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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Adoniran Barbosa: essa eu fiz comigo mesmo! Por Sandro Cunha



No dia 06 de agosto último, o mestre do samba paulista João Rubinato completaria 106 anos de vida.

     Ao iniciar sua carreira musical, adotou o nome artístico de Adoniran, emprestado do amigo de boemia, e Barbosa herdado do sambista Luís Barbosa, ídolo do mestre, que batucava de maneira original no chapéu e cantava de forma sincopada, introduzindo o breque no samba.

    Cantando a música Filosofia de autoria de Noel Rosa em um concurso de calouros no rádio, Adoniran se livrou do gongo e foi classificado, o que lhe rendeu um contrato com a emissora. Ao ser indagado sobre o assunto, ele sempre dizia: tenho certeza que o homem do gongo estava distraído e esqueceu de me gongar.

    Apesar de compor desde a década de 1930, o primeiro sucesso de Adoniran foi a música Saudosa maloca, gravada no início dos anos 1950 pelo Conjunto Demônios da Garoa.

    Adoniran é considerado um dos grandes cronistas da cidade de São Paulo, pois suas músicas retratavam o cotidiano da cidade, a vida dura das pessoas simples, além de colocar em evidência as mazelas que a metrópole produzia naquela época. Utilizando-se do tema maloca, favela ou morro, o sambista compôs, além da música Saudosa maloca, Abrigo de vagabundos, No morro da Casa Verde, No Morro do piolho, O casamento do Moacir e Despejo na favela. Essa última foi proibida pelos censores durante a ditadura militar, pois não gostaram do final da música, que dizia: pra mim não tem problema, em qualquer canto eu me arrumo, de qualquer jeito eu me ajeito, depois o que eu tenho é tão pouco, minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás, mais essa gente aí hein, como é que faz! (censurado).

    Aproveitando as músicas compostas por Adoniran e o seu grande talento teatral, o produtor, roteirista e compositor Osvaldo Moles criou o programa humorístico História das malocas na Rádio Record, tendo como personagem principal o Charutinho, incorporado pelo nosso querido Adonis (apelido ganho do amigo Nicola).    

    Osvaldo tinha um grande talento para a comédia e soube criar personagens e histórias populares, além de ser muito irônico e engraçado ao construir frases como: tragédia de pobre, quando não dá morte...dá samba.          

    Antes de cada faixa do programa História das malocas, os dois personagens principais, Terezoca e Charutinho faziam um diálogo introdutório como esse:                                                    
Terezoca – Charutinho, cê podia dá uma ispiculação pra mim?                                                                                                                                                                                             Charutinho – Fala, véia, que teu bafo tem ferrugem!

Terezoca – Quem é esse cara chamado Chico Lingüiça?

Charutinho – É o rei da preguiça. Nunca trabaiô. Um dia arresolveu trabaiá e deram uma surra nele.

Terezoca – Ué? O cara vai trabaiá e em lugá de ganhá dinhêro ganha lenha, ganha pancada?

Charutinho – É que ele arresolveu trabaiá no dia Primeiro de Maio, o dia do trabáio, o dia que ninguém faiz nada.

Terezoca – Mi sigura...É aquele que o emprego dele é percurá emprego?
Charutinho – Pois é...Ele é tão preguiçoso que ele tem um cachorro, viu véia...É o cachorro que fala, e ele é que late!

    Adoniran levava muito a sério essa história de falar errado e quando foi criticado por Vinícius de Moraes por sua maneira de falar, respondeu: eu falo o linguajar do povo. O povo fala arrresolveu, pobrema, trabáio, lugá e ispiculação, então eu falo igual.

    Como disse Antônio Cândido, o nosso querido Adoniran falava a língua  ítalo-caipira-paulista, que exprimia a linguagem da maioria esmagadora dos paulistas daquela época, daí a enorme popularidade do artista.

    A vida de Adoniran como de vários artistas populares foi cercada de mitos. Um dos principais é a história de que ele foi ao médico reclamando de uma dor profunda na barriga. Depois que o médico o examinou com cuidado, disse: seu Adoniran, o senhor está bebendo muito álcool? Adoniran olhou para o doutor, deu uma pausa e disse: só quando não tem pinga doutor.

    Para mim é um grande prazer escrever sobre o nosso querido Adoniran, mas tudo tem o seu fim e receio que esteja na hora de eu acabar, explicando o significado do título do texto.

     No dia 12 de julho de 1965, o sambista foi convidado para participar do Programa O Fino da Bossa, apresentado pela nossa grande intérprete Elis Regina, a Pimentinha.

    Durante os dez minutos em que participou do programa, o compositor respondeu perguntas da apresentadora e cantou algumas músicas, tais como, As mariposa, Um samba no Bixiga e Prova de carinho, mas quando Elis perguntou com quem ele teria feito a música Luz da Light, o mestre respondeu imediatamente: essa eu fiz comigo mesmo.

Sandro Cunha é professor e amante do samba e das histórias do samba.

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