O temor pela participação popular e a superestimação de sua
organização
O que a História recente
pode nos ensinar
Por
Marcelo Botosso
Em fins de novembro de 1963, o parlamentar mais destacado da esquerda brasileira, o deputado federal e líder da Frente de Mobilização Popular, Leonel de Moura Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), passou a orientar a formação e a mobilização dos Comandos Nacionalistas, também designados na época por Grupo dos Onze Companheiros ou simplesmente Grupo dos Onze. Com essa iniciativa e diante da fragilidade do governo João Goulart, Jango (PTB), o deputado e ex-governador Leonel Brizola pretendia contar com uma força extraparlamentar, organizada em todo território nacional, de caráter popular e em defesa das reformas de base, enfatizando o distributivismo, o direito de participação política e um desenvolvimentismo repleto de noções socialistas sem, contudo, a ruptura da ordem jurídico-constitucional.
A formação dos grupos aludia a um time de futebol com seus
11 jogadores, alegorizando a união em torno de ideais de conquistas coletivas,
no caso, sociais. No momento de fundação de cada um desses grupos, uma ata era
feita, obedecendo a um modelo, registrando nomes e endereços de seus membros,
entre eles o seu comandante e o subcomandante.
Os objetivos principais dos
grupos ali eram definidos: “[...] a atuação organizada em defesa das conquistas
democráticas de nosso povo, pela instituição de uma democracia autêntica e
nacionalista, pela imediata concretização das Reformas, em especial das
Reformas agrária e urbana e, a sagrada determinação de luta pela libertação de
nossa pátria da espoliação internacional.”
A ata de formação era enviada ao deputado Brizola, que
lia todos os nomes dos novos membros ao vivo pela rádio Mayrink Veiga, onde discursava
todas as noites em rede nacional. Igualmente havia uma cartilha identificada
“Manual de Ação”, servindo de norte à “Organização dos Grupos de Onze
Companheiros ou Comandos Nacionalistas (Organização do Povo)”, assinada por
Brizola em 29 de novembro de 1963.
Com a crescente popularidade do PTB em questões crucias
como a reforma agrária e o prestígio de suas duas maiores lideranças, Brizola e
Jango, os Grupos dos Onze se proliferaram país afora, sobretudo no estado
rio-grandense. Em tempos de intensa polarização político-ideológica, não
faltaram os que acusavam o movimento como sendo uma etapa insurrecional
golpista de esquerda. De herança escravocrata, a elite nacional, associada ao
imperialismo estadunidense, e parte da classe média, temiam a perda de seus
privilégios face ao governo trabalhista de João Goulart. Entre dezembro de 1963
e março de 1964, o tema Grupos dos Onze assume papel central nos acalorados
debates parlamentares, a despeito de sua real força e mesmo existência.
Pesquisando a efemeridade da organização dos Comandos
Nacionalistas, nota-se uma clara defasagem no entendimento entre o que o
movimento poderia ter sido ou o que ele pretendia ser e a sua aceitação ou rejeição,
seja pela oposição, seja pelos seus próprios correligionários. Na rara
documentação que ainda resta, como o “Manual de Ação”, não existe nenhuma
referência à luta armada ou qualquer método do uso da violência. A retórica é
sempre sobre a defesa e o aprofundamento da democracia existente.** No intuito de
combatê-los, os conservadores atribuíam-lhes as mais infundadas acusações:
paramilitares, guerrilheiros, perturbadores da ordem pública e da democracia,
além de comunistas, o que no Mundo Ocidental era quase uma sentença naqueles
tempos de Guerra Fria.
Com o golpe de estado em 1º de abril de 1964,
comprovou-se a incapacidade de atuação e resistência dos Comandos. Pouco se
soube da ação dos mais de 5 mil organizados em vários estados brasileiros, além
dos nomes e endereços de seus membros. Superestimar a força e a capacidade de
articulação dos Grupos dos Onze parece ter sido a tônica de ambos os lados,
fomentando as intenções dos conservadores - como lenha na fogueira do golpismo –
e, por conseguinte, criando um prejuízo incalculável no campo da luta popular através
da repressão, perseguição e mesmo do extermínio de muitos dos seus líderes no
pós 64.
Registrou o poeta: “Para os navegantes com desejo de
vento, a memória é um ponto de partida.” A História deve ser concebida como uma
imprescindível ferramenta de luta, fundamentalmente àqueles que atuam na
complexidade e na fragilidade da organização popular.
O capítulo “Grupos dos Onze” merece atentas e frequentes
leituras.
*Marcelo Botosso é
licenciado, bacharel e mestre em História (Cultura e Política) pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Autor de vários títulos acadêmicos,
entre eles o livro “FALN, a guerrilha em Ribeirão Preto”, Holos Editora.
**Cf. O projeto “As
experiências democráticas no Rio Grande do Sul e a radicalização do PTB na
década de 1960” de Carla Brandalise (UFRGS) e Marluza Marques Harres
(Unisinos)”
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