Juiz(a)
de Direito: Dr(a). Vanessa Aparecida
Pereira Barbosa
Vistos.
Aportaram no plantão judiciário
desta data duas demandas, quais sejam, o presente mandado de segurança coletivo
preventivo nº 1000036-89.2020.8.26.0530, impetrado pelo PARTIDO SOCIALISMO E
LIBERDADE PSOL - RIBEIRÃO PRETO - SP MUNICIPAL e a medida cautelar
assecuratória com pedido de liminar nº 1009551-26.2020.8.26.0506, manejada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de GIOVANNA DENISE SANTANA
PIOVAN, ANDREI COELHO, MAICON TROPIANO, RAPHAEL FESTUCCIA MENOSSI e DANILO
PEREIRA CERQUEIRA, todos qualificados nos autos.
Embora não idênticos os pedidos,
o segundo acima citado contempla e extrapola o objeto do primeiro, de modo que
os aprecio por meio de única decisão.
Feita
esta ponderação inicial, passo a relatar as demandas.
Versa o
mandado de segurança coletivo preventivo nº 1000036-89.2020.8.26.0530,
impetrado pelo PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE PSOL
- RIBEIRÃO
PRETO - SP
MUNICIPAL,
por seu órgão de direção local, representado por seu presidente municipal JOÃO
BRAZ BATIZZOCO, sobre o ato ilegal caracterizado
por iminentes manifestações políticas previstas para os dias 27 e 28 correntes.
Visa à suspensão de tais atos que importarão em aglomeração de pessoas e estão
sendo organizados por redes sociais e congêneres, em especial:
"#VOLTACOMÉRCIO BUZINAÇO - ESTÁDIO BOTA-FOGO dia 27/03 às 15h" e
"MOVIMENTO CONSERVADOR RIBEIRÃO PRETO
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DIA 29/03
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CARREATA PELA VIDA E
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FAMÍLIA! O
DECRETO Nº 076
DO PREFEITO DUARTE
NOGUEIRA É ABUSO
DE
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AUTORIDADE E CAUSARÁ DEMISSÃO DE
MILHARES DE PESSOAS NO MOMENTO QUE
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SUAS FAMÍLIAS MAIS PRECISAM DO TRABALHO
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10 HORAS
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PONTO DE PARTIDA:
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ESTÁDIO
BOTA-FOGO TRAJETO: COSTÁBILE ROMANO, AV. NOVE DE JULHO, AV. INDEPENDÊNCIA, JOÃO
FIÚSA, WLADIMIR MEIRELES, CARLOS CONSONI, AV. HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO.
RETORNA ATÉ CHEGAR NO GUAPORÉ II - #CARREATAPORRIBEIRÃO PRETO - #VOLTA
COMÉRCIO". Postula o impetrante a concessão de tutela antecipada, inaudita altera pars, para suspender a
realização de tais eventos e outros que forem convocados nos mesmos moldes, em
desrespeito aos decretos estadual 68.441/2020 e municipal 69/2020. Requer a
expedição de ofícios à Polícia Militar e à TRANSERP para disponibilização de
efetivo para coibir as manifestações e identificar os violadores das regras previstas
nos decretos e, por fim, a fixação de multa de R$10.000,00 para cada
manifestante que comparecer ao ato e descumprir a determinação judicial.
