Carta foi finalizada em plenária no último dia. Foto: Filipe Augusto Peres |
Carta traz propostas para fortalecer a comunicação independente, promover a soberania digital e combater a desinformação na América Latina
Por Filipe Augusto Peres
Entre os dias 20 e 22 de setembro de 2024,
aconteceu no município de São Paulo, o Seminário Internacional Comunicação para
a Integração, organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de
Itararé em parceria com a Inter Press Service (IPS). Finalizada no último dia do Seminário durante plenária, a carta foi publicada no último dia 26 de setembro.
O Seminário foi realizado na Casa Popular do MST,
em São Paulo, e contou com o apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do
Ponto BR (NIC.br) e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Participação e Representação
O seminário reuniu 90 participantes, dos quais 70
participaram presencialmente e 20 de forma remota. Estiveram presentes
representantes de 11 países latino-americanos, incluindo Brasil, Argentina,
Colômbia, México, Chile, Uruguai, Bolívia, Cuba, Venezuela, Paraguai e Peru,
além de participantes de 11 estados brasileiros, como Bahia, Minas Gerais e
Pernambuco.
Objetivo do Evento
O principal objetivo do evento foi debater a
integração regional a partir de uma perspectiva de soberania, desenvolvimento e
justiça social, com foco no papel da comunicação. As discussões também
abordaram os desafios enfrentados pelos meios de comunicação independentes na
América Latina, em meio ao domínio de grandes corporações digitais.
Aprovação da Carta de São Paulo
No final do seminário, as e os participantes
aprovaram a Carta de São Paulo. O documento serve para direcionar as
prioridades e as ações necessárias para fortalecer a comunicação na região
latino-americana.
O texto da carta afirma que a integração entre os
países latino-americanos
“a partir de uma perspectiva de soberania, desenvolvimento e
justiça social, se vê diante de novos obstáculos”
e mostra que os meios de comunicação serviram
historicamente como ferramentas de poder da classe dominante, as quais, na
atualidade, aumentaram o controle por causa do surgimento das grandes
corporações de tecnologia, as chamadas “big techs”.
Criação da Comissão de Comunicação
Uma das principais resoluções do evento foi a
criação da Comissão de Comunicação para a Integração. Esta foi formada por
representantes de diversos países da América Latina, como Brasil, Argentina,
México, Uruguai, Cuba, Peru, Chile, Bolívia, Venezuela, Colômbia e Paraguai.
A comissão terá a responsabilidade de articular e
implementar as propostas da Carta de São Paulo, além de fortalecer redes de
comunicação independentes na América Latina.
Propostas para a Comunicação Regional
No texto, a Carta de São Paulo traz propostas que
intencionam fortalecer a comunicação independente, promover a soberania digital
e combater a desinformação na América Latina.
O texto traz que um dos principais objetivos é
enfrentar os desafios colocados pela concentração de poder da mídia tradicional
e digital, além de procurar formas de fortalecer a comunicação popular e
democrática na América Latina.
1. Fortalecimento da comunicação pública e comunitária:
A carta defende que os países da região devem intensificar a luta pelo fortalecimento das mídias públicas e comunitárias. Isso inclui
“encampar a luta pelo fortalecimento da Comunicação Pública e
contra o desmonte dos veículos e sistemas públicos em países nos quais estão
sob ataque”,
além de promover alianças entre mídias públicas e
comunitárias para a produção e difusão de conteúdos.
2. Criação de mecanismos de cooperação:
Os comunicadores/as destacam a importância de
construir
“mecanismos de cooperação e colaboração com o
compartilhamento mútuo de conteúdos jornalísticos”.
Essa proposta tem o objetivo de facilitar o
intercâmbio de informações entre veículos de comunicação independentes,
permitindo que notícias e reportagens sejam traduzidas e compartilhadas entre
os países da região.
3. Regulação das plataformas digitais:
A carta destaca a necessidade de uma regulação
eficiente das grandes corporações de tecnologia, as “big techs”, que controlam
as plataformas digitais.
Os participantes do seminário afirmam no texto que
a regulação é fundamental para
“a defesa da democracia e da soberania em nossos países”,
devido ao poder dessas empresas de moldar a
circulação de informações e de lucrar com desinformação e discurso de ódio.
4. Defesa da soberania digital:
A carta também propõe
“encampar a pauta da soberania digital em nossa produção
jornalística”,
e destaca a importância de construir plataformas
digitais próprias, sustentadas pelos Estados nacionais comprometidos com uma
comunicação plural e transparente.
