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domingo, 13 de outubro de 2024

O cinismo das Privatizações: Uma radiografia do apagão à eleição municipal de SP - por Roberto Barros

 


Em sua célebre obra “Totem e Tabu”, Sigmund Freud busca relacionar a psicanálise com a antropologia, explorando a origem das crenças e instituições sociais. A eleição municipal de São Paulo evidencia a visão freudiana desse escrito em, pelo menos, um aspecto central: a projeção de responsabilidades. Assim como no livro, onde os indivíduos projetam suas ansiedades e medos sobre figuras externas, como os totems, criando um sistema de crenças que alivia a culpa e justifica comportamentos agressivos, o atual prefeito, Ricardo Nunes, utiliza essa estratégia para se manter no poder.

Exemplos dessa prática comportamental de Nunes não faltam. No caso do transporte público, existe um forte indício de relação do PCC nos contratos das empresas assinados pela prefeitura, e Nunes projeta a responsabilidade para os funcionários da empresa. No caso do colapso da saúde, onde pacientes permanecem nas UPAs por mais de 9 horas, Nunes responsabiliza as OSSs. A mais recente projeção de culpa ocorreu durante o atual apagão em SP. Nesse ponto, uma rede de responsabilidades e culpados se forma em torno do grupo político que sustenta o atual prefeito.

Em 1998, a antiga Eletropaulo foi privatizada por meio do Programa Estadual de Desestatização (PED), criado pelo então governador Mário Covas. A empresa foi dividida em quatro companhias menores, sendo a Eletropaulo Metropolitana a mais rentável, privatizada em 1999. A distribuidora de energia na Grande São Paulo foi vendida a um grupo liderado pela americana AES. No entanto, em 2018, uma companhia italiana chamada Enel adquiriu a Eletropaulo por mais de 5 bilhões de reais, ficando com 73,38% do capital total da concessionária. Essa privatização foi assinada e defendida com grande fervor pelo então governador de SP, João Dória, que pertence ao mesmo grupo político que apoia o atual prefeito, Nunes. Essa situação evidencia um aspecto importante: a empresa de energia privatizada era estadual e, portanto, não teria ingerência federal. O grupo que participou da venda da Eletropaulo para a Enel é o mesmo que apoia Nunes. Assim, não há responsabilidade do governo federal nessa venda. A manutenção da concessão, que está sendo revista pelo governo federal, ocorreu devido à responsabilidade de Tarcísio, que assinou um laudo informando que a Enel tinha condições de realizar o serviço em SP. Entretanto, os paulistanos têm enfrentado, nas últimas semanas, uma espécie de apagão constante. O modus operandi do comportamento psicanalítico desse grupo político e de Nunes é representado na responsabilização dos ventos, das chuvas e, mais recentemente, do governo federal. Dessa forma, a culpa é atribuída a todos, menos a si mesmo. Não importa a verdade; a estratégia desse grupo político – o fantasma de Dória/Tarcísio/Nunes, que se esconde – é manter um espantalho para atribuir a culpa, ou seja, realizar uma prática política comum que exacerba uma condição psicológica para livrar-se da culpa.

Esse jogo de empurra-empurra não termina por aí. O município paulista, sob a figura do então prefeito fantasma (Ricardo Nunes), buscou terceirizar a responsabilidade pela zeladoria. Qual é a estratégia que Nunes tem utilizado para desvincular-se da responsabilidade pelo caos que deixou no município? Pasmem: culpando Lula, o atual presidente! Em suma, Nunes tem responsabilizado Lula pela zeladoria da cidade. Sabe-se que mais de 384 árvores que precisavam ser podadas não foram, resultando em muitos desconfortos na cidade, obstruindo ruas, destruindo casas e carros, e deixando a população, especialmente a parcela da periferia de SP, abandonada. Neste momento, mais de 1 milhão e 400 mil pessoas estão sem luz, com danos a seus eletrodomésticos, alimentos estragados e casas danificadas; a população está completamente desamparada. A falta de planejamento da prefeitura é surreal. Esse evento não ocorreu de forma isolada, mas vem acontecendo de maneira constante e cotidiana. O prefeito não utiliza a Guarda Civil para avisar a população sobre esses eventos (previsíveis, sim!), não elabora nenhum projeto urbano de escoamento de água e drenagem, e tampouco discute a eletrificação do subsolo, que deixaria a cidade esteticamente mais bonita e reduziria significativamente as quedas de energia. O que o prefeito faz? Projeta culpa! Afirma que não é ele o culpado, mente para a população dizendo que faz ou está fazendo algo, esconde-se nas sombras de SP para que ninguém veja seu rosto, foge dos debates por medo de ser exposto e, ao se esconder, tenta garantir sua reeleição. Nunes usa a dinâmica de projetar a culpa e o medo (usando o espantalho do comunismo), para minimizar a própria responsabilidade pessoal desse caos e conseguir a reeleição. As privatizações tão defendidas pelos meios de comunicação corporativo, por uma direita entreguista de SP personificado sob a imagem de Tarcísio, Kassab, Nunes, Dória, Faria Lima, atuam como um álibi para atacar quem sempre combateu essa lógica. É quase um fenômeno paradoxal, criam o monstro e jogam esse monstro criado no colo de quem busca combater. São Paulo corre um sério risco e esse grupo político-midiático-empresarial que busca blindar o Nunes tem como objetivo dinamitar, mais uma vez, a democracia e os avanços sociais de um governo verdadeiramente popular. É nesse panorama que a eleição do Boulos e Marta50 se faz mais do que necessário, se faz central para SP e para o Brasil.

Dr. Roberto Barros

Docente – Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Ex Conselheiro Municipal de Cultura – Ribeirão Preto – SP

Colaborador – Blog O Calçadão

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