| Fantasmagoria (Iberê Camargo) |
arranham-se os corpos no azul espesso,
não são homens, não são deuses,
são espectros de carne ralada na espátula do tempo
um carrega o peso do agro morto,
bois empedrados nos ombros,
não mastiga, não reparte,
apenas acumula desertos latifúndios
outro risca o ar com números,
o pão se desmancha em raio distante,
o café em miragem,
o feijão em senha indecifrável
cálculo:
a faca que sempre
corta as mesmas bocas:
operárias
camponesas
o terceiro sopra moedas
como ferrugem suspensa
na mão do banqueiro: tormenta dourada
na mão da costureira: poeira que some
no centro
um sapo de carne pouca ferve
uberizado
não sabe da chama lenta que o devora
tudo pulsa em círculos,
tudo lateja em azul e negro,
os fantasmas dançam
uma liturgia de ossos e fumaça
mas nas ruas,
aos poucos
brisa a brisa
um outro sopro se ergue:
vozes riscadas na noite,
punhos que rasgarão o espectro,
matéria
viva contra a fantasmagoria do capital.
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