O esforço dessa construção inclui a criação de uma
plataforma digital pública latino-americana, a qual será gerida em conjunto pelos
países da região.
5. Promoção da integração informacional:
A carta sugere que os veículos de comunicação e
movimentos sociais intensifiquem a cobertura da integração regional, criando
uma agenda comum entre as mídias da América Latina.
Isso inclui
“promover o combate à desinformação”
e “
“dar visibilidade às iniciativas e estudos em curso no
continente”
sobre a circulação de notícias falsas e o impacto
das plataformas digitais na democracia.
6. Financiamento das mídias independentes:
Nos países com governos progressistas, a carta
propõe pressionar por políticas públicas que financiem as mídias independentes
e comunitárias, por meio da redistribuição de verbas publicitárias estatais.
Além disso, o documento sugere a criação de
editais de fomento junto ao Banco dos BRICS para apoiar iniciativas de
comunicação.
7. Aprimoramento da formação linguística:
Para superar barreiras linguísticas que dificultam
a integração comunicacional, a carta propõe o investimento na aprendizagem de
espanhol e português dentro das organizações e redes de comunicação da região.
Apoios
O Seminário contou com o apoio de diversas
entidades sindicais e organizações representativas de trabalhadores de
diferentes setores. Entre elas estão o Sindicato dos Bancários da Bahia,
Sindicato dos Bancários do Ceará, CNTE – Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação, SindMotoristas SP – Sindicato dos Motoristas e
Trabalhadores em Transportes Rodoviário e Urbano de São Paulo, Sindicato dos
Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, CPERS Sindicato – Centro dos
Professores do Estado do Rio Grande do Sul, CTB – Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil, Fecosul – Federação dos Empregados no Comércio do Rio
Grande do Sul, Fenepospetro – Federação Nacional dos Empregados em Postos de
Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo, Fequimfar – Federação dos
Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo,
Fetec – Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo, Fundação
Mauricio Grabois, Força Sindical, FUP – Federação Única dos Petroleiros,
Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, SindSaúde –
Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado da Bahia, Sinjusc – Sindicato
dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, Sinpro MG –
Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais e UGT – União Geral dos
Trabalhadores. Essas instituições foram fundamentais para a realização do
evento, refletindo a importância do envolvimento de múltiplos setores
trabalhistas no debate.
Leia a Carta de São Paulo na íntegra:
CARTA DE SÃO PAULO
Desafio histórico e permanente para a região, a integração a
partir de uma perspectiva de soberania, desenvolvimento e justiça social, se vê
diante de novos obstáculos.
Para a manutenção de seus privilégios em um
continente atravessado pelas desigualdades, a classe dominante sempre contou
com um poderoso aparato ideológico que atua como seu verdadeiro partido: os
meios de comunicação. Mais que isso, um modelo altamente concentrado nas mãos
de poucas famílias que fabricam matrizes de opinião e impõem uma espécie de
pensamento único, bloqueando a diversidade e a pluralidade de informações e
ideias.
Se antes a concentração do poder político na mão
de elites coloniais, respaldada pelo monopólio (ou pelos oligopólios)
informativo, interditava qualquer projeto com viés progressista, esse cenário
mudou.
Os povos da região elegeram governos democráticos
e populares, obtiveram conquistas sociais sem precedentes e esboçaram a
construção de uma nova institucionalidade através de mecanismos inéditos para a
integração.
A Internet e suas potencialidades democratizantes
também ensejaram um terreno fértil para a disputa de ideias antes dominada por
poucos atores – ainda que se faça necessário salientar que a desigualdade no
acesso à ainda é gritante na América Latina.
O caldo da reação dos que se julgam donos do poder
traz um cenário complexo, que exige reflexão e ação imediatas. Como
consequência das transformações políticas, sociais e tecnológicas, os
detentores do poder econômico parecem não ter constrangimento em bancar a
ascensão de forças políticas com forte inclinação fascista para imporem e
aprofundarem a sua agenda econômica.
A Internet, tão importante para democratizar a
produção, difusão e o acesso à informação, se vê cerceada por corporações que
reproduzem a lógica monopólica – a mais alta expressão desse cenário são as
chamadas “big techs”.
