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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Ribeirão Preto tem déficit de 213 Policiais Civis


Em excelente reportagem do site Farolete, a grave situação da Polícia Civil na cidade e região se expressa.

Em meio às fotos posadas da inauguração do mais novo batalhão da Polícia Militar na cidade pelo governador Dória, um de outros 10 inaugurados no Estado, Ribeirão Preto recebe a informação de que a Polícia Civil na cidade encolheu 41% desde 2006, saindo de 515 para 302 policiais.

Só para recolocar a capacidade da Polícia Civil na cidade e região hoje haveria a necessidade de se contratar 50 delegados, 250 investigadores e 300 escrivães. Mas a tendência é o inverso. Há um crescimento da militarização da segurança pública em São Paulo e no Brasil, onde a repressão supera a investigação e os crimes contra o patrimônio se tornam mais importantes do que os crimes contra a vida.

Segundo a reportagem, que traz a visão de especialistas, a crescente militarização da segurança pública reflete uma demanda de parte da opinião pública e a tendência da política do encarceramento com recorte racial e social.

Em Ribeirão Preto, o Ministério Público move uma ação contra o Estado pelo déficit de policiais civis, cobrando a recolocação imediata de 20 delegados, 51 escrivães e 75 investigadores.

Sem uma polícia investigativa adequadamente preparada, o combate ao crime organizado, que domina o tráfico de drogas, por exemplo, se torna praticamente impossível. É urgente a construção de um modelo de segurança pública cidadã, que respeite as pessoas independente de sua cor ou condição social e que tenha no setor de inteligência no combate ao crime organizado o seu maior potencial de atuação.

Acompanhe a reportagem completa postada em 3/12/2019 https://farolete.info/

Desde 2006, a Polícia Civil perdeu sem reposição quase metade de seu efetivo em Ribeirão Preto e região. Desmantelado, o órgão patina na investigação de crimes como homicídios, estupros e roubos, resultando em impunidade e reincidência dos criminosos.

Dados oficiais obtidos pelo Farolete por meio da Lei de Acesso à Informação apontam que a Delegacia Seccional de Ribeirão Preto, que abrange 15 cidades, tinha 515 policiais civis em dezembro de 2006. O montante caiu para 302 em setembro de 2019, 41% a menos.

Ou seja: de cada 10 policiais civis existentes há 13 anos, apenas 6 continuam atuando ou foram repostos pela instituição. Os outros 4 deixaram o órgão e não foram substituídos pelo Governo de São Paulo.

O encolhimento da Polícia Civil em Ribeirão Preto ocorre ano a ano:



“Há uma militarização da segurança pública, com recursos sendo priorizados para a Polícia Militar e diminuição da Polícia Civil. Com isso, o policiamento ostensivo fica cada vez maior, enquanto a investigação é prejudicada”, afirmou ao Farolete Jacqueline Sinhoretto, docente da UFSCar e assessora especial do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Segundo ela, essa estratégia resulta no encarceramento em massa de criminosos de baixo potencial ofensivo e guiada por “filtros raciais”.

Em contrapartida, investigações de crimes contra a vida, violência contra a mulher e contra quadrilhas estruturadas ficam em segundo plano (leia entrevista completa no final da reportagem).
Entre as três principais carreiras policiais destinadas à investigação ou andamento de inquéritos, a queda é gritante: desde 2006 a Seccional de Ribeirão Preto perdeu sem reposição 20 delegados, 51 escrivães e 75 investigadores.


A Seccional de Ribeirão Preto abrange as seguintes cidades: Altinópolis, Brodowski, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Guatapará, Jardinópolis, Luís Antônio, Ribeirão Preto, Santa Cruz da Esperança, Santa Rosa do Viterbo, São Simão, Serra Azul, Serrana e Santo Antônio da Alegria.

Juntas, elas registraram 48 casos de homicídio doloso, 2 latrocínios, 147 estupros e 3.316 roubos nos dez primeiros meses de 2019 (janeiro a outubro), segundo levantamento do Farolete junto às estatísticas oficiais da SSP.

São, somados, 3.513 crimes nessas categorias. Mas a Polícia Civil conta com apenas 114 investigadores atuando na região.

Ou seja: para que todos esses crimes fossem solucionados, com os culpados identificados e denunciados à Justiça, cada investigador teria que resolver, sozinho, um crime a cada dez dias.

Isso se fossem ignorados os crimes de menor potencial ofensivo, como furtos a residências e tráfico de entorpecentes. E, também, canceladas as folgas, férias e plantões dos funcionários.

Se nessa lista forem incluídos os furtos de veículos, o nível de trabalho seria ainda maior: cada investigador deveria solucionar um crime por semana.

Déficit
Segundo o Sinpol-RP (Sindicado dos Policiais Civis de Ribeirão Preto), apenas no município de Ribeirão há um déficit de 600 policiais, sendo necessário contratar mais 50 delegados, 250 investigadores e 300 escrivães.

