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A concentração de poder em grandes grupos econômicos, a inflência de grupos religiosos e as alianças políticas são ameaças à democratização da informação no Brasil |
Relatório da
Repórteres Sem Fronteiras alerta: sem independência econômica, não há imprensa
livre. No Brasil, domínio de poucos grupos familiares, dependência da
publicidade estatal e ataques a comunicadores minam o direito à informação. A liberdade de imprensa está em colapso. É o que
mostra o Mapa do Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2025, divulgado pela
Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na última sexta-feira (2).
Pela primeira vez, o relatório classifica a
situação global como “difícil”, resultado de um enfraquecimento estrutural do
jornalismo, em que a ameaça econômica se sobrepõe à repressão direta.
O relatório denuncia a crescente submissão dos meios
de comunicação a interesses políticos e financeiros. Em meio à crise mundial, o
caso brasileiro se destaca como exemplo de concentração privada extrema, em que
grandes famílias controlam conglomerados de mídia nacional e mantêm relações
simbióticas com os poderes político, econômico e religioso. De acordo com o
relatório, esse modelo compromete o pluralismo informativo e torna a imprensa
refém de agendas alheias ao interesse público.
“Os meios de
comunicação não são empresas como quaisquer outras. Quando seus donos estão
associados ao poder, a liberdade editorial se torna uma ficção”, alerta Anne
Bocandé, diretora da RSF.
O caso do Brasil:
entre a blindagem do poder e o silenciamento da periferia
Na 63ª posição do ranking mundial, o Brasil melhorou 19
posições sua colocação em relação ao ano passado e 47 após o fim do governo Bolsonaro, mas permanece atolado
em estruturas que sufocam a liberdade de imprensa. Dez grandes grupos
familiares — com destaque para Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Grupo Folha —
controlam a distribuição da informação no país, com forte influência de
interesses religiosos e alianças políticas.
O documento da Repórter Sem Fronteiras destaca que esse
oligopólio não se limita ao conteúdo editorial, mas também molda a distribuição
de verbas publicitárias governamentais.
Em veículos locais e regionais, essa dependência
representa um dos principais fatores de autocensura. As redações, para
sobreviver, precisam se alinhar a governos ou parlamentares — o que gera um
jornalismo vulnerável e, muitas vezes, conivente.
A mídia pública, não estatal, por sua vez, vive sob
orçamento precário e constantes investidas políticas, sem estabilidade que
garanta sua função constitucional de oferecer informação plural, independente e
de qualidade. A comunicação pública brasileira segue longe de cumprir o papel de
alternativa democrática ao modelo concentrado privado.
Desertos de
informação e ataques à base do jornalismo
Para a RSF, a ausência de regulamentação da mídia e o
enfraquecimento econômico criam “desertos de informação” em vastas áreas do
país, principalmente em regiões periféricas e do interior. Nessas zonas,
comunicadores populares, blogueiros e radialistas são os mais expostos à
violência: perseguições judiciais, ameaças, agressões e assassinatos se
tornaram rotina.
Na última década, pelo menos 30 jornalistas foram
mortos no Brasil. A maioria cobria corrupção local, política municipal ou
crimes ambientais. Em 2022, o caso do jornalista britânico Dom Phillips,
assassinado por interesses ligados ao agro-minério-hidro-negócio, enquanto
investigava grilagem e tráfico em terras indígenas na Amazônia, se tornou
símbolo da hostilidade estrutural enfrentada pela imprensa.
Na internet, a situação não é menos alarmante: ataques
coordenados, campanhas de difamação e linchamentos virtuais atingem
principalmente mulheres jornalistas, pessoas negras e comunicadores da
periferia, reproduzindo violências históricas sob nova roupagem digital.
Com governos de
extrema-direita, EUA, Argentina e Peru apresentam mídia fechada, desertos de
informação e desinformação
Nos Estados
Unidos (57º),
de acordo com o relatório da RSFo segundo mandato de Donald Trump levou a uma
preocupante deterioração da liberdade de imprensa.
"Sua administração politizou
instituições, reduziu o apoio à mídia independente e marginalizou jornalistas.
A confiança na mídia está diminuindo, os repórteres estão enfrentando uma
hostilidade crescente e muitos jornais locais estão desaparecendo, deixando
para trás vastos desertos de notícias”.
O texto afirma que Donald Trump também
encerrou o financiamento federal para a Agência dos Estados Unidos para a Mídia
Global (USAGM), impactando o cenário da mídia internacional.
Outros retrocessos marcantes na região, segundo a
Repórteres Sem Fronteiras, também podem ser explicados por mudanças
autoritárias. Na Argentina (87º), o presidente Javier Milei estigmatizou jornalistas,
desmantelou a mídia pública e usou a publicidade estatal como arma política. O
país perdeu 47 posições em dois anos. No Peru (130º), a liberdade de imprensa também despencou –
queda de 53 posições desde 2022 – devido ao assédio judicial, às campanhas de
desinformação e à crescente pressão sobre a mídia independente.
Um apelo por um novo
pacto global pela informação
Frente à catástrofe revelada pelo ranking, a RSF
lançou um
“New Deal para o Jornalismo”, com 11 recomendações voltadas à
restauração da independência econômica e à proteção do jornalismo como bem
público. Entre as medidas, estão a taxação das big techs, a regulação da
concentração de propriedade, o financiamento público transparente e o incentivo
à diversidade editorial.
“A imprensa é pilar
da democracia. Mas uma imprensa controlada por interesses privados e capturada
pelo poder perde sua razão de existir”, afirma o relatório.
Para o Brasil, o alerta é urgente: não há futuro
democrático possível enquanto a informação continuar nas mãos de poucos — e a
comunicação popular for tratada como inimiga.
Quem é a Repórteres
Sem Fronteiras?
Fundada em 1985 na França, a Repórteres Sem Fronteiras
(RSF) é uma organização internacional independente e sem fins lucrativos que
atua na defesa da liberdade de imprensa e do direito à informação. Com presença
em mais de 130 países, a RSF publica anualmente o Índice Mundial da Liberdade
de Imprensa, considerado uma referência global sobre o estado do jornalismo. A
entidade tem status consultivo junto à ONU, UNESCO e Conselho da Europa, e está
na linha de frente na denúncia de censura, proteção de jornalistas em risco e
formulação de políticas públicas para garantir um ecossistema informativo
livre, plural e confiável.
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