Ribeirão
Preto,
uma
cidade para todos:
Um
projeto da periferia para o centro
Uma administração pública
só faz sentido se servir para melhorar a vida das pessoas. Essa é a lógica
correta que qualquer um que queira fazer algo que realmente dignifique o posto
de administrador público deve seguir.
E na hora de definir
prioridades, é melhor que essas prioridades sejam dadas a quem mais necessita,
pois priorizar os que mais precisam significa incluir, construir um modelo de
cidade (e de sociedade) mais justa e solidária, onde todos saiam ganhando.
Já o contrário é um
problema. Quando o poder econômico (que financia as campanhas) dita as normas
da administração pública, surge uma seletividade perversa: a prioridade dada aos
mais ricos gera exclusão e uma infinidade de problemas que acaba prejudicando a
vida de todos.
É isso que sinto quando
vejo a eterna discussão sobre um projeto de “revitalização” do centro da
cidade.
Essa discussão serve de
exemplo de como Ribeirão Preto perdeu o seu rumo, perdeu a capacidade de se
enxergar como ela realmente é, ou melhor, como ela se tornou nos últimos 20
anos.
Há duas décadas a cidade
só privilegia a zona sul e não há nenhuma política urbana ou de planejamento
econômico que contrarie os interesses da especulação imobiliária e do
empresariado e que dê valor para os bairros populares.
Construímos uma cidade
dividida com mais de 62% da população vivendo em bairros populares das zonas
norte, leste e oeste (se incluirmos os bairros pobres da zona sul, teremos mais
de 75% da população) e com mais de 80% dos investimentos indo para a zona sul.
Privilegiando a zona sul,
condenou-se não só a periferia, mas também o centro, que se tornou um local de
passagem e comércio diurno, morto no período noturno. Seus 25 mil moradores
sofrem com as deficiências da região central.
Na chamada periferia, 75%
da população (15 mil pessoas em favelas e ocupações) vive uma vida dura.
Transporte coletivo ruim, atendimento em saúde precário, 0,2m2 por
habitante de área verde (quando a OMS recomenda que sejam 12m2 por habitante),
sem creches públicas suficientes, violência, praças abandonadas (quando há
praça nos locais) e uma completa ausência de opções de lazer e cultura.
O plano diretor aprovado
em 1995, e que deve ser revisado decenalmente, jamais serviu de instrumento
para que o poder público realizasse uma política estratégica nos bairros
populares. Mas o tema “revitalização do centro” é recorrente.
É como se quiséssemos
desesperadamente um centro bonitinho que disfarce nossas mazelas.
Muitos foram os projetos,
desde 1991, e nada. Sempre o que se vê é um escritório de arquitetura famoso,
contratado por uma “liga da salvação” liderada por pessoas que não vivem o
centro e nem a periferia. No máximo vão aos espetáculos no Pedro II, deixam
seus carrões nos estacionamentos e vão embora ao fim do espetáculo.
E mais uma vez se monta um
grupo para elaborar mais um projeto. Confesso que o projeto atual tem
fundamentos corretíssimos como buscar desenvolver na população a empatia pelo
centro, despertar o sentimento de pertencimento e coparticipação, tornar a
região mais do que somente comércio, mas também local de lazer, cultura,
convivência etc.
Além de ter chegado tarde
e com cheiro de campanha eleitoral, acredito, com todo respeito, que mais uma
vez o projeto não vai vingar, por um simples motivo: a sensação de
pertencimento deve ser na cidade toda!
O povo não vai desenvolver
a sensação de respeito e empatia pelo centro se ele próprio não se sente
pertencente e nem respeitado pela sua cidade no local onde mora.
Não adianta sonhar com um
centro colaborativo e harmônico se 75% da população vive em total desarmonia
nos seus bairros.
Precisamos revitalizar o
centro, claro, mas com uma visão de conjunto, de inclusão e de desenvolvimento
da cidade como um todo, reduzindo as desigualdades e criando oportunidades
cidadãs.
Por isso que uma liderança
ou força política que tenha a missão de revitalizar o centro precisa começar a
sua obra na periferia. Construir uma cidade para todos é desenvolver um projeto
de cidade que venha da periferia para o centro.
