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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Relatório da Repórteres Sem Fronteiras revela colapso global da liberdade de imprensa

 

A concentração de poder em grandes grupos econômicos, a inflência de grupos religiosos e as alianças políticas são ameaças à democratização da informação no Brasil

Relatório da Repórteres Sem Fronteiras alerta: sem independência econômica, não há imprensa livre. No Brasil, domínio de poucos grupos familiares, dependência da publicidade estatal e ataques a comunicadores minam o direito à informação.

Por Filipe Augusto Peres

A liberdade de imprensa está em colapso. É o que mostra o Mapa do Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2025, divulgado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na última sexta-feira (2). 

Pela primeira vez, o relatório classifica a situação global como “difícil”, resultado de um enfraquecimento estrutural do jornalismo, em que a ameaça econômica se sobrepõe à repressão direta.

O relatório denuncia a crescente submissão dos meios de comunicação a interesses políticos e financeiros. Em meio à crise mundial, o caso brasileiro se destaca como exemplo de concentração privada extrema, em que grandes famílias controlam conglomerados de mídia nacional e mantêm relações simbióticas com os poderes político, econômico e religioso. De acordo com o relatório, esse modelo compromete o pluralismo informativo e torna a imprensa refém de agendas alheias ao interesse público.

“Os meios de comunicação não são empresas como quaisquer outras. Quando seus donos estão associados ao poder, a liberdade editorial se torna uma ficção”, alerta Anne Bocandé, diretora da RSF.

O caso do Brasil: entre a blindagem do poder e o silenciamento da periferia

Na 63ª posição do ranking mundial, o Brasil melhorou 19 posições sua colocação em relação ao ano passado e 47 após o fim do governo Bolsonaro, mas permanece atolado em estruturas que sufocam a liberdade de imprensa. Dez grandes grupos familiares — com destaque para Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Grupo Folha — controlam a distribuição da informação no país, com forte influência de interesses religiosos e alianças políticas.

O documento da Repórter Sem Fronteiras destaca que esse oligopólio não se limita ao conteúdo editorial, mas também molda a distribuição de verbas publicitárias governamentais.

Em veículos locais e regionais, essa dependência representa um dos principais fatores de autocensura. As redações, para sobreviver, precisam se alinhar a governos ou parlamentares — o que gera um jornalismo vulnerável e, muitas vezes, conivente.

A mídia pública, não estatal, por sua vez, vive sob orçamento precário e constantes investidas políticas, sem estabilidade que garanta sua função constitucional de oferecer informação plural, independente e de qualidade. A comunicação pública brasileira segue longe de cumprir o papel de alternativa democrática ao modelo concentrado privado.

Desertos de informação e ataques à base do jornalismo

Para a RSF, a ausência de regulamentação da mídia e o enfraquecimento econômico criam “desertos de informação” em vastas áreas do país, principalmente em regiões periféricas e do interior. Nessas zonas, comunicadores populares, blogueiros e radialistas são os mais expostos à violência: perseguições judiciais, ameaças, agressões e assassinatos se tornaram rotina.

Na última década, pelo menos 30 jornalistas foram mortos no Brasil. A maioria cobria corrupção local, política municipal ou crimes ambientais. Em 2022, o caso do jornalista britânico Dom Phillips, assassinado por interesses ligados ao agro-minério-hidro-negócio, enquanto investigava grilagem e tráfico em terras indígenas na Amazônia, se tornou símbolo da hostilidade estrutural enfrentada pela imprensa.

Na internet, a situação não é menos alarmante: ataques coordenados, campanhas de difamação e linchamentos virtuais atingem principalmente mulheres jornalistas, pessoas negras e comunicadores da periferia, reproduzindo violências históricas sob nova roupagem digital.

Com governos de extrema-direita, EUA, Argentina e Peru apresentam mídia fechada, desertos de informação e desinformação


Nos  Estados Unidos (57º), de acordo com o relatório da RSFo segundo mandato de Donald Trump levou a uma preocupante deterioração da liberdade de imprensa

"Sua administração politizou instituições, reduziu o apoio à mídia independente e marginalizou jornalistas. A confiança na mídia está diminuindo, os repórteres estão enfrentando uma hostilidade crescente e muitos jornais locais estão desaparecendo, deixando para trás vastos desertos de notícias”.

O texto afirma que Donald Trump também encerrou o financiamento federal para a Agência dos Estados Unidos para a Mídia Global (USAGM), impactando o cenário da mídia internacional.

Outros retrocessos marcantes na região, segundo a Repórteres Sem Fronteiras, também podem ser explicados por mudanças autoritárias. Na  Argentina (87º), o presidente Javier Milei estigmatizou jornalistas, desmantelou a mídia pública e usou a publicidade estatal como arma política. O país perdeu 47 posições em dois anos. No  Peru (130º), a liberdade de imprensa também despencou – queda de 53 posições desde 2022 – devido ao assédio judicial, às campanhas de desinformação e à crescente pressão sobre a mídia independente.


Um apelo por um novo pacto global pela informação

Frente à catástrofe revelada pelo ranking, a RSF lançou um New Deal para o Jornalismo, com 11 recomendações voltadas à restauração da independência econômica e à proteção do jornalismo como bem público. Entre as medidas, estão a taxação das big techs, a regulação da concentração de propriedade, o financiamento público transparente e o incentivo à diversidade editorial.

“A imprensa é pilar da democracia. Mas uma imprensa controlada por interesses privados e capturada pelo poder perde sua razão de existir”, afirma o relatório.

Para o Brasil, o alerta é urgente: não há futuro democrático possível enquanto a informação continuar nas mãos de poucos — e a comunicação popular for tratada como inimiga.

Quem é a Repórteres Sem Fronteiras?

Fundada em 1985 na França, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) é uma organização internacional independente e sem fins lucrativos que atua na defesa da liberdade de imprensa e do direito à informação. Com presença em mais de 130 países, a RSF publica anualmente o Índice Mundial da Liberdade de Imprensa, considerado uma referência global sobre o estado do jornalismo. A entidade tem status consultivo junto à ONU, UNESCO e Conselho da Europa, e está na linha de frente na denúncia de censura, proteção de jornalistas em risco e formulação de políticas públicas para garantir um ecossistema informativo livre, plural e confiável.

Leia o relatório completo clicando em https://rsf.org/pt-br

Fontes utilizadas na produção da matéria:
- Ficha do Brasil – RSF 2025: https://rsf.org/fr/pays-br%C3%A9sil

- Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2025 – Relatório completo: https://rsf.org/fr/classement-mondial-rsf-2025-la-fragilisation-%C3%A9conomique-des-m%C3%A9dias-constitue-l-une-des-principales

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