Por seu turno, o segundo
processo, manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, trata-se de
ação cautelar assecuratória de futura investigação e potencial ação penal
contra os requeridos acima nominados, pela suposta prática dos crimes
tipificados no art. 268, cc. o no art. 286, cc. o art. 69, caput, todos do
Código Penal. Os requeridos, segundo o autor, foram identificados como
organizadores de manifestação ilegal prevista para amanhã, 29/03/2020. Conforme
documentos anexados à inicial, Giovanna Santana Piovan (celular nº
016-99759.15.78) criou grupo na rede social de WhatsApp, denominado CARREATA
REABERTURA I. O grupo é administrado
por ela em concurso com Andrei Coelho, Maicon Tropiano, Raphael e Danilo Pereira Cerqueira. Os requeridos, por
meio do indigitado grupo, se apresentam como integrantes do MOVIMENTO
CONSERVADOR RIBEIRÃO PRETO - e incitam a população em geral para participar de
ato público em desobediência e contra o Decreto n. 76, do Prefeito Duarte
Nogueira, a ser realizado no dia 29 de março de 2020, a partir das 10:00 horas,
tendo como ponto de partida o Estádio do Botafogo, nesta cidade e Comarca. Em
seguida ajustaram que farão carreata com o seguinte trajeto: Av. Costabile
Romano, Av. Nove de Julho. Av. Independência, Av. João Fiusa, Av. Wladimir
Meirelles, Av. Carlos Consoni, Av. Heráclito Fontoura Sobral Pinto e com
retorno previsto para o Bairro Guaporé2. Segundo o Parquet, a manifestação está proibida pelo Decreto 76/20, baixado
pelo Prefeito Municipal, Dr. Duarte
Nogueira, e pelo Decreto n. 64.862/20, da lavra do
Governador do Estado de São Paulo, Dr. João Doria, que instituíram o regime de
afastamento social e, por consequência, proibiram reuniões públicas por conta
da pandemia do COVID-19. Sustenta o autor que os requeridos estão contrariando
as recomendações das autoridades Estadual e Municipal, especialmente
sanitárias, comprometendo os decretos de calamidade e a política de saúde
pública de afastamento social, aumentando drasticamente os riscos de
transmissão do COVID-19. Alega que, em tese, os requeridos e outros, a serem
investigados, estão infringindo determinações dos Poderes Públicos
supracitados, que se destinam a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa, bem como incitando, publicamente, a prática de crimes, condutas
que, em tese, configuram os crimes tipificados no art. 268, cc. o no art. 286,
cc. o art. 69, caput, todos do Código
Penal. À vista destas motivações, pede, com fulcro no poder geral de cautela
criminal, inaudita altera pars, até
final investigação, sejam determinadas as seguintes providências pelos
requeridos: 1) imediata proibição da reunião/carreata, publicada na rede
social, denominada CARREATA REABERTURA I, prevista para o dia 29 de março de
2020, a partir das 15 horas, defronte ao Estádio do Bota-fogo; 1.a) a
publicação no grupo supracitado, pelos requeridos, do teor da ordem judicial
para a não realização do evento; e, após decurso de uma hora da publicação, a
1.b) extinção do grupo pelos administradores, sob pena de prisão preventiva
(art. 282, parágrafo 4º., cc. o art. 312, parágrafo único, do CPP), e multa no
importe de R$ 100.000,00 (cem mil Reais), por dia de descumprimento, para cada
requerido, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. Além dos pedidos supra,
requer o Ministério Público a busca e apreensão dos computadores dos
requeridos, nos endereços supracitados, e consequente quebra do sigilo de
dados, a fim de se apurar a extensão dos ilícitos e de outros envolvidos,
especialmente o móvel das ações criminosas, considerando, inclusive, o fato do
requerido MAICON TROPIANO ser Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo, como declarado por ele, e estarmos em período
pré-eleitoral. Além disso, requer, visando ao ressarcimento dos danos morais
coletivos já causados à sociedade, difusamente considerada, e para se evitar a
dilapidação do patrimônio, a indisponibilidade dos bens dos requeridos,
expedindo-se ofício ao BACEN, ao Cartório de Registro de Imóveis e ao CIRETRAN,
para registro da indisponibilidade e para resguardar terceiro de boa-fé,
fixando-se a responsabilidade de cada um no importe de R$ 100.000,00, valor a
ser depositado, ao final, no Fundo Municipal de Saúde. Derradeiramente,
pleiteia a expedição de ofícios ao Comando da Polícia Militar e à Guarda
Municipal e ao Prefeito Municipal, para darem cabal execução da ordem judicial,
bem como seja determinada a instauração de inquérito policial, com a
advertência a Digna
Autoridade
Policial que deverá instrui-lo no prazo de 30 dias, conforme determina a lei.