Se antes os barões da mídia exerciam o papel de
sustentáculo ideológico desses setores, agora nos vemos também diante de uma
sofisticada indústria de desinformação e de discurso de ódio, vitaminadas por
essas plataformas digitais que lucram com algoritmos que só seus donos conhecem
e que têm causado danos às democracias na América Latina e no mundo.
Partindo da ideia de que muitos dos desafios
colocados são compartilhados entre os povos e países vizinhos, acreditamos que
a comunicação é fundamental para enfrentarmos essas problemáticas comuns.
A disputa de ideias diante deste novo contexto
exige maturidade para que não apenas tenhamos a comunicação como uma ferramenta
para informar, pautar e pressionar pela agenda da integração regional, mas
também para promover a ideia e a prática de que a integração também precisa ser
comunicacional, estabelecendo redes, parcerias e mecanismos de cooperação entre
as mídias independentes, populares e comunitárias empenhadas neste processo.
Por isso, nós, reunidos no Seminário Internacional
de Comunicação para a Integração, acreditamos que é preciso estabelecermos as
seguintes prioridades para trabalharmos em conjunto:
- Compreender que os esforços para fortalecer a integração informacional e comunicacional passa impreterivelmente pela construção da unidade na diversidade, com inegociável respeito às naturais diferenças em nossas visões, posições e as particularidades de cada processo e cada contexto político local;
- Definição de uma Comissão de Comunicação para a Integração, que conduza os encaminhamentos do Seminário Internacional e articule o conjunto de comunicadores, veículos e movimentos interessados neste processo;
- Fortalecer a luta pela democratização da comunicação e pelo fortalecimento das mídias independentes, comunitárias e populares em nossos respectivos países;
- Encampar a luta pelo fortalecimento da Comunicação Pública e contra o desmonte dos veículos e sistemas públicos em países nos quais estão sob ataque;
- Intensificar a agenda da integração regional em nossos respectivos meios de comunicação e ambientes de ativismo digital;
- Construir mecanismos de cooperação e colaboração com o compartilhamento mútuo de conteúdos jornalísticos, bem como traduções de artigos e reportagens originais para promover a integração informacional e comunicacional entre os veículos e coletivos interessados na iniciativa;
- Encampar o debate e a agenda da regulação das plataformas (big techs) como elemento fundamental para a defesa da democracia e da soberania em nossos países
- Encampar a pauta da soberania digital em nossa produção jornalística;
- Promover o combate à desinformação dando visibilidade às iniciativas e estudos em curso no continente
- Conhecer e fortalecer o Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA)
- Intensificar a agenda da integração regional em nossos respectivos meios de comunicação e ambientes de ativismo digital
- Promover em nossos meios a necessidade de defender a paz na região, segundo a definição da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) de sermos uma região de paz, rechaçando bases militares estrangeiras e a ameaça de guerra mundial
- Fortalecer a ideia de alianças público-comunitárias, aproveitando a produção das mídias comunitárias para fornecer material a ser veiculado nas redes públicas já constituídas na região;
- Em países com governos progressistas, democráticos e populares, pressionar por políticas de financiamento das mídias independentes e comunitárias, repartindo a verba publicitária;
- Colaborar, incentivar e apoiar a construção de uma plataforma digital pública, com infraestrutura sustentada pelos Estados nacionais latino-americanos comprometidos com uma comunicação plural, diversa, democrática e transparente, sujeita às regras comuns destes países para o mundo digital e focada na defesa do Estado Direito;
- Defender a TeleSur, canal multiestatal com 19 anos de história, fundamental para democratizar a comunicação no continente;
- Pressionar pela implementação dos Canais da Cidadania no Brasil;
- Pleitear editais para iniciativas de comunicação junto ao Banco dos BRICS;
- Criação de um grupo em aplicativo de mensageria com os participantes do Seminário para compartilhar experiências, oportunidades e capacitação para a aplicação em editais e outras políticas de fomento às mídias independentes e aos comunicadores populares;
- Fortalecer uma agenda conjunta e integrada, em nível de América Latina, para fortalecer o dia 18 de outubro – Dia Internacional da Democratização da Comunicação;
- Trabalhar na articulação, enquanto BRICS, no tema da soberania digital;
- Investir na aprendizagem dos idiomas português e espanhol em nossas organizações e articulações, visando minimizar a barreira linguística no processo de integração.
São Paulo, 22 de setembro de 2024.
Boas propostas para fortalecer a comunicacao como ferramenta para integração
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