Questionado pelo Farolete, o Sinpol diz que o trabalho de investigação está “sucateado e caótico,  sem atender ao reclame da população”. Na região, segundo o sindicato, há cidades sem delegados e investigadores.

Enquanto a Polícia Civil declina, a Polícia Militar se fortalece em Ribeirão Preto.

Em 17 de dezembro será inaugurado na cidade o Batalhão de Ação Especial da Polícia Militar (Baep), com incorporação de novos 260 policiais.

MP aponta prejuízo
Em abril de 2017 o promotor de Justiça Sebastião Sérgio da Silveira, do Ministério Público Estadual, moveu ação civil pública contra o Governo do Estado de São Paulo alegando que a Polícia Civil estava “abandonada” em Ribeirão Preto e exigindo a contratação de mais policiais.

A situação, ele aponta, prejudicava diretamente as investigações, com “procedimentos instaurados para a apuração da prática de crimes e atos infracionais  instruídos de forma insuficiente” e “inúmeros os pedidos de dilação de prazo para a conclusão de inquéritos policiais, que se arrastam até a prescrição, em razão da escassez de recursos humanos”.

Também diz que a falta de policiais civis “impede a efetiva aplicação de sanções e, em alguns casos, até mesmo a oitiva de testemunhas e/ou vítimas”.

Seu pedido foi considerado improcedente pela Justiça Estadual em agosto de 2018. A juíza Luísa Helena Carvalho Pita anotou ser “louvável a iniciativa do Ministério Público”, mas que deveria ser negada, entre os motivos, por “afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes”.

Enquanto o número de policiais civis despenca, o efetivo da PM no município de Ribeirão Preto ficou estável ou com oscilações para cima na última década, segundo dados enviados pela corporação ao Ministério Público.

Em setembro de 2016 eram 1.092 policiais militares na cidade. Em agosto de 2014 eram 1.009, segundo depoimento de um coronel ao promotor de Justiça.

A SSP não informa, nem por meio da Lei de Acesso à Informação, o número de PMs nos municípios, alegando que a divulgação causaria riscos à segurança pública.

Entrevista
Jacqueline Sinhoretto é docente da UFSCar, coordenadora do GEVAC (Grupo de Pesquisa sobre Violência e Administração de Conflitos) e assessora especial da presidência do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
Em entrevista ao Farolete, ela aponta as consequências da militarização da segurança pública, com a Polícia Militar se fortalecendo e a Polícia Civil declinando. Fenômeno que, segundo a pesquisadora, é nacional.
“O policiamento ostensivo [realizado pela PM] é direcionado para crimes patrimoniais, que hoje correspondem a 51% das motivações para prisões. Enquanto isso, os autores de crimes contra a vida são apenas 12% dos presos”, aponta Jacqueline.
Ela aponta que é um modelo que “prende e mata muito”, mas com um baixo potencial de investigação, em especial de crimes contra a vida, estupros e violência contra a mulher.
“Existe uma parcela da população que aplaude esse modelo, políticos que se elegem com essa plataforma política. Mas que, do ponto de vista de efetividade, é equivocado”.
A pesquisadora ressalta que, enquanto o crime organizado avança, a PM aborda os pequenos criminosos, com base em “filtragem racial” [jovens negros], e praticando crimes de menor potencial ofensivo.
Já a Polícia Civil acabou relegada ao “papel cartorial”, apenas lavrando flagrantes realizados pela PM.
“É necessário ter uma política pública pautada na garantia de direitos, e não de caráter fascista voltada ao extermínio”
Segundo ela, “essa política de arma, viatura na rua e giroflex ligado tem levado ao enfraquecimento da Polícia Civil e das investigações” e também é prejudicial à PM, que “perde mais policiais por suicídio do que em confrontos”.
  
Outro lado
Questionado pelo Farolete, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do governo de São Paulo se calou sobre os motivos do desmonte da Polícia Civil na Seccional de Ribeirão Preto.
Em nota genérica, a SSP afirmou que “investe permanentemente em tecnologia, equipamentos e policiamento para combater a criminalidade e aumentar a sensação de segurança da população no Estado” e que um dos objetivos da atual gestão é “recomposição dos efetivos”.
A nota diz que na semana passada “foram nomeados 1.100 agentes para a Polícia Civil” e que “em breve outros 1.650 policiais civis devem chamados entre delegados, investigadores e escrivães”, considerando todo o estado de São Paulo.
O governo não estipulou prazos nem o montante de policiais que serão destinados a Ribeirão Preto. Também não informou qual seria o número ideal do efetivo para a região.
Segundo a SSP, “as unidades policiais de Ribeirão Preto operam normalmente e realizam o atendimento necessário à população”.


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