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quarta-feira, 30 de abril de 2025

O Agro não é Pop: Violência no campo brasileiro persiste em 2024 com mais agrotóxicos, ameaças e conflitos por água e terra

 



Mesmo com leve queda no número total de conflitos, CPT alerta para o agravamento da violência estrutural e o avanço de grupos armados e uso político da destruição ambiental

Por Filipe Augusto Peres

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou na última quarta-feira (23) a 39ª edição do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, revelando que, embora o número total de conflitos tenha sofrido uma pequena queda de 3% em relação ao ano anterior, a violência no campo segue em patamares alarmantes. O estudo contabilizou 2.185 conflitos em 2024, contra 2.250 em 2023, mantendo o segundo maior número da série histórica da entidade.

Segundo a CPT, os dados mostram não apenas a persistência, mas o acirramento de práticas violentas estruturais contra povos indígenas, quilombolas, camponeses, posseiros e trabalhadores rurais, sobretudo com o uso de veneno, ameaças de morte, incêndios criminosos e ações articuladas por milícias rurais como o grupo Invasão Zero.

Conflitos por terra: recorde da década e avanço do agrotóxico como arma

O eixo terra concentrou 80% de todos os conflitos registrados, com 1.768 ocorrências, número mais alto da última década. Desse total, 1.680 foram episódios de violência direta, como despejos, grilagem, destruição de pertences e ameaças armadas. Estima-se que mais de 904 mil pessoas tenham sido afetadas.

Os dados também registram aumento de 762% nos casos de contaminação por agrotóxicos, que saltaram de 32 (em 2023) para 276 registros em 2024, a maioria deles no Maranhão (228), atingindo comunidades tradicionais. O estado lidera também o número geral de conflitos por terra (363), seguido do Pará (234), Bahia (135) e Rondônia (119).

A CPT aponta que fazendeiros são responsáveis por 44% dos conflitos por terra, além de liderarem também os casos de incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%).

Grupo Invasão Zero: milícia rural com articulação política

O relatório documenta a atuação violenta do grupo Invasão Zero em ao menos oito estados (como Maranhão, Bahia, Pará, Pernambuco e Goiás), com ações armadas contra acampamentos, retomadas e comunidades tradicionais. Os ataques envolvem seguranças privados, policiais e milicianos. O grupo também atua no Congresso Nacional, pressionando por projetos que criminalizam ocupações e retomadas.

Criado no sul da Bahia em 2023, o Invasão Zero é composto por fazendeiros, empresários e políticos que se opõem frontalmente aos movimentos sociais do campo. Ele atua como milícia rural, organizando ações violentas para conter ocupações de terras e retomadas indígenas. Sua coordenação nacional está vinculada ao Instituto Harpia Brasil, entidade de perfil ultraconservador com presença em assembleias legislativas e no Congresso Nacional. O grupo tem ligação com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista.

A atuação do grupo é investigada pela Polícia Federal por suspeita de formação de milícia e por envolvimento no assassinato da indígena Nega Pataxó, ocorrido em janeiro de 2024.

Fontes: De Olho nos Ruralistas (2024), Instituto Socioambiental (ISA), Justiça Global.

Conflitos por água crescem e revelam nova frente de disputa

Com 266 ocorrências, os conflitos por água aumentaram 16% em 2024. As principais causas são poluição, apropriação privada de recursos hídricos e barragens. O Pará lidera com 65 ocorrências, seguido de Maranhão (45), Minas Gerais (30) e Bahia (22).

Entre as vítimas estão indígenas (71), quilombolas (58), ribeirinhos (28) e posseiros (27). Os principais agentes causadores são empresários, fazendeiros, mineradoras, o governo federal e garimpeiros.

Trabalho escravo rural: 1.622 trabalhadores resgatados

Mesmo com redução em relação ao recorde de 2023 (2.663), 151 casos de trabalho escravo foram registrados, resultando em 1.622 trabalhadores resgatados. A CPT atribui a queda à greve dos auditores fiscais do trabalho, iniciada em março de 2024.

A atividade mais crítica segue sendo a produção de café, com 237 resgates. Também se destacam a lavoura de cebola (194), a pecuária (137) e o garimpo.

Violência contra a pessoa: menos assassinatos, mais ameaças

Os assassinatos caíram de 31 (em 2023) para 13 em 2024, o menor número da década. No entanto, a ameaça de morte aumentou 24%, com 272 registros — maior número dos últimos 10 anos. Houve também aumento nas tentativas de homicídio (de 72 para 103), sendo 79% das vítimas indígenas, em sua maioria no Mato Grosso do Sul.

A CPT denuncia o envolvimento de fazendeiros em 46% dos assassinatos, com participação direta ou apoio de forças policiais em quatro casos. Um dos casos mais emblemáticos é o de Nega Pataxó, assassinada por um fazendeiro ligado ao Invasão Zero.

"Não nos cabe desistir", diz CPT em seu jubileu de 50 anos

Em editorial da edição especial do Caderno da CPT, a organização reafirma seu compromisso com a luta dos pobres da terra. O documento denuncia a cumplicidade de parte do Judiciário, do Executivo e do Legislativo com os agentes da violência rural, além da omissão de setores religiosos que silenciam sobre as mortes no campo.

“A CPT continua documentando conflitos, violências, matança de pobres e da natureza. Não nos cabe desistir”, afirma o texto. “Continuaremos, pelo tempo necessário, esse serviço pastoral.”

 Números resumidos de 2024

Indicador

Valor

Conflitos no campo

2.185

Conflitos por terra

1.768

Pessoas envolvidas em conflitos por terra

904.532

Conflitos por água

266

Casos de trabalho escravo

151

Trabalhadores resgatados

1.622

Assassinatos no campo

13

Ameaças de morte

272

Tentativas de assassinato

103

Contaminações por agrotóxicos

276

A íntegra do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024” está disponível no site da CPT: www.cptnacional.org.br

 

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