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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O temor pela participação popular e a superestimação de sua organização. Marcelo Botosso

O temor pela participação popular e a superestimação de sua organização
O que a História recente pode nos ensinar
Por Marcelo Botosso
            
           



           Em fins de novembro de 1963, o parlamentar mais destacado da esquerda brasileira, o deputado federal e líder da Frente de Mobilização Popular, Leonel de Moura Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), passou a orientar a formação e a mobilização dos Comandos Nacionalistas, também designados na época por Grupo dos Onze Companheiros ou simplesmente Grupo dos Onze. Com essa iniciativa e diante da fragilidade do governo João Goulart, Jango (PTB), o deputado e ex-governador Leonel Brizola pretendia contar com uma força extraparlamentar, organizada em todo território nacional, de caráter popular e em defesa das reformas de base, enfatizando o distributivismo, o direito de participação política e um desenvolvimentismo repleto de noções socialistas sem, contudo, a ruptura da ordem jurídico-constitucional.

            A formação dos grupos aludia a um time de futebol com seus 11 jogadores, alegorizando a união em torno de ideais de conquistas coletivas, no caso, sociais. No momento de fundação de cada um desses grupos, uma ata era feita, obedecendo a um modelo, registrando nomes e endereços de seus membros, entre eles o seu comandante e o subcomandante.

Os objetivos principais dos grupos ali eram definidos: “[...] a atuação organizada em defesa das conquistas democráticas de nosso povo, pela instituição de uma democracia autêntica e nacionalista, pela imediata concretização das Reformas, em especial das Reformas agrária e urbana e, a sagrada determinação de luta pela libertação de nossa pátria da espoliação internacional.”

            A ata de formação era enviada ao deputado Brizola, que lia todos os nomes dos novos membros ao vivo pela rádio Mayrink Veiga, onde discursava todas as noites em rede nacional. Igualmente havia uma cartilha identificada “Manual de Ação”, servindo de norte à “Organização dos Grupos de Onze Companheiros ou Comandos Nacionalistas (Organização do Povo)”, assinada por Brizola em 29 de novembro de 1963.

            Com a crescente popularidade do PTB em questões crucias como a reforma agrária e o prestígio de suas duas maiores lideranças, Brizola e Jango, os Grupos dos Onze se proliferaram país afora, sobretudo no estado rio-grandense. Em tempos de intensa polarização político-ideológica, não faltaram os que acusavam o movimento como sendo uma etapa insurrecional golpista de esquerda. De herança escravocrata, a elite nacional, associada ao imperialismo estadunidense, e parte da classe média, temiam a perda de seus privilégios face ao governo trabalhista de João Goulart. Entre dezembro de 1963 e março de 1964, o tema Grupos dos Onze assume papel central nos acalorados debates parlamentares, a despeito de sua real força e mesmo existência.

            Pesquisando a efemeridade da organização dos Comandos Nacionalistas, nota-se uma clara defasagem no entendimento entre o que o movimento poderia ter sido ou o que ele pretendia ser e a sua aceitação ou rejeição, seja pela oposição, seja pelos seus próprios correligionários. Na rara documentação que ainda resta, como o “Manual de Ação”, não existe nenhuma referência à luta armada ou qualquer método do uso da violência. A retórica é sempre sobre a defesa e o aprofundamento da democracia existente.** No intuito de combatê-los, os conservadores atribuíam-lhes as mais infundadas acusações: paramilitares, guerrilheiros, perturbadores da ordem pública e da democracia, além de comunistas, o que no Mundo Ocidental era quase uma sentença naqueles tempos de Guerra Fria.

            Com o golpe de estado em 1º de abril de 1964, comprovou-se a incapacidade de atuação e resistência dos Comandos. Pouco se soube da ação dos mais de 5 mil organizados em vários estados brasileiros, além dos nomes e endereços de seus membros. Superestimar a força e a capacidade de articulação dos Grupos dos Onze parece ter sido a tônica de ambos os lados, fomentando as intenções dos conservadores - como lenha na fogueira do golpismo – e, por conseguinte, criando um prejuízo incalculável no campo da luta popular através da repressão, perseguição e mesmo do extermínio de muitos dos seus líderes no pós 64.

            Registrou o poeta: “Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.” A História deve ser concebida como uma imprescindível ferramenta de luta, fundamentalmente àqueles que atuam na complexidade e na fragilidade da organização popular.

            O capítulo “Grupos dos Onze” merece atentas e frequentes leituras.


*Marcelo Botosso é licenciado, bacharel e mestre em História (Cultura e Política) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Autor de vários títulos acadêmicos, entre eles o livro “FALN, a guerrilha em Ribeirão Preto”, Holos Editora.
**Cf. O projeto “As experiências democráticas no Rio Grande do Sul e a radicalização do PTB na década de 1960” de Carla Brandalise (UFRGS) e Marluza Marques Harres (Unisinos)”

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