10- Enfrentar o
casuísmo político e a especulação imobiliária e revisar o Plano Diretor. Unir
isso à criação de uma Secretaria de Habitação e uma Secretaria de Transporte:
implementar uma ampla política de desenvolvimento urbano, criando as zonas de
interesse social, integrando política de moradia, a lei de uso e ocupação do
solo, o plano viário e a política fiscal (IPTU progressivo). Planejar o
desenvolvimento das principais artérias dos bairros populares usando as ferramentas
do poder público para aproximar o emprego da moradia, além de romper com o
modelo de cidade dividida entre bairros ricos e bairros pobres.
20- Enfrentar a
política pequena, aquela que sobrevive do toma lá dá cá e de picuinhas (como a
que castigou a cidade recentemente atrasando a vinda de 300 milhões para a
mobilidade urbana ou aquela que há 15 anos soterrou o projeto Vale dos Rios,
que revitalizaria a região da baixada), e estabelecer um debate amplo em torno
de projetos importantes para o município e para o povo. Melhorar a mobilidade
urbana é tornar a cidade acessível ao cidadão.
30- Fazer o
resgate histórico e cultural da cidade toda, não só do centro. Ao mesmo tempo
em que é importante e necessário se resgatar a história do centro, com suas
ruas e fachadas, é importante também resgatar a história dos bairros
tradicionais. A rua Barão do Amazonas é tão importante quanto a 1o
de Maio, a Álvares Cabral tem tanta importância quanto a avenida da Saudade. O
casarão da Caramuru ou a estação do Ipiranga têm o mesmo valor histórico que o
palacete Camilo de Matos. A biblioteca Altino Arantes deve ter a mesma
importância das bibliotecas nos bairros. O processo de ocupação ao longo do
córrego Tanquinho, alguém conhece essa história? Isso é valorizar a história
popular.
40- Resgatar os
centros culturais e construí-los nos bairros que não os têm. Integrá-los aos
equipamentos culturais mais conhecidos, como os teatros municipais. Fortalecer
as expressões culturais dos bairros e fazer a conexão com o centro, como
acontece com a garotada do Sarau Preto, do Centro Cultural do Quintino II.
50- Resgatar as
praças e os parques municipais. Além das cinco que existem no quadrilátero
central, há outras dezenas espalhadas pelos bairros. Cuidar das praças e
abri-las aos jovens, aos grupos artísticos. Dar uma função social e cultural
para as praças. Torná-las locais de convivência e não de vazios destinados à
marginalidade. Nesse sentido, dar uma função cultural para a Praça Carlos Gomes
é tão importante quanto dar a mesma função para a Praça do Trabalhador no JD.
Presidente Dutra.
60- Fortalecer
e dar vida aos conselhos populares: educação, saúde, moradia, mulheres, igualdade
racial, meio ambiente, cultura, Consegs. A população só vai desenvolver o
sentimento de pertencimento ao ter participação real na vida do município,
juntando o local com o global.
Juntar economia com
cultura, educação com empreendedorismo, liderança com participação popular. É
disso que precisamos. Pensar ao mesmo tempo no “Quarteirão Paulista” e nos
centros culturais nos bairros. Pensar no comércio do calçadão central mas
também no comércio da D. Pedro ou da Henrique Dumont.
Sem o desenvolvimento dos
bairros populares, sem enfrentar e quebrar a lógica perversa da especulação imobiliária
de nada adianta pensar em “revitalizar” o centro.
Ou pensamos a cidade como
um todo ou continuaremos a ver projetos nunca consolidados.
Afinal, o centro não é uma
ilha e nem propriedade de meia dúzia que sonha em fazê-lo bonitinho para quando
for lá assistir a algum espetáculo no Theatro Pedro II. O centro é mais do que
isso, é o coração de uma cidade que só será revitalizado se o seu corpo
acompanhar o processo.
O centro, os bairros,
Ribeirão Preto toda deve pertencer ao povo.
Uma cidade para todos.
Ricardo Jimenez
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