Cerrado em chamas
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O avião pousou em Belém sob uma névoa quente de umidade amazônica e promessas oficiais. Nos outdoors do caminho até o centro de convenções, lia-se em inglês e verde-limão: “Brasil: The Green Superpower of the Future”. Marina sorriu, amarga. Sabia que cor e slogan não eram a mesma coisa que verdade. Verdade não é market share. Verdade não dá lucro.
Dentro da AgriZone, climatizada, luz branca, carpetes novos e máquinas de café suíças, executivos de gravata verde se abraçavam sobre meta de carbono e carne regenerativa. A palavra pasto degradado aparecia em slides com animações futuristas; ali, parecia poético, até elegante. Um sheik apontou para uma área do mapa como quem escolhe sabor de sobremesa.
Marina, no credenciamento, viu no crachá que a Embrapa era organizadora. E sentiu uma pontada de descompasso histórico, quase físico, como quando a memória percebe que o corpo está mentindo para a boca. Desde menina ela via o agro avançar sobre o real, sem freio moral, sem dúvida, sem pausa, e agora estava ali, emoldurado de verde, para salvar o clima.
Mais tarde, exausta, ela atravessou a avenida até a Cúpula dos Povos. A lona do espaço improvisado tremulava com o vento do rio, e lá dentro um círculo de agricultoras trocava sementes e histórias. Um senhor indígena falava devagar sobre o tempo: não o relógio, mas o tempo da floresta, que não negocia com tabelas de Excel.
Uma menina de doze anos aproximou-se de Marina e perguntou baixinho:
"Você consegue explicar por que eles acham que salvar o planeta é fazer mais do que já destruiu ele"?
Marina respirou fundo. Olhou para o rio, escuro, enorme, sem powerpoint. Pensou em como anos de ciência tinham se transformado em lobby e vitrine.
"Não sei , mas acho que é por isso que a gente está aqui".
Naquele fim de tarde, enquanto o sol se deitava pesado por trás das docas, Marina percebeu que havia dois mundos coexistindo, ao mesmo tempo, na mesma cidade, e que a COP era apenas o local onde eles se tocavam, sem jamais se encontrar de verdade.
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