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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Republicando-Ribeirão: 75% da população vive nos bairros populares. Por que só a zona sul?




Ribeirão Preto,
uma cidade para todos:
Um projeto da periferia para o centro

Uma administração pública só faz sentido se servir para melhorar a vida das pessoas. Essa é a lógica correta que qualquer um que queira fazer algo que realmente dignifique o posto de administrador público deve seguir.

E na hora de definir prioridades, é melhor que essas prioridades sejam dadas a quem mais necessita, pois priorizar os que mais precisam significa incluir, construir um modelo de cidade (e de sociedade) mais justa e solidária, onde todos saiam ganhando.

Já o contrário é um problema. Quando o poder econômico (que financia as campanhas) dita as normas da administração pública, surge uma seletividade perversa: a prioridade dada aos mais ricos gera exclusão e uma infinidade de problemas que acaba prejudicando a vida de todos.

É isso que sinto quando vejo a eterna discussão sobre um projeto de “revitalização” do centro da cidade.

Essa discussão serve de exemplo de como Ribeirão Preto perdeu o seu rumo, perdeu a capacidade de se enxergar como ela realmente é, ou melhor, como ela se tornou nos últimos 20 anos.

Há duas décadas a cidade só privilegia a zona sul e não há nenhuma política urbana ou de planejamento econômico que contrarie os interesses da especulação imobiliária e do empresariado e que dê valor para os bairros populares.

Construímos uma cidade dividida com mais de 62% da população vivendo em bairros populares das zonas norte, leste e oeste (se incluirmos os bairros pobres da zona sul, teremos mais de 75% da população) e com mais de 80% dos investimentos indo para a zona sul.

Privilegiando a zona sul, condenou-se não só a periferia, mas também o centro, que se tornou um local de passagem e comércio diurno, morto no período noturno. Seus 25 mil moradores sofrem com as deficiências da região central.

Na chamada periferia, 75% da população (15 mil pessoas em favelas e ocupações) vive uma vida dura. Transporte coletivo ruim, atendimento em saúde precário, 0,2m2 por habitante de área verde (quando a OMS recomenda que sejam 12m2 por habitante), sem creches públicas suficientes, violência, praças abandonadas (quando há praça nos locais) e uma completa ausência de opções de lazer e cultura.

O plano diretor aprovado em 1995, e que deve ser revisado decenalmente, jamais serviu de instrumento para que o poder público realizasse uma política estratégica nos bairros populares. Mas o tema “revitalização do centro” é recorrente.

É como se quiséssemos desesperadamente um centro bonitinho que disfarce nossas mazelas.

Muitos foram os projetos, desde 1991, e nada. Sempre o que se vê é um escritório de arquitetura famoso, contratado por uma “liga da salvação” liderada por pessoas que não vivem o centro e nem a periferia. No máximo vão aos espetáculos no Pedro II, deixam seus carrões nos estacionamentos e vão embora ao fim do espetáculo.

E mais uma vez se monta um grupo para elaborar mais um projeto. Confesso que o projeto atual tem fundamentos corretíssimos como buscar desenvolver na população a empatia pelo centro, despertar o sentimento de pertencimento e coparticipação, tornar a região mais do que somente comércio, mas também local de lazer, cultura, convivência etc.

Além de ter chegado tarde e com cheiro de campanha eleitoral, acredito, com todo respeito, que mais uma vez o projeto não vai vingar, por um simples motivo: a sensação de pertencimento deve ser na cidade toda!

O povo não vai desenvolver a sensação de respeito e empatia pelo centro se ele próprio não se sente pertencente e nem respeitado pela sua cidade no local onde mora.

Não adianta sonhar com um centro colaborativo e harmônico se 75% da população vive em total desarmonia nos seus bairros.

Precisamos revitalizar o centro, claro, mas com uma visão de conjunto, de inclusão e de desenvolvimento da cidade como um todo, reduzindo as desigualdades e criando oportunidades cidadãs.

