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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Bússola




1

Não, não sou um girassol sonâmbulo
nem ando só
o mundo se esfarela como um peixe seco
enquanto a miséria se pendura no crucifixo
como carne seca
no varal da Bolsa de Valores

Caminho sobre um mapa que chora
mas terra-mulheres com febre de justiça
me lembram a todo instante
que existem pulsações de tambores vermelhos

e bússola
coração extra
a partir de seus exemplos diários
me reequilibro

2

O tempo escorre pelos olhos de um porco dourado
que aprendeu a contar e não chora mais
me dizem “não há o que fazer”
mas eu tenho sonhos armazenados em caixas de fósforo
junto às minhas camaradas
junto aos meus camaradas
e os acendo,
brotando uma árvore em minha boca

não, caro inimigo
meu corpo não é território neutro
carrego a dor coletiva entre os dedos
e junto à uma multidão
me torno feito de agulhas e relâmpagos
em que
em todos os passos
costuramos à terra como quem se despede do céu.

3

um pássaro com três asas e nenhum nome
canta dentro do estômago
o socialismo me revira
e me impede de ser flor tola

cão de olhos vermelhos
entalado por injustiças
espinhos presos na garganta da história,
caminho descalço
sobre solos que derretem e se recompõem
mas não caminho sozinho

Às vezes mar,
às vezes cicatriz
às vezes simplesmente amar
nunca caminho em chão simples

já sei
os bancos não vão me salvar
e os algoritmos me observam
com olhos de vidro fumê
e dentes de plástico

eu sei
o mercado não passa de versão renovada do bezerro de ouro
ele flutua numa bolha de sangue
e mastiga o tempo com dentes de código binário
não posso aceitar isso

4

na enxada, camaradas escondem palavras
a luta lhes brota debaixo da unha
e fazem da mandioca um manifesto
com eles, elas e elos
marchamos com os intestinos em revolução
contra os fantasmas da Europa e suas togas
contra presidentes laranjas do Norte
e suas ações autoritárias em nome do aço

se o fascismo reaprende a coreografia das botas
no formigueiro, ligeiro,
eu reaprendo o passo das formigas
o canto das lavadeiras
o giro dos cataventos

5

entre o que sonho e o que planto
há uma terra fértil
onde mora o amanhã
com seu manto de esperança,
sua língua coletiva de povo

e sua fome querendo virar árvore frutífera


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