O Blog O Calçadão reproduz o artigo do professor Leonardo Sacramento que aborda a incrível e impressionante desigualdade social no Brasil. Uma reflexão pertinente!
Foto: Paulo Honório |
Publicado em 13 de março por Leonardo Freitas Sacramento
Se o virus já registrou transmissão comunitária e continua restrito a dois segmentos de renda da burguesia e da classe média tradicional, conclui-se que esses segmentos, ou pelo menos todas as pessoas infectadas, não se relacionam com trabalhadores em outras faixas de renda, as tais C, D e E.
Bom, isso levanta algumas questões interessantes, bem interessantes.
Primeiro, constata-se que quem é da faixa de renda C é pobre, pelo menos para as pessoas de faixa de renda A e B. Estão mais próximas das faixas de renda D e E do que da B, pelo menos no que se refere ao compartilhamento de espaços de convivência.
Segundo, dá para entender a grita de algumas pessoas da faixa de renda A e B quando se depararam com pessoas que pareciam pobres (negros, pessoas com bermudas etc.) nos aeroportos. É uma intrusão de um espaço de reafirmação simbólica das pessoas das faixas de renda A e B.
Terceiro, como essa transmissão foi importada da Itália, onde há grande fluxo de viajantes brasileiros, conclui-se que quem é da faixa de renda C não pisa mais no aeroporto, muito menos realiza viagens internacionais. Em suma, o aeroporto voltou a ser um espaço de reafirmação simbólica da burguesia e da classe média tradicional (faixas de renda A e B). A última viagem que fiz passei por cinco aeroportos, e isso ficou bem perceptível. Voltei a ser o único negro do avião.
E, por fim, conclui-se que a desigualdade econômica até agora foi a principal medida de contenção de propagação do virus. A desigualdade é tão grande no Brasil que o sujeito que mora em Higienópolis, em São Paulo, não pisa nem na República. O sujeito que mora na Barra, no Rio de Janeiro, não pisa na Carioca. Da casa em condomínio do Alphaville ao shopping que nem possui acesso a pedestres nem ponto de ônibus. A desigualdade segrega tanto que consegue construir algum isolamento geográfico que, ironicamente, está servindo para aumentar o tempo de propagação comunitária entre as classes sociais, dando tempo às secretárias de saúde e ao Ministério da Saúde para se prepararem, evitando-se por ora o pico em um espaço curto de tempo.
A desigualdade brasileira é tão grande que até um virus tem dificuldade de superá-la, imagina uma criança em casa sem saneamento básico. Mas em breve o virus conseguirá contorná-la, e quando conseguir, os pobres adoentados pela crise econômica, pelo definhamento do SUS e pelo aumento da desigualdade morrerão mais do que os ricos. Bem-vindos à desigualdade!
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