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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Professora Cláudia Cantarella colabora com O Calçadão!



O Calçadão abre espaço para amigos e colaboradores que tenham algo a dizer para nossos leitores, sempre na perspectiva das lutas populares, progressistas. Com visão humanista e de esquerda.

O lema do nosso blog é "Uma Cidade para Todos".

Nossa primeira colaboradora é a professora Cláudia, de Ribeirão Preto, que divide agora conosco um texto de sua autoria.

"E no meio do caminho tinha uma pedra...".


Malabares

Vi-o hoje pela tarde, na esquina de uma rua central, fazendo malabares, cabelo moicano ou punk, não sei identificar. A última vez que vira Arthur, de longe, como hoje, era show do Zeca Baleiro, na Feira do Livro de 2008 e ambos cantavam; um no palco, outro, no chão: “Ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar”.

Sentava-se na segunda carteira da segunda fileira à minha esquerda. Inteligente, miúdo e bonito. Naquela ocasião, penteava os cabelos como qualquer outro garoto de sua idade. Fazia poesia. Entendia tudo o que se explicava na aula. Falava pouco e pensava, sonhava...voava muito.

Até hoje tenho dele um poema guardado. Tinha um bom tom de voz e eu sempre lhe pedia para que lesse. Lia para nós o Augusto dos Anjos, os textos de jornais e do livro didático e o Drummond, das crônicas e dos poemas gauches da vida. Sua cara de anjo torto era de um Arthur filho de um pai alheio, drogado pelos cantos da casa. A mãe casou-se novamente e o padrasto detestava-o. Mandaram-no seguir seu caminho, fora de casa, em outra arena....

E agora, Arthur? No começo, perdido, entre o aqui e ali, depois: drogas, polícia e noite no conselho tutelar...pelo menos acabara tendo um canto para dormir vez ou outra. Na casa da avó não ficaria, o caminho escolhido não poderia ser outro.

E agora, Arthur, o que fazer com toda poesia que guarda dentro de si? O que fazer com a timidez que sempre disfarçava? É preciso um cabelo em pé e roupas pretas e sujas para ser notado em meio a tantos outros que passam despercebidos pelos bueiros das famílias e pelas ruas coloridas....

E agora, Arthur? Não posso mais ler o que escreve...será que você ainda escreve? 

Um outro Arthur, mais próximo e próspero manda-me um recado por uma rede social: “tia, passei no vestibular, segundo lugar. Serei doutor pela UNESP”.

Defenderá a vida? Certamente. Inteligente, brilhante, redações pontuais e decisivas... (será que escrever bem é um dom dos arthures?). Bonito e bem tratado: pai-irmão bem sucedido, mãe-abrigo e professora. Casa bonita, amigos companheiros e uma namorada para aprender a amar. Que alegria, que menino feliz...por bênção ou por sorte dos malabares da vida.

Nasceu lindo, olhos suaves. Apesar de mais de 1.90m, um gosto ingênuo por tudo, um jeito de quem nunca vai crescer. Movido pelos sonhos tão bem amparados e resolvidos, passo a passo, tempo a tempo.

Penso nesses meninos e em tantos outros e penso qual dos malabares escorregou e caiu para que o Arthur moicano esteja nas ruas, dormindo pelos cantos, tropeçando nas próprias pedras que ele eleva no ar. Talvez precisemos olhar melhor para esses malabares, o que há de errado com eles? Por que escorregam? 

Ou simplesmente sigamos, convivendo e cruzando- em shows gratuitos, em semáforos centrais- com meninos que escrevem ou escreveram bem um dia. No meio do caminho não faltarão pedras: para uns, leves, para outros, verdadeiros morros, mas não belos como os de Drummond que o Arthur moicano lia naquele ano, na sala de aula, um dia.

Cláudia Cantarella 


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