Era
uma segunda-feira como outra qualquer. Levantar-se de madrugada, preparar o
café, comer o pão na chapa, arrumar os livros, giz, apagador, conferir tudo e
partir para pegar o ônibus rumo à escola, do outro lado da cidade. Como morava
na periferia, tinha que madrugar toda semana para chegar a tempo, às 6h45, pelo
menos, na escola, pois a aula começará às 7 horas, em ponto.
Mas
nesse dia, algo estava estranho, parecia mais cansado, ofegante, passara os últimos
dias sentindo uma dor estranha, próxima ao peito, mas, infelizmente, o convênio
médico como professor do estado o faria aguardar até três meses para ter a consulta. Preferiu continuar na luta e na labuta, como sempre fazia.
Além
do mais, recentemente os deputados aprovaram um projeto na assembleia legislativa
que tirava o seu direito a uma falta justificada que, antes, seria abonada para
ir ao médico e, diante dessa nova situação, preferiu não dar bola, não devia ser
nada grave.
Despediu-se
da família e foi até o ponto de ônibus, que sempre estava lotado na segunda-feira
pela manhã.
Aquele
era o ponto de encontro de todos os trabalhadores e trabalhadoras da cidade: pedreiros,
empregadas em casa de família, alunos, atendentes de supermercado e aqueles que
procuravam emprego, entre tantos outros.
Mas
naquele dia algo estava estranho, seu cansaço parecia pior, sua caminhada até
o ponto parecia uma maratona, devia ser porque teve que ficar até de madrugada
terminando de preparar as aulas da semana, pois sua rotina era extensa. Para
conseguir sustentar a família dava aulas nos três turnos e, mesmo assim, seu salário
praticamente não passava dos 3 salários mínimos ou seja 2.800,00. Tinha
aluguel, despesa da casa, Internet, cursos para se aprimorar. Nesse ano precisou
até vender o Celtinha de 2004 para conseguir ajustar as contas, pois não dava mais
conta de pagar a gasolina que a todo mês subia e continuava subindo, por isso
essa nova rotina utilizando o transporte coletivo.
Após
45 minutos de viagem, chega pontualmente às 6h45 na escola que fica no centro, a mais antiga e tradicional, aquela que, antigamente, era considerada
a melhor escola da cidade, mas hoje, infelizmente, só tinha a fama. 1200 alunos nos
três turnos, 13 computadores, salas lotadas, faltavam ventiladores nas salas e quando
chovia tinha que mudar as cadeiras de lugar, pois o telhado antigo já não
aguentava mais e era goteira na certa.
E
naquela segunda chovia, chuva fina, mas insistente. Ao entrar na sala, como em
todas as segundas-feiras, aquela algazarra, 42 alunos. Teve que aguardar
pacientemente até a sala se acalmar para fazer a chamada, mas só aí foram mais de
15 minutos. Mas aquele dia estava diferente, começou a sentir uma dor próxima
ao peito, mas não devia ser nada, pensou o professor, poderia ser gases ou um
mau jeito qualquer, não deu bola.
Foi
até a lousa e, devido à chuva, caia uma goteira insistente bem em frente ao quadro
negro. Não teve como, abriu o guarda-chuva na sala para continuar escrevendo na
lousa e a gozação foi geral, todos caíram na gargalhada, mas só assim foi possível
terminar o texto daquele poema de Chico Buarque “CONSTRUÇÃO”. O objetivo era
fazer uma reflexão gramatical utilizando o texto da canção que muito se identificava
com a vida das famílias daqueles alunos da escola pública.
Após
finalizar o texto na lousa virou-se para a sala para iniciar a explicação, pedia silêncio,
mas naquele dia parecia que eles estavam mais elétricos do que nunca, talvez pelo fim
de semana. Teve que dar um grito, mais esse não foi um grito para pedir silêncio,
foi um grito de dor que a voz quase não saiu, pôs a mão no peito e se agachou. Nesse momento, parece que todos se acalmaram e o silêncio se fez presente naquela
sala. "Corre, corre, chama a diretora o professor está passando mal", disse o
aluno. Muitos saíram em disparada até a direção, primeiro chegou a inspetora e
viu o professor caído ao chão já ofegante, quase não conseguia expressar nenhuma
palavra, e foi fechando os olhos e tentava balbuciar algo, mas incompreensível...
Todos em volta, alunos, diretora, inspetora, e com os olhos embotados de
giz e lágrimas só deu para ouvir um tímido pedido de ajuda e descansou como se
fosse o fim de um sábado qualquer, agonizando no meio da sala de aula.
Chamaram
o SAMU e a ambulância, demorou mais de 30 minutos, chegaram juntos, o SAMU acabou indo embora e acabou sendo levado do segundo andar para a ambulância e,
então, rumo ao hospital da cidade já desfalecido, aquela foi a última aula da
sua vida, o último suspiro e seu último grito na sala.
E
o dia continuou na escola, não teve dispensa de alunos nem de professores. O sinal tocou às 12h45, religiosamente, como se fosse mais um dia típico daquela
escola pública paulista, só com um contratempo de um professor que acabou falecendo
na sala de aula. Todos se emocionaram e muitos choraram a morte do professor,
mas a aula continuou até o bater do sinal, e assim foi a vida e morte "severina" daquele
professor. Como na canção que passava na lousa, “Construção”, acabou morrendo na
contramão, atrapalhando o público e sentou para descansar como se fosse um
pássaro e, quem sabe agora, na paz derradeira, enfim vai aguardar
que Deus lhe pague, pois na vida dos homens públicos, responsáveis pela educação
pública, muitos ficaram devendo a esse pobre professor.
Essa
é uma história fictícia com traços de uma realidade da escola pública paulista,
nossa homenagem a todos os educadores e a todas as educadoras que deram sua
vida pelos alunos e pela escola pública e, em especial, ao Professor Fábio Cássio
Fernandes que faleceu em uma sala de aula em Taiaçu, região de Bebedouro,
na última segunda-feira, dia 25/10/201.
Professor Fábio, PRESENTE!!
Texto encaminhado ao Blog pelo professor Fábio Sardinha
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