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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Relatório denuncia privilégios do agronegócio e alerta para impactos sociais e ambientais no Brasil

  

O modelo baseado em monoculturas amplia a devastação ambiental
Foto: Filipe Augusto Peres

Publicação da Fundação Friedrich Ebert expõe como subsídios, isenções fiscais e concentração fundiária transformam o agronegócio em um “mau negócio” para a sociedade brasileira.

Nesta segunda-feira (18) foi publicado o relatório “Agro, um bom negócio para o Brasil?”, produzido pelos pesquisadores Yamila Goldfarb e Marco Antonio Mitidiero Junior e organizado pela Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil. Lançado oficialmente em São Paulo, o documento é fruto de uma análise crítica sobre o papel econômico, social e político do agronegócio e busca questionar a narrativa dominante que apresenta o setor como motor do desenvolvimento nacional.

Segundo os organizadores, o relatório foi desenvolvido a partir de dados oficiais de comércio exterior, estatísticas de crédito rural e estudos acadêmicos. O objetivo, como afirmam os autores, é traçar avaliações honestas que analisem o que de fato essa aposta na especialização primário-exportadora representa para o país.

Crédito rural: Robin Hood às avessas

O relatório evidencia que a política de crédito rural no Brasil privilegia grandes exportadores em detrimento da agricultura familiar. Os números mostram que no Plano Safra 2023/2024 foram destinados R$ 435 bilhões em créditos, sendo R$ 364 bilhões para o agronegócio e apenas R$ 71 bilhões para a agricultura familiar.

Os autores denunciam que o Estado atua como um “Robin Hood às avessas”, retirando recursos da sociedade para fortalecer os produtores mais ricos.

O empresariado do agronegócio exportador tem acesso a muito mais recursos financeiros que os camponeses agricultores familiares, que abastecem as feiras das cidades”.

Monoculturas: concentração e riscos ambientais

A crítica ao modelo de monocultura perpassa todo o relatório. Segundo os autores, ao destinar a maior parte dos financiamentos às lavouras de exportação, o Estado incentiva a concentração fundiária e a substituição de alimentos básicos por commodities. Isso compromete a segurança alimentar interna e encarece produtos como arroz e feijão.

Além disso, o modelo baseado em monoculturas amplia a devastação ambiental:

Toda essa produção do setor primário é realizada sob baixa geração de empregos e com os salários mais baixos no mercado de trabalho, contando aí com os impactos ambientais oriundos do desmatamento, queimadas e uso megalomaníaco de agrotóxicos, podendo levar os nossos biomas a um ‘ponto de não retorno"

Incentivos fiscais e isenções: a socialização dos prejuízos

Outro ponto central é a análise dos incentivos fiscais que favorecem o agronegócio. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que em 2023 o setor deixou de pagar R$ 59,7 bilhões em impostos, apenas em renúncias fiscais ligadas à agropecuária.

A crítica recai especialmente sobre a isenção de agrotóxicos, responsáveis por impactos severos na saúde e no meio ambiente.

Seria urgente calcular os gastos do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que este recebe inúmeros casos de intoxicação e cânceres provavelmente relacionados ao uso de agrotóxicos”.

Além disso, a manutenção da Lei Kandir, de 1996, é considerada um dos maiores mecanismos de drenagem de recursos públicos. A lei isenta de ICMS produtos primários e semielaborados destinados à exportação, o que, segundo os autores, já não faz sentido econômico:

Nunca foi possível interromper esse benefício, que perdeu sentido há tempos, mas a pressão dos ruralistas por sua permanência é violenta”.

Preços altos e insegurança alimentar

Embora o agro seja responsável por superávits comerciais, o relatório demonstra que isso não se traduz em alimentos acessíveis para a população. Pelo contrário, a substituição de áreas destinadas a culturas básicas, como arroz e feijão, por soja e milho de exportação pressiona os preços internos.

 Essa política de crédito rural produz alimentos a bons preços no mercado internacional e comida cara para os brasileiros”.

O relatório ainda afirma:


O empresariado do agronegócio exportador tem acesso a muito mais recursos financeiros que os camponeses agricultores familiares que abastecem as feiras das cidades.

E reforça que:

Muito mais recursos financeiros são ofertados e distribuídos aos produtores de commodities de exportação, enquanto os produtores, que visam o mercado interno e que produzem a maior parte dos alimentos que compõem a cesta básica, recebem muito menos financiamento.

Agricultura familiar produz maior parte dos alimentos e recebe muito menos financiamento
Foto: Filipe Augusto Peres

Impactos ambientais e sociais

O relatório também alerta para os efeitos do modelo agroexportador sobre o meio ambiente e a sociedade. A expansão do agronegócio está diretamente ligada ao desmatamento, às queimadas e ao uso recorde de agrotóxicos, colocando biomas em risco de colapso.

Além disso, dados mostram que a agropecuária representa 7,9% do PIB nacional, gera apenas 3% dos empregos formais e responde por menos de 1,5% da arrecadação tributária, apesar de abocanhar uma fatia de 13,5% dos benefícios tributários.

Um pacto desigual

O documento conclui que o agronegócio não representa um bom negócio para o Brasil, mas sim um modelo que aprofunda desigualdades, precariza a segurança alimentar e ameaça o equilíbrio ambiental.

“O agronegócio é um setor profundamente privilegiado pelo Estado. Alimenta-se dos fundos públicos e da estrutura político-administrativa das nossas instituições para ser o que é. Sendo tão privilegiado, ele constitui um grande problema para a sociedade brasileira”.

Leia o relatório na íntegra clicando aqui

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