Mesmo com leve queda no número total de conflitos, CPT alerta para o agravamento da violência estrutural e o avanço de grupos armados e uso político da destruição ambiental
Por Filipe Augusto Peres
A Comissão
Pastoral da Terra (CPT) divulgou na última quarta-feira (23) a 39ª edição do relatório
Conflitos no Campo Brasil 2024, revelando que, embora o número
total de conflitos tenha sofrido uma pequena queda de 3% em relação ao ano
anterior, a violência no campo segue em
patamares alarmantes. O estudo contabilizou 2.185 conflitos em 2024, contra 2.250 em 2023, mantendo o segundo
maior número da série histórica da entidade.
Segundo a
CPT, os dados mostram não apenas a persistência, mas o acirramento de práticas violentas estruturais contra povos indígenas,
quilombolas, camponeses, posseiros e trabalhadores rurais, sobretudo com
o uso de veneno, ameaças de morte, incêndios criminosos e ações articuladas por
milícias rurais como o grupo Invasão
Zero.
Conflitos por terra: recorde da década e avanço do agrotóxico como arma
O eixo terra
concentrou 80% de todos os conflitos
registrados, com 1.768
ocorrências, número mais alto da última década. Desse total, 1.680 foram episódios de violência direta,
como despejos, grilagem, destruição de pertences e ameaças armadas. Estima-se
que mais de 904 mil pessoas
tenham sido afetadas.
Os dados também registram aumento de 762% nos
casos de contaminação por agrotóxicos, que saltaram de 32 (em 2023) para
276 registros em 2024, a maioria deles no Maranhão (228), atingindo comunidades tradicionais. O estado
lidera também o número geral de conflitos por terra (363), seguido do Pará
(234), Bahia (135) e Rondônia (119).
A CPT aponta
que fazendeiros são responsáveis por
44% dos conflitos por terra, além de liderarem também os casos de
incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%).
Grupo Invasão Zero: milícia rural com articulação política
O relatório
documenta a atuação violenta do grupo
Invasão Zero em ao menos oito estados (como Maranhão, Bahia, Pará,
Pernambuco e Goiás), com ações armadas contra acampamentos, retomadas e
comunidades tradicionais. Os ataques envolvem seguranças privados, policiais e milicianos. O grupo também atua
no Congresso Nacional, pressionando por projetos que criminalizam ocupações e
retomadas.
Criado no
sul da Bahia em 2023, o Invasão Zero
é composto por fazendeiros, empresários e políticos que se opõem frontalmente
aos movimentos sociais do campo. Ele atua como milícia rural, organizando ações violentas para conter ocupações
de terras e retomadas indígenas. Sua coordenação nacional está vinculada ao Instituto Harpia Brasil, entidade de
perfil ultraconservador com presença em assembleias legislativas e no Congresso
Nacional. O grupo tem ligação com a Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista.
A atuação do
grupo é investigada pela Polícia Federal por suspeita de formação de milícia e
por envolvimento no assassinato da indígena Nega Pataxó, ocorrido em janeiro de 2024.
Fontes: De
Olho nos Ruralistas (2024), Instituto
Socioambiental (ISA), Justiça
Global.
Conflitos por água crescem e revelam nova frente de disputa
Com 266 ocorrências, os conflitos por água
aumentaram 16% em 2024. As principais causas são poluição, apropriação privada de recursos hídricos e barragens. O
Pará lidera com 65 ocorrências, seguido de Maranhão (45), Minas Gerais (30) e
Bahia (22).
Entre as
vítimas estão indígenas (71),
quilombolas (58), ribeirinhos (28) e posseiros (27). Os principais
agentes causadores são empresários, fazendeiros, mineradoras, o governo federal
e garimpeiros.
Trabalho escravo rural: 1.622 trabalhadores resgatados
Mesmo com
redução em relação ao recorde de 2023 (2.663), 151 casos de trabalho escravo foram registrados, resultando em 1.622 trabalhadores resgatados. A CPT
atribui a queda à greve dos auditores
fiscais do trabalho, iniciada em março de 2024.
A atividade
mais crítica segue sendo a produção de
café, com 237 resgates. Também se destacam a lavoura de cebola (194), a
pecuária (137) e o garimpo.
Violência contra a pessoa: menos assassinatos, mais ameaças
Os
assassinatos caíram de 31 (em 2023) para 13 em 2024, o menor número da década. No entanto, a ameaça de morte aumentou 24%, com 272
registros — maior número dos últimos 10 anos. Houve também aumento nas tentativas de homicídio (de 72 para 103),
sendo 79% das vítimas indígenas,
em sua maioria no Mato Grosso do Sul.
A CPT
denuncia o envolvimento de fazendeiros
em 46% dos assassinatos, com participação direta ou apoio de forças policiais em quatro casos. Um
dos casos mais emblemáticos é o de Nega
Pataxó, assassinada por um fazendeiro ligado ao Invasão Zero.
"Não nos cabe desistir", diz CPT em seu jubileu de 50 anos
Em editorial
da edição especial do Caderno da CPT, a organização reafirma seu compromisso
com a luta dos pobres da terra. O documento denuncia a cumplicidade de parte do
Judiciário, do Executivo e do Legislativo com os agentes da violência rural,
além da omissão de setores religiosos
que silenciam sobre as mortes no campo.
“A CPT
continua documentando conflitos, violências, matança de pobres e da natureza.
Não nos cabe desistir”, afirma o texto. “Continuaremos, pelo tempo necessário,
esse serviço pastoral.”
Números resumidos de 2024
Indicador |
Valor |
Conflitos no campo |
2.185 |
Conflitos por terra |
1.768 |
Pessoas envolvidas em conflitos por terra |
904.532 |
Conflitos por água |
266 |
Casos de trabalho escravo |
151 |
Trabalhadores resgatados |
1.622 |
Assassinatos no campo |
13 |
Ameaças de morte |
272 |
Tentativas de assassinato |
103 |
Contaminações por agrotóxicos |
276 |
A íntegra do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024” está disponível
no site da CPT: www.cptnacional.org.br
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