Por: Luciana Porfirio
A comunicação
pelas redes sociais é legítima quando o gestor público se dispõe a identificar
seus atos – desde que verdadeiros, em observância aos princípios da
administração pública: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade,
proporcionalidade, eficiência, razoabilidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Bem, os
primeiros são previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e os
demais, acrescidos pelo regime político previsto no art. 2.º da Lei Federal
9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Se um gestor vai à público informar
sobre seus atos administrativos, isso não fere a impessoalidade e a moralidade,
e ainda confere, obrigatoriedade em relação a legalidade e a publicidade de
tais atos. O excesso de liberdade na informação promovido pelos usos das redes
sociais se combate com mais liberdade de informação. Contudo, o que esperamos
de um gestor na esfera pública é que a sua comunicação se faça com ampla
liberdade, detalhamento e responsabilidade por ela, para ser cobrado pelo que
fez ou falou. A impessoalidade de tais atos é uma exigência tanto nas publicações
oficiais quanto na comunicação com os cidadãos e profissionais de uma
determinada categoria profissional, decorrente do fato destes gestores serem nomeados
para servir ao que é público, mesmo que tenham alinhamentos ideológicos
voltados para o setor privado.
Dito isto, ninguém pode impedir um
gestor público de falar, por outro lado, se a recíproca é verdadeira para esses
representantes, ela é, igualmente verdadeira para os representados. Uma coisa
são as nomeações políticas, outra, cargos comissionados e muito diferente, candidatos
Co parlamentares à câmara que foram democraticamente eleitos. Estas questões
não se confundem na esfera administrativa de uma rede educacional ou município.
A carreira docente tem sido cada vez
mais, menos atrativa, porque, além de exigir um enorme investimento pessoal e
familiar (diplomas e aprovação em concursos) esse futuro profissional tem se
mostrado inócuo, baixos salários, impossibilidade de ascensão pessoal,
condições precárias de trabalho, muito malabarismo; conciliar o ato de ensinar
com tantas outras coisas em razão da própria natureza desse trabalho e que envolvendo
uma teia de pessoas, sejamos sinceros, não é tarefa para amadores.
O grupo “Educação em Ribeirão Preto”
surgiu da necessidade de lutarmos para a melhoria das escolas, das condições infra
estruturais, materiais e pedagógicas para elevarmos a aprendizagem das crianças
que necessitam da escola pública, é um direito constitucional inalienável dos indivíduos.
Mas também, para lutar contra essa tendência à desvalorização profissional em
todas as suas dimensões e pelo hábito histórico de tentar transformar
professores em parentes postiços.
A profissão docente exige seriedade,
preparo científico, físico, emocional, afetivo, investindo profissional e
pessoalmente em um tipo de atividade que se caracteriza pela empatia - querer
bem não só aos outros, mas a todos. É impossível ensinar sem essa bravura
indômita, essa valentia de amar, de insistir, persistir e lutar, antes de jogar
a toalha ante o autoritarismo e o “todo poderosismo”, que não admite o desvelamento
das falácias usadas para tornar opaca a realidade de fatos.
Assim, a coragem para permanecer
ensinando nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo
aos cinismos, aos “pacotes pedagógicos” forjados pelos sabichões e sabichonas
de gabinete que, adotando a vassalagem mental e os corpos dóceis, abandonam a
sala de aula para obter privilégios, vantagens materiais e pessoais e, cujas
propostas sem base dialética são produzidas com o pretexto de “formar cidadania
crítica”, de garantir o direito à aprendizagem das crianças, acabam caindo por
terra quando fatos são expostos, como fatos que são e não “fofocas” de
bastidores da administração pública.
Aliás, as fofocas são um fenômeno
existente em muitos ambientes de trabalho. As redes de WhatsApp potencializaram
muito isso. Esses fenômenos se assemelham as fakes News que tem ajudado
governos elitistas, autoritários e enganadores a se elegerem, graças a
incorporação das fofocas e mentiras propagadas pelos grupos destes aplicativos.
Fofoca é também o que ocorre quando um (a) gestor (a), infiltra-se no grupo de
profissionais de uma escola e, ao invés de se ocupar de suas funções, se
prestam ao servicinho medíocre de printar os comentários feitos pelos
profissionais do grupo e encaminhá-los aos representantes da educação na
secretaria.