Eis o breve relatório. Passo a decidir.
Inicialmente, dou por prejudicado
o pedido formulado no mandado de segurança acerca do evento do dia 27/03/2020,
eis que o presente expediente somente foi objeto de análise por parte desta
magistrada na data de hoje, 28/03/2020.
O foco desta decisão, portanto,
recairá unicamente na manifestação convocada para o dia 29/03/2020, acima
descrita.
Os documentos que instruem a
inicial sinalizam que, de fato, pelas redes sociais e aplicativo WhatsApp, os requeridos apontados na
medida cautelar da lavra do Ministério Público do Estado de São Paulo estão a
conclamar a população para o evento supra descrito, CARREATA REABERTURA I,
previsto para o dia 29/03/2020.
Conforme bem apontado nas duas
demandas, o Estado de São Paulo e a cidade de Ribeirão Preto vivenciam estado
de quarentena, regularmente determinada pelos poderes executivos estadual e
municipal via decretos estadual nº 64881, de 22/03/2020 e municipais nº 69/2020
e 76/2020.
O artigo 4º do Decreto Estadual
assim prescreve: "Fica recomendado
que a circulação de pessoas no
âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação,
cuidados de saúde e exercícios de atividades essenciais."
O Decreto
69/2020, em seu artigo 3º prevê:
"Para o enfrentamento inicial da emergência de saúde decorrente do
Coronavírus, ficam suspensos, independentemente da aglomeração de pessoas,
pelo período de 21 de março de 2020 a 05 de abril de 2020, a saber: I - todos
os eventos públicos e privados de quaisquer natureza; II e seguintes: omissis)
O Decreto 76/2020, por seu turno,
ampliou o prazo do aludido artigo 3º do Decreto 69/2020 para 07 de abril de
2020 e ainda previu expressamente no § 4º do artigo 10 o seguinte: "Fica recomendado que a circulação de
pessoas no âmbito do Município de Ribeirão Preto se limite às necessidades
imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades
essenciais. § 5º - Fica vedada a utilização de praças e outros locais públicos
para a prática de esportes e atividades lúdicas que possam provocar
aglomeração de pessoas."
Portanto, indiscutível que
eventos e manifestações públicas que importem em circulação e aglomeração de
pessoas fora dos parâmetros estabelecidos nos regramentos, que os restringem às
atididades essenciais, estão proibidos.
Sabe -se, ademais, que citadas
normas foram editadas pelos governos estadual e municipal para a garantia da
saúde, direito fundamental social assegurado pela Constituição Federal,
prioritário em relação a demais direitos subjetivos (CF, art. 6º).
O direito à livre manifestação de
pensamento não pode suplantar e nem colocar em risco demais direitos
constitucionais. Por não ter caráter absoluto, há de ser exercido dentro dos
limites legais e em consonância com os demais direitos e garantias
fundamentais.
A carreata em questão, embora em
princípio não importe em contato pessoal entre os participantes, implicará em
mobilização e movimentação humana altamente inviável e indesejável neste
momento. É de se ponderar que a própria articulação dos serviços de
policiamento ostensivo e de fiscalização de trânsito a fim de viabilizar o
pretendido ato, já enseja contatos pessoais entre servidores públicos,
aumentando o risco de contágio dada a alta escalabilidade viral do COVID -19.
Neste contexto, é notório que a
realização de atos públicos como a indigitada carreata não somente contraria as
normas vigentes no estado e no município e as recomendações sanitárias mundiais
quanto a isolamento e quarentena, como também gera risco concreto à população
direta e indiretamente afetada pelo ato, vez que estimula circulação
desnecessária de pessoas pela cidade.
