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sábado, 24 de maio de 2025

Atlas da Violência escancara racismo estrutural, avanço da violência contra indígenas e população LGBTQIAPN+ no Brasi

 


Relatório aponta que negros representam 77% dos assassinados no país, indígenas enfrentam crescimento de suicídios e agressões, e violência contra pessoas LGBTQIAPN+ explode, com aumento superior a 2.300% no caso das travestis. Documento alerta que as desigualdades raciais, territoriais e de gênero estão no centro da dinâmica da violência no Brasil.


A face racial da violência permanece como uma das marcas da realidade brasileira. O Atlas da Violência 2025, publicado nesta quinta-feira (22) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que 77% das vítimas de homicídios no Brasil são pessoas negras. A chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,4 vezes maior do que a de uma pessoa não negra. O relatório afirma que 


“a violência no Brasil tem cor, e ela é preta”.


Essa desigualdade também se manifesta na violência de gênero. As mulheres negras continuam sendo as principais vítimas de feminicídios, especialmente no ambiente doméstico. Embora alguns índices de agressões letais apresentem redução, o relatório registra aumento constante nas notificações de violência doméstica, lesões corporais, ameaças e tentativas de feminicídio, indicando que a sobreposição entre racismo e machismo agrava os riscos.


O impacto sobre a juventude negra também aparece de forma evidente. Homens jovens, entre 15 e 29 anos, são os mais afetados pela violência letal. A taxa de homicídios nesse grupo é quase três vezes superior à média nacional, o que, segundo os pesquisadores, confirma que 


“o acesso à vida segura continua sendo um privilégio profundamente atravessado por raça, classe e território”.


Violência contra os povos indígenas cresceu exponencialmente


A situação dos povos indígenas também revela um quadro de extrema vulnerabilidade. O Atlas mostra que o suicídio permanece como uma das maiores tragédias entre os povos originários. Em 2023, a taxa de suicídio entre indígenas foi de 18,6 por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional, de 7,8. Esse índice, embora inferior ao pico de 38,3 em 2014, não representa melhorias efetivas, mas reflete variações conjunturais. 


O relatório aponta que 


o suicídio entre indígenas está diretamente relacionado à desestruturação social, às tensões territoriais, à insegurança jurídica, às invasões de terras para garimpo, pesca e extração ilegal, além de discriminação, insegurança alimentar e acesso precário aos serviços de saúde”.


Os dados sobre as internações hospitalares de indígenas por agressões e intervenções legaistambém reforçam esse cenário. Entre 2013 e 2024, o país registrou 1.554 internações, com aumento de 73 casos em 2013 para 205 em 2023, o maior da série histórica. Para os pesquisadores, os números refletem tanto o aprofundamento da violência estrutural contra os povos originários quanto uma ampliação, ainda que limitada, do acesso aos serviços de saúde. O relatório inclui relatos de lideranças que denunciam a violência institucional. Valdelice Veron, da Aty Guasu (Grande Assembleia dos Povos Guarani-Kaiowá), descreve episódios de tortura e abuso cometidos por agentes do Estado: 


“Depois voltaram, levaram Cecília para outro quarto, a algemaram, torturaram e a levaram embora no camburão. Depois tentaram me prender também […]. Fomos torturados psicologicamente; eles chegavam a babar em cima da gente”.


Violência contra a população LGBTQIAPN+ explode


A violência contra a população LGBTQIAPN+ também apresenta crescimento expressivo. Entre 2022 e 2023, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais aumentaram 35%, enquanto os registros de agressões contra pessoas trans e travestis sobem 43%. Na análise histórica, os números são ainda mais altos. De 2014 a 2023, as agressões contra travestis cresceram 2.340,74%, contra mulheres trans 1.110,99%, e contra homens trans 1.607,69%. O relatório observa que parte desse aumento se relaciona à redução da subnotificação, mas os dados também indicam crescimento real da violência.


Os pesquisadores associam esse quadro a um ambiente político e social de retrocessos. Segundo o documento, 


“no Brasil, esse movimento político extremista se articula em torno da chamada agenda ‘anti-ideologia de gênero’, que não só se institucionaliza durante o governo Bolsonaro, como também se mantém após esse período, desestruturando políticas e instituições de defesa dos direitos LGBTQIAPN+”.


O documento também aponta a sobreposição de vulnerabilidades. A maioria das vítimas LGBTQIAPN+ é jovem, negra e periférica, o que, segundo os pesquisadores, 


“revela uma concentração racial da vulnerabilidade, que se soma às opressões de gênero e sexualidade, aprofundando a exposição desse grupo às diversas formas de violência”.


Política armamentista do governo Bolsonaro freia a redução dos homicídios e custa mais de seis mil vidas


O Atlas da Violência atualiza os dados gerais sobre homicídios no Brasil. O documento aponta uma redução de 2,3% nas taxas em 2023, que chega a 21,2 homicídios por 100 mil habitantes, o menor patamar dos últimos onze anos. Apesar da queda, os pesquisadores alertam para a explosão dos crimes digitais, como o estelionato online, que soma quase dois milhões de ocorrências no ano. O relatório também denuncia a piora na qualidade dos dados sobre violência, resultado do aumento das Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), que ocultam milhares de homicídios nas estatísticas oficiais.


O relatório dedica atenção especial ao impacto da política armamentista adotada a partir de 2019. Segundo os pesquisadores, o aumento na circulação de armas freou a queda dos homicídios. As estimativas indicam que, se não houvesse o afrouxamento da legislação, 6.379 vidas teriam sido poupadas entre 2019 e 2021.


O documento afirma que enfrentar a violência no Brasil exige mais do que endurecer penas ou ampliar o policiamento. Defende planejamento, investimento qualificado, políticas públicas baseadas em evidências e compromisso com a redução das desigualdades estruturais que alimentam a violência no país.

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