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domingo, 19 de agosto de 2018

Moradores de rua denunciam violência da Prefeitura na praça Schmidt em Ribeirão Preto!

Café da Manhã sob os olhos da Guarda
Fotos, vídeo Filipe Peres

Desde de a última quarta-feira, 15/08/2018, a Prefeitura de Ribeirão Preto, em uma ação envolvendo a Secretaria de Assistência Social e a Guarda Civil, tem retirado os moradores de rua que viviam na praça Francisco Schmidt no centro de Ribeirão Preto, ao lado da UBDS central.

No centro da praça encontra-se uma van da Guarda Municipal, com 6 ou 7 guardas, colocada ali, segundo depoimentos, para evitar que os moradores voltem a ocupar a praça.

Indo ao local na manhã deste sábado, 18/082018, o blog constatou a presença de cerca de 30 moradores de rua alojados na calçada da rua Luiz da Cunha e também na praça da UBDS ao lado, onde se encontra a Maria Fumaça.


O blog foi ao local convidado pelo Movimento Pontes, que trabalha desde 2016 com a população em situação de moradores de rua em Ribeirão Preto. O Movimento realizou um café da manhã com os moradores no centro da Praça Schmidt, sob os olhares da Guarda e de uma viatura da ROMU que logo chegou ao local.

Segundo um dos representantes do Movimento Pontes, a realização do café da manhã ali na praça e, mais tarde, uma panfletagem na Esplanada do Pedro II, fazia parte de uma tentativa de denunciar e informar a sociedade sobre a maneira violenta e repressiva com que os moradores de rua residentes na região da baixada estavam sendo tratados pelo poder público, principalmente no processo de remoção da Praça Francisco Schmidt.

No começo ainda receosos de entrar na praça,
 aos poucos os moradores foram se aproximando

O Movimento Pontes é formado por alunos e docentes da Faculdade de Medicina, de Psicologia e da Terapia Ocupacional da USP de RP e o seu trabalho com os moradores de rua se dá a partir do que chamam de "consultório na rua", uma assistência multidisciplinar que busca o princípio da "redução de danos" e da relação respeitosa e humana com a população de rua segundo os preceitos legais da legislação brasileira (como o decreto de 2008 que instituiu a Política Nacional de Inclusão da População de Rua) e as pesquisas mais recentes realizadas nessa área.

Segundo o Movimento, o atual processo de remoção das pessoas da região central, principalmente da praça Schmidt, se dá apenas pelo viés da repressão, sem nenhuma política social de apoio à população. Também relatam que o diálogo com o poder público é bastante conflituoso, uma vez que a filosofia implantada hoje em Ribeirão Preto é a da repressão e tentativa de invisibilizar o morador de rua, empurrando as pessoas para longe dos locais mais centralizados.

A psicóloga Marina Pereira questiona em entrevista ao blog se a política anunciada pelo poder público de "revitalização das praças centrais" tem que se dar em parceira com a Guarda Municipal ou tem de ser feita segundo a legislação de assistência social e de respeito aos direitos humanos das pessoas em situação de rua. Assista:



A CETREM e o Centro Pop se localizam em bairros distantes 10 km do centro da cidade, que seria a região mais adequada para se instalar um equipamento público que servisse de apoio e encaminhamento à população de rua, principalmente àquela que chega na cidade a partir da rodoviária. Mas, ao que parece, a instalação da CETREM e do Centro Pop na região mais central sofre oposição de algumas entidades da cidade.

Conversando com alguns moradores de rua durante o café da manhã neste sábado, o blog ouviu alguns relatos que denunciam repressão e violência na remoção das pessoas da praça: ameaças, jato de água fria, queima de roupas e documentos, retirada de cobertores e utensílios materiais entre outros.



O blog perguntou às moradoras Inês, Taís e Márcia quais os motivos de estarem na rua e a resposta foi a mesma, desarranjo dos laços familiares, que é um dos maiores motivos, segundo as estatísticas, para as pessoas chegarem à condição de moradores de rua. O outro grande motivo são os problemas com álcool e drogas.

