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quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Deu aquela aula como se fosse a última...

 


Era uma segunda-feira como outra qualquer. Levantar-se de madrugada, preparar o café, comer o pão na chapa, arrumar os livros, giz, apagador, conferir tudo e partir para pegar o ônibus rumo à escola, do outro lado da cidade. Como morava na periferia, tinha que madrugar toda semana para chegar a tempo, às 6h45, pelo menos, na escola, pois a aula começará às 7 horas, em ponto.

Mas nesse dia, algo estava estranho, parecia mais cansado, ofegante, passara os últimos dias sentindo uma dor estranha, próxima ao peito, mas, infelizmente, o convênio médico como professor do estado o faria aguardar até três meses para ter a consulta. Preferiu continuar na luta e na labuta, como sempre fazia.

Além do mais, recentemente os deputados aprovaram um projeto na assembleia legislativa que tirava o seu direito a uma falta justificada que, antes, seria abonada para ir ao médico e, diante dessa nova situação, preferiu não dar bola, não devia ser nada grave.

Despediu-se da família e foi até o ponto de ônibus, que sempre estava lotado na segunda-feira pela manhã.

Aquele era o ponto de encontro de todos os trabalhadores e trabalhadoras da cidade: pedreiros, empregadas em casa de família, alunos, atendentes de supermercado e aqueles que procuravam emprego, entre tantos outros.

Mas naquele dia algo estava estranho, seu cansaço parecia pior, sua caminhada até o ponto parecia uma maratona, devia ser porque teve que ficar até de madrugada terminando de preparar as aulas da semana, pois sua rotina era extensa. Para conseguir sustentar a família dava aulas nos três turnos e, mesmo assim, seu salário praticamente não passava dos 3 salários mínimos ou seja 2.800,00. Tinha aluguel, despesa da casa, Internet, cursos para se aprimorar. Nesse ano precisou até vender o Celtinha de 2004 para conseguir ajustar as contas, pois não dava mais conta de pagar a gasolina que a todo mês subia e continuava subindo, por isso essa nova rotina utilizando o transporte coletivo.

Após 45 minutos de viagem, chega pontualmente às 6h45 na escola que fica no centro, a mais antiga e tradicional, aquela que, antigamente, era considerada a melhor escola da cidade, mas hoje, infelizmente, só tinha a fama. 1200 alunos nos três turnos, 13 computadores, salas lotadas, faltavam ventiladores nas salas e quando chovia tinha que mudar as cadeiras de lugar, pois o telhado antigo já não aguentava mais e era goteira na certa.

E naquela segunda chovia, chuva fina, mas insistente. Ao entrar na sala, como em todas as segundas-feiras, aquela algazarra, 42 alunos. Teve que aguardar pacientemente até a sala se acalmar para fazer a chamada, mas só aí foram mais de 15 minutos. Mas aquele dia estava diferente, começou a sentir uma dor próxima ao peito, mas não devia ser nada, pensou o professor, poderia ser gases ou um mau jeito qualquer, não deu bola.

Foi até a lousa e, devido à chuva, caia uma goteira insistente bem em frente ao quadro negro. Não teve como, abriu o guarda-chuva na sala para continuar escrevendo na lousa e a gozação foi geral, todos caíram na gargalhada, mas só assim foi possível terminar o texto daquele poema de Chico Buarque “CONSTRUÇÃO”. O objetivo era fazer uma reflexão gramatical utilizando o texto da canção que muito se identificava com a vida das famílias daqueles alunos da escola pública.

Após finalizar o texto na lousa virou-se para a sala para iniciar a explicação, pedia silêncio, mas naquele dia parecia que eles estavam mais elétricos do que nunca, talvez pelo fim de semana. Teve que dar um grito, mais esse não foi um grito para pedir silêncio, foi um grito de dor que a voz quase não saiu, pôs a mão no peito e se agachou. Nesse momento, parece que todos se acalmaram e o silêncio se fez presente naquela sala. "Corre, corre, chama a diretora o professor está passando mal", disse o aluno. Muitos saíram em disparada até a direção, primeiro chegou a inspetora e viu o professor caído ao chão já ofegante, quase não conseguia expressar nenhuma palavra, e foi fechando os olhos e tentava balbuciar algo, mas incompreensível... Todos em volta, alunos, diretora, inspetora, e com os olhos embotados de giz e lágrimas só deu para ouvir um tímido pedido de ajuda e descansou como se fosse o fim de um sábado qualquer, agonizando no meio da sala de aula.

Chamaram o SAMU e a ambulância, demorou mais de 30 minutos, chegaram juntos, o SAMU acabou indo embora e acabou sendo levado do segundo andar para a ambulância e, então, rumo ao hospital da cidade já desfalecido, aquela foi a última aula da sua vida, o último suspiro e seu último grito na sala.

E o dia continuou na escola, não teve dispensa de alunos nem de professores. O sinal tocou às 12h45, religiosamente, como se fosse mais um dia típico daquela escola pública paulista, só com um contratempo de um professor que acabou falecendo na sala de aula. Todos se emocionaram e muitos choraram a morte do professor, mas a aula continuou até o bater do sinal, e assim foi a vida e morte "severina" daquele professor. Como na canção que passava na lousa, “Construção”, acabou morrendo na contramão, atrapalhando o público e sentou para descansar como se fosse um pássaro e, quem sabe agora, na paz derradeira, enfim vai aguardar que Deus lhe pague, pois na vida dos homens públicos, responsáveis pela educação pública, muitos ficaram devendo a esse pobre professor.

Essa é uma história fictícia com traços de uma realidade da escola pública paulista, nossa homenagem a todos os educadores e a todas as educadoras que deram sua vida pelos alunos e pela escola pública e, em especial, ao Professor Fábio Cássio Fernandes que faleceu em uma sala de aula em Taiaçu, região de Bebedouro, na última segunda-feira, dia 25/10/201.

Professor Fábio, PRESENTE!!

Texto encaminhado ao Blog pelo professor Fábio Sardinha

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