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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Para Francisco Antônio de Souza, brasileiro e trabalhador, lutar sempre foi um verbo necessário

 

Francisco, na comunidade Nazaré Paulista

Nascido no Piauí, com passagem pelo Ceará. A vida de Francisco Antônio de Souza, o Francisco da Comunidade Nazaré Paulista em Ribeirão Preto, não é muito diferente da vida de milhões de trabalhadores brasileiros, para os quais lutar é, e sempre foi, verbo necessário.

Pedreiro de profissão, Francisco teve uma longa caminhada até chegar em Ribeirão Preto em 2001, procurando por trabalho. Morou em vários lugares, já se conscientizando da importância da questão da moradia para quem vive do próprio trabalho. 

Antes de se arriscar na ocupação de um terreno abandonado na região do aeroporto, atual Nazaré Paulista, em 2015, Francisco ainda teve de lutar pela vida após ser atropelado quando voltava do trabalho e passar 11 dias em coma.

Chegou na ocupação da Nazaré Paulista junto da esposa e duas filhas. Logo de cara teve de lidar com um novo desafio: ser uma liderança comunitária. A luta não dá muito espaço para pensar e, em 2015, o fantasma da remoção forçada rondava a comunidade todos os dias e, principalmente, todas as noites.

Quando se viu, Francisco já estava envolvido na luta pela moradia, junto com dezenas de outros moradores todos assessorados por um conjunto de estudantes de direito da USP que atuavam na comundade num projeto denominado de Najurp. Foi atuando junto ao Najurp que Francisco conheceu uma personagem que até hoje é bastante falada na Nazaré Paulista, a "doutora" Ana. No caso, era a estudante de direito e atual advogada Ana Mauer.

"A doutora Ana foi a primeira a nos dar apoio numa luta que parecia perdida", diz ao lembrar do passado.

Entre 2015 e 2018 muita luta aconteceu. Muita gente se aproximou da comunidade. Advogados, ativistas sociais, professores, assistentes sociais, a própria defensoria pública. Francisco lembra de muitos. "É preciso lembrar do doutor Vitor Hugo da defensoria, da Marina do Armazém Baixada, do Padre Chico, de tanta gente que fez da nossa causa uma forma de ajudar", lembra.

A ocupação em terreno particular afastava o diálogo com a Prefeitura: "Fomos umas dez vezes acampar em frente da Prefeitura. O movimento de moradia juntava as comunidades. A gente subia para falar com o Prefeito e era sempre a mesma coisa: ele dizia que podia dar esperança para todo mundo, menos para a Nazaré, porque ali era área particular. Às vezes batia o desânimo mas nunca a desesperança. Eu sempre acreditei em Deus e na luta".

Após a passagem inicial do Najurp e da doutora Ana, a causa da comunidade foi parar nas mãos do advogado Jorge Roque e com ele veio a mais esperada das notícias em 2021: a Justiça dava ganho de causa aos moradores. A área, apesar de ser particular, estava abandonada há anos, antes mesmo das primeiras ocupações, e a Justiça julgou em benefício daqueles que não têm onde morar. Os moradores da Nazaré Paulista, representados por sua associação e pelo Dr. Jorge Roque, ganhavam a posse da área. Fim do pesadelo da remoção forçada.

Numa luta coletiva, há sempre muitos braços, e Francisco não deixa ninguém de fora. Lembrando sempre com carinho de todos que passaram e contribuíram com a Nazaré, Francisco reconhece a importância do doutor Jorge na conquista da posse da área pela comunidade. "Foi uma luta coletiva de muitos anos onde cada um tem a sua importância", completa.

Hoje a Nazaré Paulista é bem diferente do seu começo. São mais de 600 famílias num verdadeiro bairro ao lado da cerca do aeroporto e entre os históricos bairros do Jardim Aeroporto e do Jardim Jóquei Clube. A luta atual é pela regularização fundiária urbana, a transformação concreta em um bairro, com CEP e Escritura.

Num domingo de junho, a Associação de Moradores atual e um grupo de profissionais ligados a um projeto do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo celebravam o término de um projeto técnico que será entregue na Prefeitura: são os mapas urbanos da regularização fundiária da Nazaré. Fruto, mais uma vez, da colaboração de ativistas preocupados com a comunidade. E entre jovens arquitetos e urbanistas do grupo, estava uma advogada chamada Ana Mauer. Sim a "doutora" Ana, realizando, talvez, seu último gesto de colaboração com a Nazaré Paulista, ajudando do toque final, a regularização fundiária de uma comunidade que muitos acreditavam que seria derrubada pelos tratores madrugadores que apavoram os mais de 49 mil sem-teto de Ribeirão Preto.

Mas a Nazaré sobreviveu e vai sobreviver. É um exemplo de luta para Ribeirão Preto.

Perguntado sobre qual é o seu sonho agora, depois de tudo que se passou, Francisco da uma resposta que somente alguém que tem uma consciência de classe forjada na luta coletiva pode dar: "Meu sonho é ver a comunidade se transformar num bairro, com todo mundo com moradia, luz, endereço, água e dignidade". 

"Cheguei aqui com esposa e duas filhas. Hoje tenho dois genros e netos. Ter uma casa é o princípio básico para se ter direitos", termina.

Os sonhos de Francisco são sempre sonhos coletivos.


Texto de Ricardo Jimenez para o Blog O Calçadão


Adendo: O Calçadão recebeu as seguintes informações após a publicação do texto - "o projeto de regularização fundiária da Nazaré Paulista foi fomentado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo e não pelo Sindicato"; "a Dra Ana Mauer entrou com o processo de posse na área na Justiça em 2019 antes da entrada do Dr. Jorge Roque e o processo foi ganho quatro meses depois" (confirmando que a luta na Nazaré Paulista foi uma luta coletiva); "a Dra Ana Mauer atuou como estudante de direito no Najurp na Nazaré Paulista entre 2012 e 2015, após isso ela foi a advogada da comunidade até 2019".



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