Não se pode argumentar pela
ausência de riscos gerados pelo ato, não só pelas pessoas indiretamente
atingidas, tais como os servidores públicos envolvidos no contingenciamento do
evento, conforme já dito, mas também porque os requeridos não comprovaram
científica e empiricamente que a carreata anunciada não irá gerar danos,
prejuízos e perigo à população de Ribeirão Preto, especialmente, idosos,
crianças e demais pessoas em situação de vulnerabilidade.
Por fim, a temeridade do ato
substancia-se na sabida insuficiência de estrutura hospitalar (pública e
privada) do país para suportar o aumento de contaminações.
Portanto, em um momento delicado
como o presente, em que se vivencia uma pandemia e há normativas vigentes
prevendo e recomendando, com fundamento em protocolos sanitários consensuais, o
isolamento social, a convocação do ato pelos requeridos implica não somente em
ilegalidade pelo desrespeito à legislação estadual e municipal, mas na provável
prática de crimes contra a saúde e paz públicas (respectivamente artigos 268 do
Código Penal Brasileiro - Infração de medida sanitária preventiva - "Art. 268 - Infringir determinação do
poder público, destinada a impedir
introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena - detenção, de um mês a um
ano, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é
funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico,
dentista ou enfermeiro" e Incitação
ao crime - "Art. 286 - Incitar,
publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três
a seis meses, ou multa.")
À vista de todo o exposto, fulcrada no poder geral de cautela previsto no
artigo 319 do Código de Processo Penal, DEFIRO OS SEGUINTES PEDIDOS formulados
nas ações em cotejo:
1) imediata proibição da
reunião/carreata, publicada na rede social, denominada CARREATA REABERTURA
I, prevista para o dia 29 de março de 2020, a partir das 15 horas, defronte ao
Estádio do Bota-fogo ou outro local de encontro pré-determinado pelos
organizadores;
1-a) a publicação no grupo supracitado de WhatsApp, pelos requeridos, do teor desta ordem judicial para a não
realização do evento; e, após decurso de uma hora da publicação, a extinção do grupo pelos administradores;
2)
multa no importe de R$ 100.000,00 (cem
mil reais), por dia de descumprimento,
para cada requerido da ação cautelar;
3)
busca e apreensão dos computadores dos requeridos, nos endereços supracitados,
e consequente quebra do sigilo de dados, a fim de se apurar a extensão dos
ilícitos e de outros envolvidos, especialmente a motivação das ações
criminosas, considerando, inclusive, o fato do requerido MAICON TROPIANO ser
Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como
declarado por ele, e a vigência de período pré-eleitoral.
Por outro lado, neste momento inicial, não
vislumbro razões concretas para decretação de indisponibilidade de bens dos
requeridos para futuro ressarcimento de danos
coletivos, razão pela qual INDEFIRO este especial
pedido. As medidas ora deferidas, em princípio, são capazes de conter eventuais
prejuízos, mostrando-se açodada a pretensa determinação judicial. Tal questão,
poderá, obviamente, ser reavaliada pelo juízo causa em momento futuro, caso a
situação fática a justifique.
Derradeiramente,
DEFIRO a expedição de ofícios ao Comando da Polícia Militar e
à Guarda Municipal e ao Prefeito Municipal para darem cabal execução da
ordem judicial. OFICIE-SE também à autoridade policial para a instauração de
inquérito policial em face dos requeridos na medida cautelar, com a advertência
de que deverá instrui-lo no prazo de 30 dias, conforme determina a lei.
Intimem-se
as partes, a Defensoria Pública e as Procuradorias do Estado e do
Município.
Oportunamente, redistribuam-se os feitos aos juízos
competentes, lembrando que a ação cautelar, pela natureza dos crimes, deverá
ser redistribuída ao JECRIM.
TRASLADE-SE ESTA DECISÃO PARA O PROCESSO
1009551.26.2020.8.26.0506.
Cumpra-se.
Ribeirão
Preto, 28 de março de 2020.