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sábado, 9 de maio de 2015

O que o caso Alfredo Roza tem a nos ensinar?




Por *Marcelo Botosso

Em tempos de ódio e intolerância, o método “(in) justiça com as próprias mãos” parece cair no gosto dos mais desavisados e de personalidades sádicas que pairam em quase todas as sociedades humanas. Um exemplo lapidar desse quase-sempre-falível-método pode ser visto na história local da Estância Turística de Salto, interior de São Paulo. Existem várias versões para este caso, porém, nos atemos à versão mais conhecida que dá subsídio à nossa pretendida reflexão.

        Em meados do ano de 1911, a pequena comunidade da então denominada Salto de Ytu, com menos de 5.000 habitantes, grande parte na zona rural, imigrantes italianos e seus descendentes, vivia em estado de alerta devido aos furtos de animais que vinham ocorrendo naquela localidade. Comum aos sábados, vários sitiantes se deslocavam até o núcleo urbano a fim de comprar seus produtos nos armazéns de secos e molhados, sobretudo no de Marcos Miliani, localizado em frente à indústria Ítalo-Americana, lugar de grande fluxo de operários, onde mais tarde se construiria a Creche da Brasital. Mas foi numa tarde de julho de 1911, que iniciaria ali um episódio que marcaria definitivamente a história da cidade.

          Aterrorizados com os furtos de cavalos, os frequentadores do armazém desconfiaram de um simplório sitiante de pele parda que há tempos não aparecia por lá e naquele dia acabara permanecendo por um longo tempo em frente ao estabelecimento comercial. Sob os olhos desconfiados dos moradores locais e do grande contingente de operários que saia da fábrica e se avolumava no entorno, o matuto amedrontado deixou todos os seus pertences e se pôs a correr.

          O matuto, cujo nome era Alfredo Roza, começou a ser perseguido por uma multidão de populares que aos gritos ecoava: “Pega o ladrão”. Correu por quase dois quilômetros rumo ao cemitério velho, hoje Praça XV. Não conseguiu transpor o córrego do Ajudante onde foi encurralado por alguns disparos de arma de fogo. Parado diante de todos, Roza se declarou inocente, porém, foi alvejado por tiro[1] e, em segundos, já sem vida, foi ao chão. Algumas fontes dizem que houve linchamento e seu corpo foi arrastado até a Rua de Campinas, atual 9 de Julho, onde funcionava a delegacia e cadeia da cidade.

           Passado algum tempo e restabelecida a ordem, descobriu-se quem eram os verdadeiros ladrões. A partir de então, a comunidade viu que matara barbaramente um inocente e, com profundo pesar e sentimento de culpa, passou a cultuar a memória de Alfredo Roza atribuindo-lhe atos milagrosos. No local de seu assassínio foi erigida uma capela que lá permaneceu até o ano de 1973. O corpo de Roza sofreu vários traslados e seus restos mortais encontram-se atualmente no Cemitério da Saudade, sepultura 3038.

O caso Alfredo Roza nos ensina que o ódio rancoroso, comum de perfis fascistas, parece algo intrínseco a uma parcela da humanidade. Não basta conter o possível suspeito, há de se aniquilar, dilacerar, trucidar aquele que foi eleito o “inimigo”, comumente aquele que não se enquadra nos ditos padrões hegemônicos socialmente aceitos. Os preconceitos afloram em momentos de tensão e no calor das emoções perde-se a razão. A irracionalidade prepondera.

Para tanto existe a frieza da lei que, nem sempre justa, ainda é a melhor forma de se resolver os conflitos, minimizando ocasionais injustiças.

Quantos mais “alfredos rozas” hão de existir?



*Marcelo Botosso é Historiador da Estância Turística de Salto – Museu da Cidade de Salto “Ettore Liberalesso”.



[1] Conforme caderno do cemitério municipal que registra causas mortis: “ferimento arma fogo”, Alfredo Roza, sepultado como indigente,  p.21, nº 350, 20 de julho de 1911. Fonte: Museu da Cidade de Salto “Ettore Liberalesso”.

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