O discurso da privatização ainda vai contra a tendência mundial da estatização e da reestatização. Por que o Brasil faria diferente e com um serviço essencial como o da água se a tendência no mundo em países de grande economia está sendo a estatização ou reestatização? |
Ilustração Brasil de Fato |
Quando na década de 90 o Banco Mundial incentivou a
privatização de serviços básicos, entre os quais o de fornecimento de água, os
resultados foram desastrosos. Peguemos como exemplo a Bolívia. Após a
privatização houve um grande aumento de preços, que levou a uma grande queda no
consumo de água tratada. A maioria da população retornou a formas primitivas de
coleta de água, como armazenamento de água da chuva em baldes ou lençóis
estendidos em varais e perfuração de poços amadores. As empresas reagiram à
essas práticas, pois o consumo de seu produto, e, por conseguinte, o lucro,
foram afetados, e reagiram por meio da aprovação de leis proibindo tais
práticas de coleta de água, inclusive com o uso de força policial. Essa
situação levou a uma forte revolta da população e ao caos no país, no qual mães
eram ameaçadas por coletar água da chuva para saciar a sede de seus filhos.
(Vandana Shiva, A Guerra por Água: Privatização, poluição e lucro. São Paulo:
Radical Livros, 2.006).
Apesar das experiências com resultados negativos que temos
na história, o Presidente Jair Bolsonaro quer privatizar a água no Brasil. O
projeto de lei de autoria de Bolsonaro que facilita a privatização de empresas
estatais de saneamento básico foi aprovado este mês na Câmara Federal e seguirá
para votação no Senado.
O suposto fundamento que os defensores da privatização, como
Bolsonaro, dão para privatizar os serviços e vender a preços vis o patrimônio
público é o de que o serviço não funciona bem estando sob gestão pública. Pois
bem, vejamos, então, um exemplo de prestação de serviço público de água no
Brasil e o seu desempenho; A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo (SABESP).
A SABESP existe desde 1.973. É uma sociedade de economia
mista do Estado de São Paulo, portanto, uma empresa estatal estadual. A SABESP
atua no Estado de São Paulo fornecendo água e fazendo a coleta e o tratamento
de esgoto, atendendo atualmente 367 dos 645 municípios paulista. Trata-se da
maior empresa de saneamento da América e a quarta maior do mundo em termos de
população atendida (27,9 milhões de pessoas atendidas). Em razão da segurança
e da rentabilidade a longo prazo há na SABESP investidores do mundo todo desde
fundos soberanos de Cingapura e Emirados Árabes até fundos de pensão
brasileiro. A SABESP não recebe um centavo do governo, se mantendo através do
dinheiro que vem das tarifas dos serviços que presta.
Por que privatizar e desfazer de um patrimônio como esse?
Não tem lógica, inclusive por se tratar de um serviço essencial como é o de
fornecimento de água, que não pode e não deve pertencer a ninguém senão ao
povo, a quem a água se destina e à natureza a que as pessoas estão inseridas. A
prestação desse serviço público carrega em si a função social de realização do
interesse público no atendimento de uma necessidade essencial que se refere à
própria dignidade e sobrevivência, e dignidade e sobrevivência não podem ficar
a mercê do interesse particular e do lucro que o particular almeja.
E pelo aspecto do lucro, o serviço de fornecimento de água
estará ainda mais protegido com a empresa estatal, já que a estatal não visa
lucro, seu objetivo não é esse, mas, sim, o de cumprir com sua função
constitucional, que nesse caso é o de levar água para as pessoas.
O discurso da privatização ainda vai contra a tendência
mundial da estatização e da reestatização que está ocorrendo em países de
grandes economias como Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Espanha,
que são também os cinco países que lideram a lista das reestatizações no mundo.
Desde 2.000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo, segundo
levantamento do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia
e sustentabilidade sediado na Holanda, que levantou dados entre 2.000 e 2.017.
Segundo o TNI isso ocorreu porque estes países constataram que as empresas
privadas priorizavam o lucro e os serviços ficavam caros e ruins.
Por que o Brasil faria diferente e com um serviço essencial
como o da água se a tendência no mundo em países de grande economia está sendo
a estatização ou reestatização?
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