Por isso que uma liderança ou força política que tenha a missão de revitalizar o centro precisa começar a sua obra na periferia. Construir uma cidade para todos é desenvolver um projeto de cidade que venha da periferia para o centro.

10- Enfrentar o casuísmo político e a especulação imobiliária e revisar o Plano Diretor. Unir isso à criação de uma Secretaria de Habitação e uma Secretaria de Transporte: implementar uma ampla política de desenvolvimento urbano, criando as zonas de interesse social, integrando política de moradia, a lei de uso e ocupação do solo, o plano viário e a política fiscal (IPTU progressivo). Planejar o desenvolvimento das principais artérias dos bairros populares usando as ferramentas do poder público para aproximar o emprego da moradia, além de romper com o modelo de cidade dividida entre bairros ricos e bairros pobres.

20- Enfrentar a política pequena, aquela que sobrevive do toma lá dá cá e de picuinhas (como a que castigou a cidade recentemente atrasando a vinda de 300 milhões para a mobilidade urbana ou aquela que há 15 anos soterrou o projeto Vale dos Rios, que revitalizaria a região da baixada), e estabelecer um debate amplo em torno de projetos importantes para o município e para o povo. Melhorar a mobilidade urbana é tornar a cidade acessível ao cidadão.

30- Fazer o resgate histórico e cultural da cidade toda, não só do centro. Ao mesmo tempo em que é importante e necessário se resgatar a história do centro, com suas ruas e fachadas, é importante também resgatar a história dos bairros tradicionais. A rua Barão do Amazonas é tão importante quanto a 1o de Maio, a Álvares Cabral tem tanta importância quanto a avenida da Saudade. O casarão da Caramuru ou a estação do Ipiranga têm o mesmo valor histórico que o palacete Camilo de Matos. A biblioteca Altino Arantes deve ter a mesma importância das bibliotecas nos bairros. O processo de ocupação ao longo do córrego Tanquinho, alguém conhece essa história? Isso é valorizar a história popular.

40- Resgatar os centros culturais e construí-los nos bairros que não os têm. Integrá-los aos equipamentos culturais mais conhecidos, como os teatros municipais. Fortalecer as expressões culturais dos bairros e fazer a conexão com o centro, como acontece com a garotada do Sarau Preto, do Centro Cultural do Quintino II.

50- Resgatar as praças e os parques municipais. Além das cinco que existem no quadrilátero central, há outras dezenas espalhadas pelos bairros. Cuidar das praças e abri-las aos jovens, aos grupos artísticos. Dar uma função social e cultural para as praças. Torná-las locais de convivência e não de vazios destinados à marginalidade. Nesse sentido, dar uma função cultural para a Praça Carlos Gomes é tão importante quanto dar a mesma função para a Praça do Trabalhador no JD. Presidente Dutra.

60- Fortalecer e dar vida aos conselhos populares: educação, saúde, moradia, mulheres, igualdade racial, meio ambiente, cultura, Consegs. A população só vai desenvolver o sentimento de pertencimento ao ter participação real na vida do município, juntando o local com o global.

Juntar economia com cultura, educação com empreendedorismo, liderança com participação popular. É disso que precisamos. Pensar ao mesmo tempo no “Quarteirão Paulista” e nos centros culturais nos bairros. Pensar no comércio do calçadão central mas também no comércio da D. Pedro ou da Henrique Dumont.
Sem o desenvolvimento dos bairros populares, sem enfrentar e quebrar a lógica perversa da especulação imobiliária de nada adianta pensar em “revitalizar” o centro.

Ou pensamos a cidade como um todo ou continuaremos a ver projetos nunca consolidados.

Afinal, o centro não é uma ilha e nem propriedade de meia dúzia que sonha em fazê-lo bonitinho para quando for lá assistir a algum espetáculo no Theatro Pedro II. O centro é mais do que isso, é o coração de uma cidade que só será revitalizado se o seu corpo acompanhar o processo.

O centro, os bairros, Ribeirão Preto toda deve pertencer ao povo. 

Uma cidade para todos.


Ricardo Jimenez

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