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domingo, 20 de julho de 2025

Exibição do documentário “Orí” reúne público em Ribeirão Preto para celebrar o legado de Beatriz Nascimento

 

Documentário destacou os quilombos como territórios de resistência e acolhimento
Fotos: @filipeaugustoperes


Exibição de documentário foi espaço de reencontro com a história e de afirmação de futuros possíveis, a partir das sementes plantadas por Beatriz Nascimento


Neste sábado (19), o espaço da UGT, no bairro Campos Elíseos, em Ribeirão Preto, recebeu dezenas de pessoas para a exibição gratuita do documentário Orí (1989), dirigido por Raquel Gerber. A atividade integrou o projeto “Café com Curta”, promovido pelo Coletivo Abayomi, e teve como foco a vida e o pensamento da historiadora e ativista Beatriz Nascimento, referência no feminismo negro brasileiro e nas reflexões sobre território, identidade e ancestralidade.


Mediado por Marcelo Domingos, Maitê Gomes, Palmira Souza e Lubicwlia de Jesus, o debate ocorreu à medida que o documentário ia sendo exibido, como forma de gerar reflexão a partir de pontos e colocações surgidas durante a exibição 


A exibição foi seguida por um debate junto ao público e aprofundou a discussão sobre a importância de Beatriz Nascimento para a história do movimento negro no Brasil. Nascida em Aracaju, em 17 de julho de 1942, e criada no Rio de Janeiro, onde se formou e fez mestrado em História pela UFRJ, Beatriz foi uma das primeiras intelectuais negras a denunciar as violências estruturais do racismo e do patriarcado a partir de uma perspectiva própria, centrada na vivência das mulheres negras.


Durante o encontro, participantes destacaram a atualidade de seu pensamento, sobretudo sua defesa dos quilombos como territórios de resistência, e seu papel pioneiro na construção de uma educação antirracista. Beatriz teve sua vida interrompida de forma brutal em 1995, vítima de feminicídio, mas seu legado segue vivo nas lutas por justiça racial, territorial e de gênero.


Em sua fala, mediando o debate, Marcelo Domingos traçou paralelos entre a trajetória da intelectual sergipana e os desafios contemporâneos enfrentados pela população negra brasileira, destacando o racismo estrutural e a necessidade de reconstrução subjetiva.


Marcelo Domingos 

Logo no início da mediação, Marcelo contextualizou historicamente a atuação de Beatriz, destacando sua mudança do Nordeste para o Sudeste ainda na infância, sua formação como historiadora pela UFRJ e seu envolvimento com os estudos sobre os quilombos.


“Ela inova ao propor uma nova concepção para o quilombo, não apenas como um espaço de resistência do passado, mas como algo pulsante, presente, um espaço de acolhimento e fuga da realidade imposta por classe, raça e gênero”, afirmou.


Ao comentar os conceitos apresentados no documentário, Domingos destacou o simbolismo da circularidade, presente na visão africana de mundo e valorizado por Beatriz. “Mesmo em contexto urbano, nossa existência ainda é remanescente da luta negra. A ideia de aquilombamento, tão presente hoje, retoma esse espaço como lugar de afeto, de reconstrução”, pontuou.


Marcelo também abordou a continuidade do racismo nas estruturas sociais contemporâneas, caracterizando o que chamou de “remodernização do racismo”: “Hoje a gente consegue olhar de frente para ele, caracterizá-lo, mas ele se perpetua em formas novas, muitas vezes sutis, e seguimos convivendo com uma sociedade hierarquizada racialmente”, disse.


Inspirado pelas provocações de Beatriz Nascimento, Domingos levou o debate para o campo subjetivo, ressaltando a urgência de se construir uma nova subjetividade negra. “A nossa debilidade não é um obstáculo. É o nosso movimento. E a gente vai construindo estabilidade a partir da consciência de que o ‘negro’ é uma construção do branco — e é contra essa prisão simbólica que precisamos atuar”, afirmou.


A desracialização contribui para o apagamento da identidade coletiva negra


O debate também lançou luz sobre os desafios de nomear as lutas negras a partir de uma perspectiva racializada e histórica. Foi evidenciado como muitos movimentos protagonizados por pessoas negras — como as paralisações de trabalhadores precarizados, as reivindicações por moradia, luz, água e dignidade — são frequentemente absorvidos por discursos universalistas que retiram seu caráter racial. Essa desracialização, segundo participantes, contribui para o apagamento da identidade coletiva negra e impede o fortalecimento político dessas mobilizações como parte orgânica do movimento negro.


 A dificuldade em reconhecer as lutas populares como negras decorre de um projeto histórico de apagamento da negritude 


As falas apontaram ainda que a dificuldade em reconhecer essas pautas como negras decorre de um projeto histórico de apagamento da negritude no Brasil, em contraste com experiências de segregação racial em outros países, como os Estados Unidos, onde a consciência étnico-racial foi fortalecida em meio à repressão. No contexto brasileiro, a miscigenação operou como estratégia de diluição e silenciamento das origens africanas, dificultando o senso de pertencimento coletivo.


A partir disso, refletiu-se sobre a importância de reconstruir esse pertencimento, nomear as lutas e reinscrever a história negra nos territórios, nas políticas e nas práticas cotidianas. Reivindicar a centralidade negra em pautas sociais é, para muitas das vozes presentes, um gesto radical de afirmação e resistência.


A atividade foi realizada em parceria com a Memória da Classe Operária – UGT e com a Associação Amigos da Memória da Classe Operária. 


Para o Coletivo Abayomi, o evento reafirma o compromisso com a formação crítica e a valorização das figuras históricas negras que contribuíram para transformar o Brasil. A exibição de Orí se consolidou, assim, como um espaço potente de reencontro com a história, mas também de elaboração de futuros possíveis, baseados em resistência, identidade e ancestralidade.


Maitê Gomes



2 comentários:

Marcos Valério disse...

Que guerreira....

Novo Aeroporto Regional Internacional e Metropolitano disse...

Excelente cobertura do evento. Que bom o Calçadão contar com seu profissionalismo Felipe

Exibição do documentário “Orí” reúne público em Ribeirão Preto para celebrar o legado de Beatriz Nascimento

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