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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Caminhando sobre o patrimônio histórico! Por Marcelo Botosso*



A Necessária Humanização da Cidade!

Imagine o Centro Histórico de Ouro Preto/MG ou de Paraty/RJ terem suas seculares ruas e vielas asfaltadas. Seria um atentado ao patrimônio cultural, histórico e turístico daquelas cidades. Seria a desfiguração de um marco na história não só nacional, mas também que remete ao período do Colonialismo, às grandes navegações, à expansão europeia pelo globo, entre tantos outros episódios significativos de nossa formação.

A força de trabalho de anônimos homens do Velho e do Novo Mundo e , principalmente, dos homens do Continente Negro está eternizada em cada metro quadrado daquele resistente pavimento.

Em Ribeirão Preto, o calçamento centenário de paralelepípedos feitos de rocha basáltica demonstra a sua resistência e vigor. Diferente das cidades acima, as ruas feitas com paralelepípedos rochosos em Ribeirão Preto foram quase todas cobertas pelo manto asfáltico, numa concepção hoje ultrapassada do que é modernização. Mas como suspiro, o patrimônio histórico pede socorro.



Janelas abertas na camada asfáltica pelo intenso trânsito de veículos e pela implacável ação do tempo dão a dimensão do que era o urbanismo de uma Ribeirão Preto de outrora.

Talhados e esculpidos sobretudo por trabalhadores portugueses e seus descendentes, a rocha basáltica de origem vulcânica era extraída do que, posteriormente, convencionou-se chamar de pedreiras e que hoje são aproveitadas inteligentemente como parques públicos municipais, como os parques Curupira e Raya ou a Pedreira Santa Luzia, que urge ser transformada em parque.

Bairros antigos como o bairro-cidade Campos Elíseos, o Ipiranga (antigo bairro do Barracão onde imigrantes italianos saltavam do trem) e a Vila Tibéio, berço do Botafogo F.C., foram pavimentados com os artesanais paralelepípedos, manualmente, um a um.

Mas é no quadrilátero central que está o mais antigo calçamento basáltico da urbe. Guias , sarjetas, soleiras de porta, além do leito carroçável propriamente dito podem ser verificados em alguns pontos do Centro. A Esplanada do imponente Theatro Pedro II, o 3o maior teatro de ópera do país, está aos olhos vistos para quem quiser conhecer de perto a beleza e a fortaleza desse tipo de calçamento.

Portanto, a exemplo da Avenida 9 de Julho-tombada como patrimônio histórico pela força e pressão da sociedade civil organizada- acreditamos que se o antigo calçamento for recuperado, prioritariamente no quadrilátero central e, por conseguinte, devidamente tombado, Ribeirão Preto voltará com o incomum charme de tempos passados que lhe conferia peculiar identidade. Isso atrairá mais visitantes àquela região, principalmente por se tratar de uma área de grande concentração de estabelecimentos comerciais que, certamente, sofre a concorrência dos grandes centros de compras, os chamados shopping centers. Lá, a atividade comercial pode ser aquecida por meio de uma estratégica campanha de marketing turístico aludindo para o centro histórico da cidade, vitalizando, assim, aquela localidade.

Mas não é só de beleza, história e turismo que se constitui aquele calçamento, pois há também nesta proposta uma questão ambiental. As fissuras entre os blocos permitem a permeabilidade das águas, contribuindo significativamente para a prevenção de enchentes, bem como a recarga de lençóis freáticos. Sua manutenção é simples e econômica, a começar que em muitas situações o revestimento com paralelepípedos dispensa a construção de galerias para águas pluviais., bem como diminui a manutenção das que já existem.

Se tratando de uma atividade quase artesanal, novos postos de trabalho seriam criados. Certamente atenderiam uma gama de trabalhadores cuja 'indústria do asfalto' dispensa por consequência de sua mecanização.

Origem e Destino

Foi na belle-époque ribeirão-pretana, a pequena Paris ou petti paris como fora chamada a cidade, com seus calçamentos de paralelepípedo em franca expansão, que surgiram as raízes do que mais tarde viria acontecer: a cidade deixa de ser concebida para as pessoas e passa a ser, imperiosamente, a cidade do automóvel.

Os carros não param para a passagem dos pedestres, pois as vias de pedestres é que são interditadas pelas ruas, a começar pelo seu desnível onde o transeunte se iguala ao nível do carro, quando há de descer um degrau de pedra basáltica chamado de sarjeta. A reveladora arquitetura mostra que a cidade 'moderna' prioriza a máquina ao ser humano.

Por isso, não seria exagero entender que retomar o antigo pavimento é caminhar para a humanização da cidade, aguçando percepções e debates sobre o tipo de cidade que se deseja, além de recriar zonas permeáveis e um atrativo para maior desenvolvimento turístico com sua consequente geração de renda. A choperia Pinguim, de renome internacional, assim como todo o Quarteirão Paulista e o novo calçadão, pode ser a vanguarda nesse processo, numa produtiva parceria público-privada.

Contudo, não estamos propondo um retorno ao passado, pelo contrário, o que queremos é que se preserve a memória, através do patrimônio histórico de uma Ribeirão que se foi.

Que se valorize e aperfeiçoe o potencial que temos bem abaixo dos nossos pés. Só assim haverá instrumentos de como balizar o presente que se tem para projetar o futuro que se quer. do contrário, o amanhã será intransitável e caoticamente incerto.

Com altivez, voltemos a caminhar.

Marcelo Botosso-De Campos Elíseos- é Historiador








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