Inclusive, aos gestores que
estiverem, porventura, fazendo isso, fiquem informados de que quem compartilha
registros de conversas entre duas ou mais pessoas por meio de mensagens
trocadas em um grupo de aplicativos, incorre em crimes. Isto porque, entende-se
que essa troca de mensagens é “privada”. O artigo 151 do Código Penal informa
que quem, de forma indevida, divulga ou transmite a terceiros, em especial, se
estes terceiros estão fora do referido grupo, à revelia da pessoa que teve a
conversa “retransmitida”, incorre em vários crimes:
a) de invasão de privacidade, por
questões óbvias;
b) abuso de poder, quando o
compartilhamento é por hierarquia ascendente,
c) assédio moral, que pode ser
ascendente, descendente ou misto.
A pena prevista são multa e de um a
seis meses de detenção. Isto serve também serve também para àquelas pessoas que
no grupo batem palminha para as falas insultivas dos gestores, que além de não
estarem se ocupando de informar atos decisórios públicos pautados pela
impessoalidade, moralidade e veracidade, estão tentando desqualificar lutas que
são legítimas. As pessoas que assim agem, estão apenas querendo se projetar,
invisíveis que são, à gestão que os desprezam. Quando isso ocorre é porque
estão a guardar dentro de si a mente dominadora, a ideologia autoritária de uma
administração perversa que diz que faz algo que não faz, e nem vai fazer: o
bem público. O que elas querem com estas palminhas, likes e coraçõezinhos
de emojis em comentários dos gestores desqualificando uma categoria
profissional ou pessoas, é mostrar para estes gestores que ‘pensam que pensam’,
mas isso não é verdade, sucumbidas e fascinadas que estão pela luz dos falsos
brilhantes.
De sua sala, de um grupo, de um
gabinete, uma diretora pode controlar o que dizem e fazem as professoras na
intimidade de seu mundo, seja pessoal ou profissional, o que ela não pode fazer
e nem tem coragem para fazê-lo, motivo pelo qual muitas não estão aqui, é
controlar cinquenta, duzentos, trezentos. professores ao mesmo tempo.
Então, elas se iludem, pensando que
estão a serviço da nação, do Estado, da cidade, afirmando, a exemplo de um
certo parasita, disfarçado de ser humano de que “O Brasil não pode parar”,
fazendo mais como dúvida do que como assertiva, simplesmente, porque estão na
contramão daquilo que está a se defender agora: vidas humanas.
Estes e muitos outros discursos
técnico-burocráticos, são facilmente fragilizados quando, cientes e conscientes
da deontologia da profissão, nossos colegas vêm a público defender o direito
basilar a vida, pontuando situações reais que ocorreram e serem hodiernamente
mais desqualificados, estendendo a desvalorização a toda a categoria. O fato é
que somos agentes e não “pacientes”.
Bem, seu sou Professora, é isso que
eu sou. O colega chamado de hipócrita também é. Muitos que opinam, falam nesse
grupo também são, ainda que, já tenha sido dito em uma reunião pública do Conselho
Municipal da Educação (CME) que aqui se diz “bobagens”.
Aprendi, humildemente, que quando
luto pelo bom, pelo justo, pelo lado certo das coisas, eu estou sendo
professora em tempo integral. A gente ensina também lutando e por tantos
esclarecimentos que tentamos fazer. Por isso, aprendi que, enquanto categoria,
precisamos estar ao lado de nossos companheiros, não cegamente, mas fazendo o
bom combate, que é a disposição pela briga lúcida, justa em defesa dos nossos
direitos, dos nossos alunos e seus familiares, pelo bem público, servidores
deste mesmo público que somos. O que quero dizer é que não sendo a escola
neutra, a sua administração também não é, por mais técnica que queira parecer
ser, mas o que não se pode aceitar, de jeito nenhum, é essa tendência de
transformar a coisa pública em uma espécie de “gueto” partidário para fazer valer
projetos sucateadores dos bens públicos para o quais foram eleitos para
administrarem e não tomarem para si.
