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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Carroças e animais: uma combinação anacrônica. Por Marcelo Botosso



       Ao longo do tempo o animal humano desenvolveu a consciência, característica essa que o colocou numa categoria particular em relação às demais espécies existentes no planeta Terra. Com isso ele percebeu que poderia subjugar outros seres vivos ao seu favor, incluindo seus pares. Foi o que ocorreu com a submissão de espécies como cães, gatos, cavalos, suínos, aves, plantas, pessoas tiradas à força da África, entre tantas outras. O Humano tornou-se o único animal agro pastoreio da Terra. Para tanto, ele desenvolveu um mecanismo que hoje chamamos de domesticação. 
            
     A palavra domesticação, bem como domicílio, tem o seu radical na palavra latina “domus”, que por sua vez remete-se a domínio. Portanto, colocar alguém sob o seu “domus”, em linhas gerais, é o mesmo que dominá-lo. Se conseguir fazer com que um ser sobreviva em sua casa, fora de seu habitat originário, seja por coerção ou por meios sutis de cooptação, você o terá dominado em seu domicílio, logo, o domesticado. 

    Na origem, ele não pertence àquele lugar. Sendo assim, podemos concluir que domesticar aplica a uma forma eufemística de escravizar (As domésticas que o digam. A conquista por garantias trabalhistas dessa categoria profissional estremeceu os herdeiros da “Casa Grande”). Transforma-se aquele agregado domiciliar em um dependente seja pela via do alimento, do abrigo, do afeto, da ideologia e até mesmo do salário, este o maior instrumento escravizador da era moderna.

     Com a capacidade de domesticar, o bicho homem não poupou em utilizar a força muscular de animais mais fortes a seu bel-prazer. O maior exemplo disso e que transcende séculos é o uso de equinos e muares como um meio de transporte e de deslocamento de cargas. Exemplo corrente, sobretudo, nas zonas rurais e subúrbios das grandes cidades brasileiras como Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Na esquecida zona norte ribeirão-pretana, o trânsito de carroças e o confinamento de animais em terrenos baldios são marcantes.

      Uma verdadeira rede de (re) produção e comércio se fez entorno da força muscular animal. Bois, junto de animais humanos, tocaram engenhos, transportaram cargas pesadas em carros tão pesados quanto eles. Cavalos agilizaram o transporte muitas vezes vencendo distancias inimagináveis com força e rapidez. Assim como mulas, burros e jumentos carregaram no lombo produtos de interesse comercial que subiam e desciam às serras no vai-e-vem entre portos litorâneos e as minas das Gerais.

        É inegável o quanto a humanidade se beneficiou com a força animal, propiciando um desenvolvimento tecnológico que hoje, através de máquinas, possibilita o deslocamento de cargas que nem o maior dos mamíferos sequer moveria. São quilos e toneladas. A engenhosidade humana parece não ter limites. Contudo, uma realidade persiste: a existência de carroceiros. Estes são condutores de primitivos veículos de tração animal - as carroças, charretes e carruagens - muitos deles de construção artesanal, que parecem fossilizados no tecido civilizatório frente às novas tecnologias.

      A existência do carroceiro não condiz com a atual realidade, seja ela de peso de cargas, trânsito de veículos, ruas e avenidas movimentadas, temperatura, composição atmosférica, qualidade do ar, exposição solar e mesmo de valores que se modificam e evoluem ao longo dos anos.  O carroceiro tenta impor ao animal o ritmo dos novos tempos. Quando este fisicamente não aguenta, adoecendo e indo a óbito, de maneira rápida é substituído por outro que poderá ter o mesmo destino, antes passando por muito sofrimento e dor.

     Mesmo os animais aparentemente bem cuidados pelos seus carroceiros, não fogem à regra de algo cujo tempo ficou para trás. O conhecimento humano, na sua forma mais ampla, se incompatibiliza com a existência do uso de veículos de tração animal.

      Urgem leis e políticas públicas que transformem essa realidade e que sejam elaboradas para sua efetiva aplicação, seja no âmbito municipal, estadual ou federal. Mas não basta a proibição com um simples decreto que, como num passe de mágica, mudaria essa situação de animais humanos e não humanos. A complexidade e a urgência necessitam de rápida reflexão e, por conseguinte, ação. O sofrimento de outras espécies não se compatibiliza com a cultura de paz que todos nós desejamos.

      Espera-se das autoridades maior sensibilidade a essa questão, pois a sociedade está cada vez mais atenta e organizada. O próprio mercado já sabe disso. Vide os produtos veganos, aqueles que não têm origem animal direta ou indireta. Eles se proliferam nas redes de comércio em lojas virtuais e prateleiras de supermercados.

       Portanto, deseja-se a sobrevivência, tão somente, de veículos de tração animal que são impulsionados por aqueles bichos chamados de racionais.


         Vão-se as carroças, ficam as bicicletas.

Marcelo Botosso é historiador e montanhista clássico

4 comentários:

  1. São tão fiéis os cavalo, que se igualam aos cães de estimação. Ao presenciarem maus-tratos, não sabem que podem parar a carroça! Resultando: animais apáticos, tristes, castrados, desnutridos e subjugados.

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  2. Nenhum ser deve ser subjugado. Não à domesticação.

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  3. Que espetáculo de matéria!!!
    Parabéns.

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