organizada para enfrentar as catástrofes
climáticas e criticou a política ambiental dos governo de extrema direita de
Eduardo Leite (PSDB-RS), mencionando flexibilizações de licenças ambientais e a
extinção de órgãos importantes, como a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do
Sul realizadas pelo governador.
Fonte: Câmara Notícias