Inegável também é o fato de que entre
o partido, governo há muita coerência pedagógica em torno das opções políticas
que defendem, suas linhas ideológicas e seus atos administrativos. Não é à toa
que, por diferentes falas mansas e ameaças veladas, se busca meter medo à
liberdade. Como consta no livro “Professora sim, tia não” de Paulo Freire,
p.13.
Preferências políticas reconhecíveis ou ficando
desnudas através das opções de governo, explicitadas desde a fase da campanha
eleitoral, reveladas nos planos de governo, na proposta orçamentária, que é uma
peça política e não só técnica, nas linhas fundamentais de educação, de saúde,
de cultura, de bem-estar social; na política de tributação, no desejo ou não de
reorientar a política dos gastos públicos, no gozo com que a administração
prioriza a boniteza das áreas já bem tratadas da cidade em detrimento das áreas
“enfeiadas” da periferia...
Ou ainda, na reintegração de posse de
áreas onde vivem os “descamisados” durante a pandemia com variante agravada, ou
quando se compra máscaras ruins rejeitadas pela OMS e Anvisa para docentes, ou
ainda, quando se faz chamada às empresas privadas para pagar quase um milhão
para fazer reforma administrativa buscando retirar ainda mais direitos dos
servidores públicos em uma associação vil de que crises orçamentárias passam
pelo pagamento da folha destes trabalhadores legítimos na esfera pública. E,
mais ainda, a necessidade se ver falando entre nós só existe porque a administração
da coisa pública, de ontem e de hoje, está comprometida com o projeto de um
governo sob o qual fizeram escola.
Se a administração da cidade, do
estado ou do país fosse uma coisa “neutra” tudo bem, porém, essa neutralidade
não existe. Por isso mesmo, vamos entender a situação de ontem e porque a professora
não é tia, mas poderia ser.
O autoritário, sai a defesa sectária
da verdade forjada, a qual, não admite desconfianças, em torno dela, quanto
mais, a exposição de suas incoerências. Quando se desocultam as falácias
populistas é que vimos vir à tona os pensamentos disfarçados de vontade de
dialogar, de liberalidade e bondade, habilmente utilizadas para escamotear os
valores enraizados do autoritarismo, elitismo e machismo porque a “tia” na
história da profissão docente tem relação com a “feminização do magistério”.
Qualquer pessoa que entende, um pouco
de educação, sabe que o deboche “tia do zap” é um clichê. Aliás, também uma
apropriação de um bordão que usamos na política para identificar como governos
de extrema direita angariaram o poder com as correntes das fakes News
espalhadas pelos “tios do zap”. Mas quando veio para o magistério,
predominantemente feminino, há essa inversão de gênero. Mulheres não tem esse
tempo não.
Mas, enfim, qualquer um que entenda
de educação e com ela se preocupa, não “marqueteia” suas práticas e, sendo um
pouco mais sabido, defenderia sim a professora como tia, porque quanto mais
“tia”, mais bem comportada, dócil para seus sobrinhos, inclusive, considerando
a escola e sua administração, um espaço preocupado unicamente com o “ensinar e
aprender”, o que não se faz sem as condições específicas.
Mas professores não são bois mansos
ou “tias” boas (ou boas tias?) que não se rebelam para serem “referências” para
seus sobrinhos, tias também não fazem greve. Somos professoras, Professores e
enquanto tais, não nos comportamos como gado a caminho do matadouro. Ensinar é
profissão, militância, luta, investimento em formação, é cientificidade, é
conhecimento, disposição, compromisso, ética, justiça, zelo e desvelo.
Tia é parentesco. Posso ser tia sem
querer, não gostar dos sobrinhos, nem tenho escolhas se quero ou não o ser. Mas
não posso ser docente sem compromisso com os alunos e suas famílias. Não se
menospreza a figura da tia em nossa profissão, quando, apesar de inúmeras
explicações sobre isso, as crianças insistem em assim nos chamar. Mas quando um
gestor público considera “normal” reduzir uma categoria a essa condição, o faz
como distorção fictícia. Aceitamos das crianças menores de 6 (seis) anos que
nos chamem de “tia” (nem todos nós), explicamos a ela e muitas entendem, mas
advindo do mundo adulto, é pura vontade de desqualificar as lutas e
posicionamentos legítimos, e isso porque, em realidades desiguais, temos o
dever moral, ético e justo de desocultar a opacidade das pseudoverdades
favorecedoras dos cambados em defesa dos fracos, pobres e oprimidos (sem ser
querer ser piegas).