Segundo Taís, que veio de São Luis do Maranhão junto com o marido para trabalhar na lavoura de cana, ao ser perguntada pelo blog do que ela precisava para deixar a rua, falta apoio do poder público. Em Ribeirão Preto, o CETREM e o Centro Pop ficam muito distantes da região central, o Centro Pop não aceita quem é de fora da cidade e lá não há nenhum apoio que não seja o pernoite e a comida. "Nós não precisamos de comida, a gente faz nossos bicos e conseguimos dinheiro para comer. Nós precisamos é de cursos para a gente conseguir um trabalho e de uma casa para morar. Por quê não nos oferecem um programa social de moradia e uma formação para o trabalho?", questionou.

Outro questionamento presente em várias falas dos moradores de rua durante o café da manhã, para a surpresa do blog, era sobre o direito à cidade, à ocupar aquilo que é público. Segundo Inês, que aparenta ter menos de 30 anos, "qualquer pessoa pode ocupar uma praça, um banco, um canto qualquer que seja público. Nós também somos pessoas", completou.



Já para Márcia, que já foi casada e hoje perdeu totalmente o contato com seus laços familiares, inclusive com os dois filhos que, segundo ela, vivem em Araraquara, a principal dificuldade é manter os documentos e, com eles, ter acesso aos serviços públicos, principalmente ao atendimento de saúde. "Eu não tenho nenhum documento, estou como indigente e, se você me perguntar, vou dizer que não tenho ideia de como refazer meus documentos", afirmou.

O problema dos moradores de rua se agravou no país inteiro por causa da grave crise econômica que já dura quase 4 anos. Em Ribeirão Preto, dados revelam que neste período o número de moradores de rua saltou de cerca de 500 para mais de 3 mil em toda a cidade, isso sem contar as cerca de 40 mil pessoas que hoje vivem em alguma das mais de 100 ocupações e favelas espalhadas pelos bairros da periferia da cidade.

Segundo a legislação vigente, principalmente a Política Nacional de Inclusão da População em Situação de Rua (2008) e do SUAS (Sistema Unificado de Assistência Social - 1993), o atendimento à população moradora de rua deve se dar através de um sistema descentralizado, articulado pela União com Estados e municípios, operacionalizado por um Comitê Gestor Intersetorial, com participação da sociedade civil, que promova o direito à dignidade, o direito à cidadania, o atendimento universalizado e multidisciplinar que promova o acolhimento, encaminhamento e o acesso à todos os direitos constitucionais que conduzam à reintegração das pessoas na sociedade e a retomada de seus laços afetivos e psicológicos.

Problemas sociais não se resolvem com polícia e muito menos com repressão e violência. Problemas sociais se resolvem com inteligência, respeito aos direitos humanos e, principalmente, com políticas sociais formuladas, implementadas e desenvolvidas pelo poder público.

obs 1: o blog vai tentar o contato com a Secretaria de Assistência Social de RP esta semana para ter a palavra do poder público nesta história.

obs 2: este blog recebeu, via whatsapp, áudios de alguém que se diz representante de uma das Ongs que atuam na distribuição de comida aos moradores de rua da cidade. Segundo ela, em parceria com a proposta do poder público de retirar os moradores de rua da região central, está sendo planejado a colocação de até quatro pontos de entrega de comida em bairros periféricos, como a vila virgínia, para "condicionar os moradores a ir buscar comida ali, longe do centro".

obs 3: A pergunta que o blog se fez durante o café da manhã na praça Schmidt foi, por que ali? Por que a preocupação específica com aqueles lugar, a ponto de uma van da Guarda Civil ficar ali 24 horas? Será que algum empreendimento urbano público está sendo planejado para aquele local ou o poder público está atuando em parceria com algum investimento privado naquela área? perguntas que o tempo responderá.

obs 4: a proposta de "revitalizar as praças" tem um projeto escrito, de acesso público, para que possa se constatar qual a política adotada? O problema das praças e parques públicos da cidade é grave e uma verdadeira política de "revitalização" deve se dar harmonizando os aspectos paisagísticos com os aspectos humanos, integrando as praças à comunidade do entorno, com programas de lazer, esporte e cultura inseridos no projeto.

Blog O Calçadão












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