Gestão pautada em discurso técnico e
de natureza puramente administrativa é o meio eficaz de comunicar os objetivos
de um governo de forma escamoteada e se faz isso como autoconvencimento de que
os instrumentos técnicos-administrativos não se travestem dos vieses
ideológicos e políticos com os quais a direita vem acusando servidores. O que
não pode, contudo, é desconhecer as implicações escondidas nas manhas e
artimanhas ideológicas que envolvem a redução da condição de professora à de
tia e o quanto vilipendioso isso é.
Que uma pessoa ontem progressista
compactue com isso tudo, como muitos e muitas que vejo por aqui, me parece
possível, ainda que lamentável. Porém, por mais simpatia ou antipatia que
tenhamos com as pessoas, isso não nos obriga a trabalhar contra a vida, o justo
e o ético. Se, compromissado estou com o bem coletivo da população enquanto
gestor preciso ter a astúcia de entender que a forma como tocamos e usamos os
poderes no mundo, nele interfere. Portanto, não é possível, estar à frente de
uma pasta fingindo não saber que ser professor é também lutar por seus direitos
para que seu trabalho seja cumprido, seu dever exercitado em condições e, há
anos, temos trabalhados sem elas. Porém, quando estas condições envolvem a vida
de seres humanos, não podemos e nem devemos deixar de debater, isso não é um
jogo de forças para vermos quem vence. O número de mortos já diz quem é que
está ganhando.
Não queremos vacinas só para nós,
queremos vacinas para todos, para as alunas e os alunos (as sobrinhas e os
sobrinhos), mas também às famílias deles, as tias e tios, inclusive. Insisto,
um, contamina duzentos. Não tem protocolo seguro presencial em nossas
realidades escolares, ponto. Não há discursos e atos técnicos que não estejam
enviesados pela ideologia do governo ao qual se está submetido. O remoto foi o
formato adotado quando conveniente. Pois, que se faça justiça, cumpra o
prometido e permaneça, minimamente, com essa atividade por essa via.
Agora, quando disserem que querem
“nos ouvir”, escutem-nos. Compreendam que ouvir e escutar são coisas distintas.
A escuta não é uma função passiva; ela põe em movimento o sujeito, fazendo-o
falar, deparar-se com seu não saber, com suas dúvidas acerca de um monte de
coisas, isso é saudável, ajuda a nos posicionar perante uma realidade da qual
queremos participar e na qual queremos o direito de ter voz ativa, o que
implica que possamos também se expressar de forma respeitosa uns com os outros.
Esse é o único diálogo possível.
Com todo o respeito e reconhecimento
que vejo em alguns esforços da pasta tentando ser realizado, foi feito um post
legítimo explicando alguns fatos. A resposta dada, desviou o foco do debate
para um “bate boca” com o intuito de desqualificar o profissional que o fez, a
entidade que o representa, inclusive distorcendo muitas das situações a fim de confundir
e dividir.
Não penso que os comissionados sejam incompetentes
(minha visão), mas na história da rede, esse adjetivo inclusive parecia ser o
critério, além do famoso puxa-saquismo pedante. Também não se confunde,
nomeados, comissionados e eleitos, democraticamente, em um coletivo que tem
trabalhado intensamente para representar a educação, aliás, o qual a SME
deveria agregar para pensarmos coletivamente em resoluções. Isso seria
parceiro, independente de posicionamentos políticos, porque a educação está
acima disso, ou deveria estar.
Nesse sentido, entendo o cansaço do Secretário
da Educação com toda a situação, mas o fato é que desprezar o que os
professores fizeram em 2020, desconsiderar a realidade vivida, o número de
professores contaminados e mortos, as condições efetivas em que trabalharam
cada um, dizer que se for pra ser remoto o "teletrabalho" resolve, é
leviandade e distorção.
Assinado: uma “Tia” do Zap.